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A
divulgação da pesquisa científica no Brasil
Marcelo Pompêo*
Resumo
A crescente orientação
para a publicação em revistas internacionais vem
acompanhando a mudança no critério de avaliação
do mérito da pesquisa científica no Brasil. O modelo
vigente privilegia a publicação em revistas estrangeiras
e no idioma inglês, consideradas de maior relevância
técnica e de maior nível de impacto na comunidade
científica, em detrimento das revistas nacionais e de escrita
em português. Menor importância ainda é dada
às publicações de divulgação
científica. A continuidade na discussão preferencial
de preocupações de caráter externo e a falta
de motivação para publicar textos em revistas especializadas
nacionais e artigos de divulgação científica,
não permitirão elevar o nível educacional
e conscientizar a população. O modelo adotado pelas
agências de fomento à pesquisa no Brasil, contribuirá
para reduzir o número de títulos de revistas científicas
nacionais e sua qualidade, e inibirá o amplo debate sobre
questões de caráter local.
Palavras-chave: divulgação
científica, revistas científicas, agências
de fomento.
Introdução
As descobertas da ciência
geram novos conhecimentos, à medida que permitem a compreensão
dos fenômenos da natureza e fornecem alternativas para o
aproveitamento sustentável dos recursos e contribuem para
a melhoria da qualidade de vida da sociedade contemporânea.
Etapa de fundamental importância
para a pesquisa científica, a divulgação
do novo conhecimento é proporcionada pela publicação
de artigos em revistas técnicas especializadas. O julgamento
da novidade e importância do novo conhecimento gerado é
realizado por pesquisadores que estudam a particular área
de interesse.
A divulgação da
pesquisa científica
A publicação da pesquisa
científica em revistas especializadas, de formato e normas
rígidas e bem estabelecidas, atende às necessidades
da pesquisa e permite a troca de experiências entre os pesquisadores.
No entanto, estas revistas científicas especializadas têm
formato e vocabulário pouco familiar ao cidadão
leigo, sendo que apenas pequena parcela da população
brasileira tem acesso integral ao seu conteúdo.
Existem inúmeras revistas
científicas de alto nível no Brasil, publicando
há muitos anos as pesquisas desenvolvidas por grupos de
pesquisadores brasileiros e, em sua grande maioria, relacionadas
a temas de interesse nacional.
O simples fato de o artigo científico
discorrer sobre questões de caráter local, contribui
para a disseminação do conhecimento para um maior
número de brasileiros e permite incluir discussões
que vislumbrem a solução dos inúmeros problemas
nacionais. Portanto, a existência de sólidas revistas
científicas editadas no Brasil, que publiquem textos escritos
inclusive em português, tem caráter estratégico.
Nos últimos anos, a crescente
orientação de pesquisadores brasileiros para publicar
em revistas técnicas internacionais vem acompanhando a
mudança no critério de avaliação do
mérito da pesquisa científica no Brasil. O modelo
de divulgação das pesquisas científicas vigente
cada vez mais privilegia a publicação em revistas
estrangeiras e no idioma inglês, consideradas de maior relevância
técnica e de maior nível de impacto na comunidade
científica, em detrimento das revistas nacionais e de escrita
em português, em sua grande maioria considerada de penetração
restrita. Desta forma, na atualidade, o veículo de divulgação
empregado, e não unicamente a qualidade da pesquisa executada,
assume relevante papel na avaliação da pesquisa
e, consequentemente, do pesquisador e de sua equipe de colaboradores.
O simples fato da publicação do manuscrito se dar
em periódico de alto impacto confere mérito à
pesquisa.
Para ter o artigo aceito para publicação
em revista internacional, não basta unicamente ter trabalho
científico de qualidade, a pesquisa tem também que
atender a critérios de competência estabelecidos
pelas comissões editoriais dos respectivos periódicos.
Como regra básica, tema de interesse local não costuma
ser prioritário para a comunidade científica internacional;
desta forma, a pesquisa de caráter local é pouco
divulgada no cenário internacional. Assim, o pesquisador
que se dedica a temas de interesse regional publica em revistas
de menor impacto. Desta maneira, tende a ter menor prestígio
da comunidade científica brasileira e, consequentemente,
menos verbas das agências de fomento, do que aquele cuja
linha de pesquisa atende à demanda para publicação
em revistas estrangeiras de alto impacto.
Menor importância ainda é
dada à publicação de textos mais abrangentes
e que atingem maior parcela da população, publicados
em revistas de caráter informativo, como os textos de divulgação
científica. Textos voltados ao público não
especializado, traduzindo de forma clara e objetiva a informação
contida na revista técnica especializada, assumem relevante
papel na divulgação da ciência, contribuindo
para a educação e formação de recursos
humanos. Apesar dessa importância, a sua publicação
não recebe o devido apoio dos pesquisadores e valorização
das agências de fomento à pesquisa no Brasil, sendo
poucos aqueles que dedicam parte de seu tempo na geração
de publicações dessa natureza.
A maioria dos pesquisadores encontra-se
em institutos de pesquisa e universidades públicas no Brasil.
O financiamento das pesquisas e os respectivos salários
dos pesquisadores, na sua maior parcela, são provenientes
do conjunto de impostos pagos pelo cidadão. Esta característica
pública de financiamento reforça que a redação
do artigo científico não deve ser o objetivo em
si da pesquisa científica e a pesquisa não deve
atender exclusivamente ao interesse do pesquisador, ou dos editores
de revistas técnicas internacionais. Além do mais,
a divulgação do conhecimento não deve ficar
restrita aos relatórios técnicos e periódicos
especializados, de formato e vocabulário pouco acessível,
particularmente se escritos em língua estrangeira. Tão
importante quanto a publicação do artigo científico,
como etapa fundamental da pesquisa científica, a publicação
de textos para jornais de divulgação deve ser valorizada.
Em especial a divulgação da ciência por meios
mais ágeis e diversificados, como permitido pela Internet,
aproxima o público do conhecimento recente. A estrutura
livre desses textos modifica a forma do manuscrito, com a potencialidade
de informar com maior alcance, auxiliando a formar cidadãos
mais conscientes da sua ação como agente modificador
do meio. Além disso, cabe salientar a importância
de se formar os cidadãos em temas de ciência, uma
vez que, por depender de financiamento público, a atividade
científica passa, direta ou indiretamente, também
a depender, cada dia mais, do posicionamento crítico e
da aprovação da sociedade. Educar para a Ciência,
através de instrumentos como a divulgação
científica, garante o estímulo à formação
de novas gerações de pesquisadores. Garante também
a aceitação e, portanto, a sobrevivência no
longo prazo da atividade científica. Mais e mais os cidadãos
serão instigados a opinar (e aprovar o financiamento) de
certas linhas de pesquisa. Os cientistas, por sua vez, estão,
também, cada vez mais obrigados a justificar o seu fazer
e a contribuir na formação (e informação)
dos cidadãos em Ciência.
Considerações finais
A continuidade na discussão
preferencial de preocupações de caráter externo
e a falta de motivação para publicar textos em revistas
especializadas nacionais e artigos de divulgação
científica, refletirão no nível educacional
e de conscientização da população
brasileira, inclusive comprometendo a formação de
novos pesquisadores. O modelo adotado pelas agências de
fomento à pesquisa no Brasil, privilegiando textos publicados
em revistas científicas internacionais, contribuirá
para reduzir o número de títulos de revistas científicas
nacionais e sua qualidade. Também inibirá o amplo
debate sobre importantes questões de caráter local.
Além disso, continuar-se-á a incorrer no erro de
negligenciar a divulgação científica como
poderoso instrumento de informação e formação
de cidadãos realmente críticos e participativos.
Agradecimentos
Ao Grupo de
Pesquisa em Limnologia (USP, IB, Depto. de Ecologia), a Lighia
B. Horodynski Matsushigue (IF, USP), ao Sérgio Tadeu Meirelles
(IB, USP), a Vera Rita da Costa (Ciência Hoje - SP) e Viviane
Moschini Carlos (UNESP, Sorocaba, SP) pelas valiosas sugestões
apresentadas ao manuscrito.
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Marcelo Pompêo
Biólogo, doutor, professor do Departamento de Ecologia/IB,
Universidade de São Paulo.
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