O
Jornalismo Científico precisa investigar mais e melhor
A
explosão da Unidade Tamaron da Bayer, em Belford Roxo,
a absurda cratera da Estação 4 do Metrô paulistano
e a lama suja derramada pela Mineração Rio Pomba
(Cataguazes) em dezenas de municípios brasileiros, para
não falar no apagão aéreo que tanto penalizou
os cidadãos no final de 2006, evidenciam a necessidade
de uma ação mais qualificada e menos sensacionalista
da mídia e dos jornalistas em geral.
Tais
acidentes não devem ser contemplados apenas como resultado
da gestão incompetente de empresas irresponsáveis
ou como fruto da cumplicidade de governos e órgãos
de fiscalização omissos ou como falhas técnicas
imperdoáveis, mas como vícios dramáticos
de um sistema tipificado pela ganância empresarial. Sistemas
em pane, engenharias mal feitas e acidentes fabris indicam que
as empresas andam se valendo de critérios outros para qualificar
as suas instalações, pondo em risco a vída
de pessoas inocentes, a qualidade de vida de milhares de moradores
e a confiança nas instituições. Não
há coincidência, Deus não tem nada a ver com
isso e as chuvas não são ao menos uma explicação
razoável para os acidentes.
Logo
após a explosão na Bayer, a mídia, certamente
pautada pela empresa e por autoridades que a legitimam, deu as
costas ao fato, não buscando indagar as verdadeiras razões
e muito menos os riscos a que se expõe toda uma comunidade
que vive ao lado de uma bomba prestes a explodir. Mais ainda:
mesmo após ter sido informada sobre a ação
nociva deste agrotóxico, proibido em muitos países
mas que viu aqui reduzido o seu grau de toxidade sem qualquer
razão, a imprensa não se interessou pela investigação.
Aceitou passivamente a informação de que o Tamaron
não causa danos à saúde e ao meio ambiente.
Se
tivesse se interessado em acessar o próprio site da empresa
( o site dela no Chile traz uma descrição dramática,
assustadora do produto), verá que o Tamaron é pra
lá de perigoso, que foi acusado pela morte de inúmeras
crianças peruanas e que, pela falta de controle, deve estar
vitimando brasileiros por aí afora. Era só colocar
Tamaron como palavra-chave no Google ou mesmo levantar o que dizem
os links quando você busca informações sobre
o passado e o presente desta gigante agroquímica .
Há
um silêncio imenso sobre o perigo dos agrotóxicos,
ainda que a Anvisa, a Embrapa e a Fiocruz, para só citar
3 instituições, estejam recorrentemente chamando
a atenção para o seu impacto deletério no
meio ambiente e na saúde dos trabalhadores rurais.
No
caso da cratera do Metrô, de responsabilidade das maiores
empreiteiras do País (algumas fazem doações
generosas a políticos em época de eleição),
assistimos à tentativa de desqualificar fontes independentes
e de prorrogar o relatório, como aconteceu também
no infausto acidente da Gol. A proposta é sempre transferir
o problema para os tribunais e se valer da Justiça (muito
pouco justa no Brasil) para sufocar qualquer investigação
mais séria ou dificultar o pagamento das merecidas indenizações.
É fundamental que os jornalistas científicos percebam
que as boas pautas não estão apenas nos laboratórios,
dentro dos muros das universidades, mas na rua, ao nosso lado.
Os grandes interesses e sua ânsia por lucros a qualquer
custo continuam empenhados no monopólio das sementes, no
lobby junto ao Governo para venda de medicamentos caros, na choradeira
cínica, como têm feito sistematicamente as montadoras.
É preciso resgatar as acusações repetidas
contra cartéis (acaba de "pipocar" a notícia
sobre o cartel das empresas que fabricam e vendem gases industriais)
e a atuação de grandes corporações
(a Siemens parece que é a bola da vez, tantas são
as denúncias de fraudes e de corrupção presentes
na mídia).
É
necessário desmistificar o discurso de responsabilidade
social dos grandes laboratórios, a pretendida atuação
cidadã das grandes multinacionais de alimentos e das gigantes
da biotecnologia ou a gestão ambiental da indústria
tabagista. É emblemático ver a Souza Cruz conquistando
prêmios ambientais, quando todos sabemos que o produto que
ela vende polui o ar que respiramos e mata milhões de pessoas
em todo o mundo. Que conceitos de meio ambiente e de sustentabilidade
estão sendo aplicados nesse caso?
O
jornalista científico precisa enxergar além da notícia,
não confundir funcionário de corporações
com cientista ou pesquisador, ainda que ele possa ser o diretor
de P & D, porque, muitos deles, quando aceitam este novo encargo,
jogam fora o seu compromisso com a ética e a cidadania
para defender interesses de empresários e de acionistas.
Também
no Jornalismo Científico não existe almoço
grátis. Investigar é sempre a solução
mais lúcida e inteligente. Quando for convidado para uma
coletiva da Monsanto (a do agente laranja, sabia?), lembre-se
que o Round-up será sempre o prato preferido. Não
acredite na inocuidade do Tamaron, não aceite uma tragada
da Souza Cruz ou da Philip Morris. A ciência e a tecnologia,
nesse caso, não estão a serviço de causa
alguma, mas enchem o bolso de quem as produz ou comercializa.
Cuidado com as fontes que anda visitando porque, caso contrário,
irá acreditar um dia que a Novartis defende a biodiversidade
(você já ouviu falar no projeto BioAmazônia?).
Olho
vivo. Antes de frequentar coletivas regadas a vinho e a camarão,
promovidas por agências de comunicação e assessorias,
busque levantar o perfil de quem está pagando a conta.
Talvez com isso possa evitar uma enxaqueca por falta de
cidadania depois.
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