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Jornalismo
Científico e Psiquiatria
por Marco Aurélio Lessa Villela,
aluno da disciplina de Jornalismo Científico
da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Paula Villela Nunes é médica psiquiatra e
pesquisadora da USP.
"Os interesses pessoais e os oportunismos deveriam permanecer
distantes do Jornalismo Científico". Paula Villela
Nunes.
O melhor conhecimento da função neural e da genética
abre novas possibilidades terapêuticas de caráter
preventivo", porém "para aplicações
clínicas infelizmente ainda estamos distantes". Todavia,
essa realidade não é sempre levada em conta, especialmente
por mídias ávidas por notícias bombásticas.
"É comum um certo sensacionalismo tipo 'descoberta
a cura para a doença de Alzheimer', quando na verdade foi
revelado apenas um tipo de tratamento para um tipo específico
de população". Esse é o diagnóstico
apresentado por Paula Villela Nunes, médica psiquiatra,
doutora pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do
Laboratório de Neurociências (LIM-27) do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo..
Segundo ela, a atual cobertura da ciência pela mídia
é satisfatória, ao menos em termos quantitativos
, tanto na televisão, quanto em jornais, internet etc.,
e existem "publicações de excelente qualidade
- com destaque para a revista Pesquisa Fapesp, que dá um
apanhado geral sobre o tema tratado e abre a possibilidade de
aprofundamento por meio de referências ou 'links'".
Ela cita também, pelos mesmos motivos, a Revista do Hospital
das Clínicas , acrescentando que "cada vez mais encontramos
'websites' institucionais com muitas informações
úteis".
A imprensa peca, contudo, pela superficialidade com que trata
os temas da área, não exercendo efetivamente aquela
que seria sua tarefa primordial: propiciar uma visão de
conjunto, contextualizar aquilo que se noticia, e não somente
realizar a "tradução" das pesquisas para
uma linguagem acessível. Isso acontece também porque
é comum que os pesquisadores acabem por se aprofundar em
excesso em seu objeto de estudo, o que torna mais complicada a
interação com os profissionais de imprensa. Além
do sensacionalismo excessivo já citado anteriormente, expresso
por chamadas do tipo "encontrando o gene da obesidade",
é preciso ressaltar o aspecto comercial das mídias,
que por vezes supera o que deveria ser o seu papel cidadão
de comunicar ciência.
O relacionamento entre cientistas e jornalistas, segundo a pesquisadora,
( que já teve uma experiência positiva com entrevista
cedida por e-mail para a Nature) é "saudável,
hoje em muito facilitado pela internet". No entanto, ainda
existe, reconhece Paula Villela, por parte dos pesquisadores,
"o receio de que os dados sejam mal compreendidos ou publicados
parcialmente, com a ausência de informações
e conceitos importantes para a compreensão do tema",
receio esse que não parece infundado. Ela sugere que os
jornalistas devam, em sua formação, "ter acima
de tudo uma boa base humanística em Português, Lógica
e Filosofia", instrumental que lhes permitiria "a avaliação
até de conceitos técnicos ligados às áreas
exatas e biológicas".
Caso essa formação fosse a regra, certamente o problema
seria minimizado e a divulgação ocorreria da melhor
forma possível, com o enriquecimento da interação
e do diálogo entre o pesquisador - que, em geral, se sente
reconhecido ao ter seu trabalho divulgado - e o jornalista.
Como mais um elemento complicador em sua área de atuação,
Paula Villela aponta "a dificuldade de se entender as questões
ligadas à saúde mental", que estariam relacionadas
"às múltiplas influências que sofre de
aspectos sócio-culturais, de experiência pessoal
e de inter-relações (psicologia) , além das
possibilidades que a biologia do corpo oferece (genética)".
"Ainda temos um longo caminho a percorrer no conhecimento
da biologia e da sociologia do ser humano", segundo ela,
e "cada vez mais poderemos aperfeiçoar as práticas
psicoterapêuticas e possibilidades de tratamentos físicos
(como por exemplo a eletroconvulsoterapia ou estimulação
magnética transcraniana) e neuroquímicos (como os
remédios)".
Que fique claro aos desavisados que a eletroconvulsoterapia, vista
pela pesquisadora como promissora, não tem nada a ver com
as técnicas condenáveis apresentadas em filmes como
"Bicho de Sete Cabeças", às quais a comunidade
científica se opõe firmemente.
Paula Villela ressalta ainda a questão dos interesses pessoais
e oportunismos, que "deveriam permanecerA distantes do Jornalismo
Científico". Infelizmente, as coisas não são
bem assim. Talvez isso ocorra pela forma como se dá a avaliação
do mérito acadêmico, priorizando quantidade em detrimento
da qualidade. Pesquisadores que buscam a ascensão e prestígio
na carreira acadêmica precisam escrever muitos artigos em
revistas indexadas, precisam ser produtivos, caso contrário
não conseguir atingir o seu objetivo. Como eles "precisam
publicar e os menos éticos podem fazer isso a qualquer
custo", a situação pode tornar-se grave, sobretudo
se consideramos que "os conhecimentos - e isso não
ocorre apenas na área de neurociências e psiquiatria
- podem virar produtos com apelo comercial". A ânsia
pela divulgação de produtos e a postura de "empresas
líderes, que não têm interesse que os seus
produtos sejam prejudicados de forma alguma", acabam por
interferir na "neutralidade" do Jornalismo Científico.
Tal fato ocorre seja porque o jornalista tem vínculos com
as partes interessadas na divulgação, seja porque,
por desconhecimento, divulga resultados de pesquisa que em si
são deturpados.
A pesquisadora ressalta a diversidade como "um dos bens mais
importantes da humanidade", opondo-se, como cientista, a
dogmatismos de qualquer ordem, sejam eles políticos, religiosos
etc.
Isso não significa, explica ela, que se deva aceitar qualquer
estudo como digno de consideração, já que
não vivemos em um mundo ideal e as pessoas são,
muitas vezes, movidas por interesses pessoais. Nesse caso, observa-se
um conflito com o posicionamento defendido (e adotado) pela pesquisadora:
"devemos ser livres, corajosos e intuitivos para elaborar
hipóteses, mas precisamos de muita cautela, persistência
e rigor científico na hora de testá-las". Sobretudo
na hora de divulgar os resultados, especialmente para um jornalista!
Brincadeiras à parte, isso não deixa de ser verdade
em muitos casos, especialmente no Brasil, onde infelizmente há
escassez de profissionais capacitados trabalhando na área.
Que as reflexões e sugestões
de Paula Villela Nunes sejam objeto das devidas considerações.
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