<% pagina = "http://" & request.ServerVariables("HTTP_HOST") & request.ServerVariables("URL") %> Ciência & Comunicação - Editorial
Volume 3
Número 5

20 de dezembro de 2006
 
 * Edição atual    

          O Jornalismo Científico precisa investigar mais e melhor

          A explosão da Unidade Tamaron da Bayer, em Belford Roxo, a absurda cratera da Estação 4 do Metrô paulistano e a lama suja derramada pela Mineração Rio Pomba (Cataguazes) em dezenas de municípios brasileiros, para não falar no apagão aéreo que tanto penalizou os cidadãos no final de 2006, evidenciam a necessidade de uma ação mais qualificada e menos sensacionalista da mídia e dos jornalistas em geral.

          Tais acidentes não devem ser contemplados apenas como resultado da gestão incompetente de empresas irresponsáveis ou como fruto da cumplicidade de governos e órgãos de fiscalização omissos ou como falhas técnicas imperdoáveis, mas como vícios dramáticos de um sistema tipificado pela ganância empresarial. Sistemas em pane, engenharias mal feitas e acidentes fabris indicam que as empresas andam se valendo de critérios outros para qualificar as suas instalações, pondo em risco a vída de pessoas inocentes, a qualidade de vida de milhares de moradores e a confiança nas instituições. Não há coincidência, Deus não tem nada a ver com isso e as chuvas não são ao menos uma explicação razoável para os acidentes.

          Logo após a explosão na Bayer, a mídia, certamente pautada pela empresa e por autoridades que a legitimam, deu as costas ao fato, não buscando indagar as verdadeiras razões e muito menos os riscos a que se expõe toda uma comunidade que vive ao lado de uma bomba prestes a explodir. Mais ainda: mesmo após ter sido informada sobre a ação nociva deste agrotóxico, proibido em muitos países mas que viu aqui reduzido o seu grau de toxidade sem qualquer razão, a imprensa não se interessou pela investigação. Aceitou passivamente a informação de que o Tamaron não causa danos à saúde e ao meio ambiente.

          Se tivesse se interessado em acessar o próprio site da empresa ( o site dela no Chile traz uma descrição dramática, assustadora do produto), verá que o Tamaron é pra lá de perigoso, que foi acusado pela morte de inúmeras crianças peruanas e que, pela falta de controle, deve estar vitimando brasileiros por aí afora. Era só colocar Tamaron como palavra-chave no Google ou mesmo levantar o que dizem os links quando você busca informações sobre o passado e o presente desta gigante agroquímica .

          Há um silêncio imenso sobre o perigo dos agrotóxicos, ainda que a Anvisa, a Embrapa e a Fiocruz, para só citar 3 instituições, estejam recorrentemente chamando a atenção para o seu impacto deletério no meio ambiente e na saúde dos trabalhadores rurais.

          No caso da cratera do Metrô, de responsabilidade das maiores empreiteiras do País (algumas fazem doações generosas a políticos em época de eleição), assistimos à tentativa de desqualificar fontes independentes e de prorrogar o relatório, como aconteceu também no infausto acidente da Gol. A proposta é sempre transferir o problema para os tribunais e se valer da Justiça (muito pouco justa no Brasil) para sufocar qualquer investigação mais séria ou dificultar o pagamento das merecidas indenizações.

           É fundamental que os jornalistas científicos percebam que as boas pautas não estão apenas nos laboratórios, dentro dos muros das universidades, mas na rua, ao nosso lado. Os grandes interesses e sua ânsia por lucros a qualquer custo continuam empenhados no monopólio das sementes, no lobby junto ao Governo para venda de medicamentos caros, na choradeira cínica, como têm feito sistematicamente as montadoras. É preciso resgatar as acusações repetidas contra cartéis (acaba de "pipocar" a notícia sobre o cartel das empresas que fabricam e vendem gases industriais) e a atuação de grandes corporações (a Siemens parece que é a bola da vez, tantas são as denúncias de fraudes e de corrupção presentes na mídia).

          É necessário desmistificar o discurso de responsabilidade social dos grandes laboratórios, a pretendida atuação cidadã das grandes multinacionais de alimentos e das gigantes da biotecnologia ou a gestão ambiental da indústria tabagista. É emblemático ver a Souza Cruz conquistando prêmios ambientais, quando todos sabemos que o produto que ela vende polui o ar que respiramos e mata milhões de pessoas em todo o mundo. Que conceitos de meio ambiente e de sustentabilidade estão sendo aplicados nesse caso?

          O jornalista científico precisa enxergar além da notícia, não confundir funcionário de corporações com cientista ou pesquisador, ainda que ele possa ser o diretor de P & D, porque, muitos deles, quando aceitam este novo encargo, jogam fora o seu compromisso com a ética e a cidadania para defender interesses de empresários e de acionistas.

          Também no Jornalismo Científico não existe almoço grátis. Investigar é sempre a solução mais lúcida e inteligente. Quando for convidado para uma coletiva da Monsanto (a do agente laranja, sabia?), lembre-se que o Round-up será sempre o prato preferido. Não acredite na inocuidade do Tamaron, não aceite uma tragada da Souza Cruz ou da Philip Morris. A ciência e a tecnologia, nesse caso, não estão a serviço de causa alguma, mas enchem o bolso de quem as produz ou comercializa. Cuidado com as fontes que anda visitando porque, caso contrário, irá acreditar um dia que a Novartis defende a biodiversidade (você já ouviu falar no projeto BioAmazônia?).

          Olho vivo. Antes de frequentar coletivas regadas a vinho e a camarão, promovidas por agências de comunicação e assessorias, busque levantar o perfil de quem está pagando a conta. Talvez com isso possa evitar uma enxaqueca por falta de cidadania depois.

 

 
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