Ciência
e Histórias em Quadrinhos, por Patrícia Simões
Candido
Waldomiro Vergueiro é doutor em Ciências da
Comunicação pela Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP, onde atua como professor e chefia o Departamento
de Biblioteconomia e Documentação. É fundador
e coordenador do NPHQ (Núcleo de Pesquisa de Histórias
em Quadrinhos). Autor de vários livros nas suas diversas
áreas de atuação e artigos sobre HQs em revistas
especializadas nacionais e internacionais. Membro do Conselho
Editorial e colaborador dos periódicos International Journal
of Comic Art e Revista Latinoamericana de Estudios de la Historieta,
além de contribuir para as matérias dos sites Omelete
e Pop Corn.
Ciência & Comunicação:
Como as suas áreas de atuação - a Biblioteconomia
e as Histórias em Quadrinhos (HQ) se relacionam?
Waldomiro Vergueiro: A história
em quadrinhos é um meio de comunicação importante,
que está representado nas bibliotecas. Eu trabalho com
a questão dos quadrinhos no ambiente das bibliotecas, isso
me permite fazer a ligação entre as duas áreas
em que atuo. Começar a carreira na área de comunicação
faz com que me sinta bastante à vontade para trabalhar
essas duas áreas em paralelo, tanto que, atualmente, sou
o único professor da Escola (ECA) que é professor
permanente em dois programas, o de Ciência da Informação
e o de Comunicação.
Ciência & Comunicação:
Como tem sido a aceitação do livro "Como usar
as histórias em quadrinhos na sala de aula" publicado
em 2005 pela Editora Contexto?
Waldomiro Vergueiro: A aceitação
está sendo muito boa, o livro tem sido bastante utilizado,
inclusive, fui convidado para Bienal do Livro do Ceará,
em agosto de 2006, para falar com os professores sobre o tema.
As HQ possuem a característica de serem utilizadas para
a educação popular, para a educação
cidadã. Existe toda uma linha de quadrinhos educacionais,
mas muitas vezes o aspecto educacional se sobrepõe ao aspecto
do entretenimento. A utilização da linguagem adequada,
a criatividade na produção e a potencialização
desse meio de comunicação são fundamentais
neste processo e deste modo pode-se aprender através do
entretenimento.
Ciência & Comunicação:
Qual a relação existente entre a Ciência e
as Histórias em Quadrinhos?
Waldomiro Vergueiro: As
HQs também são um meio para a divulgação
da ciência, existem histórias de ficção
científica em quadrinhos que já divulgaram diversos
conceitos e inovações científicas que, na
época, não eram conhecidos do grande público,
como a aerodinâmica dos foguetes do Flash Gordon, que foi
depois utilizada pela NASA. O uso das HQ para divulgação
científica, comprovadamente, traz benefícios, pois
o leitor pode receber a informação de maneira leve,
descontraída. A informação científica
vem inserida na história.
Ciência & Comunicação:
Como pode ser avaliada, qualitativa e quantitativamente, a divulgação
científica pelos meios de comunicação? O
espaço para divulgação é suficiente
e a qualidade da cobertura é positiva?
Waldomiro Vergueiro: Qualitativamente,
a divulgação científica é bastante
desigual. Encontramos assuntos científicos tratados de
maneira correta, transpondo a linguagem científica para
a linguagem popular de modo aprofundado, mas também ocorrem
tratamentos superficiais e com informações equivocadas.
A informação não pode ser descaracterizada
ou deturpada durante a passagem da linguagem especializada para
a popular, ela deve manter suas características, ser fidedigna.
O jornalista que trabalha com a divulgação científica
deve ser bastante rigoroso neste sentido. Quantitativamente, acredito
ser necessário fazer muito mais, nem todos os órgãos
de imprensa têm seções específicas
de divulgação científica, esse ainda é
um trabalho a ser desenvolvido.
Ciência & Comunicação:
Na sua opinião, por que a divulgação científica
acontece em maior quantidade nas áreas exatas e biológicas?
Existe uma falta de interesse pela divulgação na
área de humanas?
Waldomiro Vergueiro : Para
o grande público e para editores de uma maneira geral as
ciências são exatas e biológicas. É
natural, ao se pensar em ciências, visualizar um cientista
com um avental branco, dentro de um laboratório, trabalhando
ao microscópio ou dissecando um cadáver. O cientista
social, o psicólogo e o profissional da informação
também são cientistas, têm um trabalho científico
que ainda não chegou ao grande público e aos leitores.
Felizmente, a divulgação da área de humanas
tem avançado, podemos encontrar seções específicas
de educação e sociologia, mas o espaço é
ainda insatisfatório.
Ciência & Comunicação:
E quanto à cobertura de C&T (Ciência e Tecnologia)
pelos meios de comunicação, quais problemas podem
ser identificados? Como poderiam ser resolvidos ou minimizados
esses problemas?
Waldomiro Vergueiro : O
grande problema é a dificuldade na transposição
da linguagem. Quando o jornalista não compreende a linguagem
do cientista ele perde informação ao transcrever
a mensagem. Essa questão pode ser resolvida com a capacitação
do jornalista, no sentido de organizar melhor a sua entrevista,
buscar mais fontes e trabalhar melhor na redação.
Disciplinas específicas na universidade e cursos de especialização
são boas opções, na ECA, já há
vários anos, existe o Curso de Especialização
em Divulgação Científica, destinado a profissionais
com formação superior e interessados em projetos
de divulgação científica. A procura pelo
curso é grande, temos jornalistas e outros profissionais
que buscam formas de divulgar o conhecimento de modo a ser compreendido
pelo público em geral.
Ciência & Comunicação:
Como pode ser avaliado o relacionamento entre jornalistas e pesquisadores
ou cientistas no Brasil?
Waldomiro Vergueiro : É
necessário, pois é preciso que haja um mediador.
O jornalista como divulgador científico deve ser um jornalista
especializado em divulgação e também em determinada
área científica, para conhecer as linguagens desta
área. Existem cientistas que também foram jornalistas,
entre eles o Professor José Reis, com uma vida dedicada
ao trabalho de divulgação científica, escrevia
com uma linguagem acessível e foi um cientista que conseguiu
transformar-se num divulgador, mas estes exemplos são pouco
comuns, pois o cientista tem dificuldade em elaborar um texto
mais simples. A linguagem hermética também é
um indicador de poder, representa domínio e superioridade
em relação a um conhecimento que é exclusivo,
significa fazer parte de um grupo restrito.
Ciência & Comunicação:
Existe uma Lista Negra de jornalistas científicos, aqueles
pra quem se dá entrevista uma única vez?
Waldomiro Vergueiro: Pode
acontecer, houve uma época em que um colega meu, só
dava uma entrevista sob a condição de o jornalista
submeter-lhe a matéria, antes da publicação.
Mas isso também é uma coisa difícil, pois
o ritmo de um jornal não permite isso, o jornalista não
pode ficar aguardando por uma aprovação e o pesquisador
ou o entrevistado também não podem ficar disponíveis
para ler e aprovar uma matéria assim que ela chega.
Ciência & Comunicação:
Como o senhor vê a formação do jornalista
científico no Brasil? Existem cursos de especialização
suficientes e de bom nível educacional?
Waldomiro Vergueiro: Especializações
são pouco oferecidas, certamente é necessário
um maior número. Essa especialização não
é importante apenas para aqueles que estão se formando
e optando pelo jornalismo científico, é importante
também para os profissionais já formados, pois os
jornais valorizam os jornalistas especializados. Inicialmente,
na área de História em Quadrinhos, qualquer jornalista
fazia a matéria e às vezes falava besteira, mas
aos poucos ia se familiarizando com a área, se informando,
hoje temos dois ou três jornalistas que realmente entendem
sobre HQ.
Nem sei se ainda existe um jornalismo
geral, a própria divisão de cadernos nos jornais
e a segmentação das revistas, como mecânica,
jardinagem e história, apontam para a especialização.
Quando o jornalista domina a linguagem que está tratando,
ele tem seu trabalho facilitado.
Ciência & Comunicação:
Qual a sua avaliação sobre a divulgação
das universidades e dos centros de pesquisa no Brasil? Julga que
elas têm uma estrutura de comunicação adequada
para divulgar os seus resultados de pesquisa?
Waldomiro Vergueiro: A divulgação
é muito importante e existe um trabalho, mas não
podemos dizer que chegou ao ponto ideal, está caminhando,
comparando-se com 30 anos atrás se percebe o avanço.
Podemos ver um esforço no desenvolvimento dessas estruturas,
a USP tem uma coordenadoria de comunicação social
que se preocupa com isso e faz um trabalho interessante tanto
no Jornal do Campus quanto na Rádio USP.
Embora tenhamos universidades
como a USP e grandes instituições como o IPT, preocupadas
com essa questão, também temos outras tantas, que
simplesmente fazem a divulgação, sem ter estrutura
para isso, às vezes fazendo mais mal do que bem.
Ciência & Comunicação:
A maioria das pessoas quando pensa em pesquisa em universidades
a associa imediatamente às universidades públicas.
E quanto às universidades privadas, qual a sua opinião
sobre a divulgação científica?
Waldomiro Vergueiro: O grande
centro de pesquisa no Brasil são as universidades públicas,
75% das pesquisas brasileiras são feitas em instituições
públicas. A USP é responsável por 25% das
pesquisas neste país, e apesar de todos os seus defeitos,
e são vários, ainda é um espaço onde
se pode pensar, pesquisar.
Nas universidades privadas confessionais
a pesquisa e a divulgação são assuntos sérios,
como na PUC, que, infelizmente, fechou há pouco tempo vários
cursos de pós-graduação. O que acontece em
muitas delas é que, no momento em que o curso não
dá o lucro esperado, eles são encerrados. Nas universidades
públicas não há uma ligação
direta com a lucratividade, o pesquisador pode se dedicar a um
tema, às vezes muito específico, sem que seja pressionado
a obter um resultado a curto prazo; já a universidade privada
exige esse resultado num espaço de tempo muito curto, mas
a pesquisa não traz resultado imediato, ele ocorre sempre
a longo prazo.
Ciência & Comunicação:
Que veículos jornalistas científicos brasileiros
o senhor destacaria? Que instituições e/ou centros
de pesquisa, na sua opinião, desenvolvem um bom trabalho
de comunicação?
Waldomiro Vergueiro: Quanto
aos jornalistas, eu prefiro não mencionar, acredito que
aqueles que seguem o modelo do professor José Reis são
os melhores. Quanto às instituições diria
que a USP, o IPT e a Fundação Oswaldo Cruz estão
fazendo um bom trabalho, do qual ouvimos falar, e a Petrobrás
também tem um trabalho interessante de divulgação
de seus projetos. As grandes empresas estão desenvolvendo
esse processo de divulgação e as universidades federais
precisam se dedicar um pouco mais ao assunto.
Ciência & Comunicação:
Qual a diferença na divulgação científica
feita pelas grandes empresas ou corporações daquela
feita pelas universidades?
Waldomiro Vergueiro: As
grandes empresas e corporações e as grandes empresas
de pesquisa têm um outro tipo de relação com
o grande público, existe a questão do que pode ou
não ser divulgado, pois afetaria a estratégia da
empresa em relação ao mercado.
O compromisso da universidade
é com a ciência, com a divulgação do
conhecimento, não existe o objetivo do lucro direto, o
lucro é indireto. As instituições de pesquisa
particulares fazem a pesquisa com o objetivo do lucro, mas estão
dispostas a investir para ter retorno em longo prazo, elas sabem
que em 10 anos elas vão recuperar seu investimento multiplicado.
As empresas comerciais normalmente esperam pelo retorno imediato,
querem investir 500 hoje e receber 550 no fim do mês.
Ciência & Comunicação:
Como o senhor avalia a preparação e a disposição
do pesquisador/cientista para um trabalho de parceria com a imprensa
no processo de divulgação científica?
Waldomiro Vergueiro: Se
por um lado, algumas vezes, o jornalista não tem o preparo
necessário, por outro, o pesquisador nem sempre consegue
transmitir minimamente aquilo que pretende, pois o pesquisador
tem um vocabulário próprio. Acredito ser mais fácil
que o jornalista venha a compreender o vocabulário do pesquisador,
do que o pesquisador se comunicar de maneira simples. Muitas vezes
os pesquisadores podem nem perceber o nível de complexidade
que atingem, podem ser pessoas brilhantes, mas é difícil
entender o que dizem. Mas alguns conseguem, como foi o caso de
Milton Santos, um geógrafo que escreveu textos muito profundos,
com uma linguagem extremamente fluida e compreensível.
Ciência & Comunicação:
O senhor já teve experiências concretas com jornalistas.
Como o senhor avalia estes contatos?
Waldomiro Vergueiro: Nunca
tive problemas com jornalistas. É claro que as entrevistas
podem ser cansativas, principalmente quando ocorre filmagem, pois
neste caso sempre há exigências, algumas vezes são
frustrantes, falamos durante um longo tempo, grava-se uma hora
de conversa, para que seja aproveitado apenas um minuto. O oposto
também já aconteceu: o jornalista fazia as perguntas
e eu deveria respondê-las em 45 segundos, mas o engraçado
é que o jornalista demorava a perguntar, ficava 10 minutos
perguntando e depois contava os segundos da minha resposta. Ele
tinha até um cronômetro, respondi a todas as perguntas
no tempo pedido. O jornalista disse que ficou bom, espero que
tenha ficado e espero que ele não volte. É mais
simples quando podemos falar à vontade e depois é
feita a edição. Quem trabalha com ciência
precisa fazer muitas relações para chegar ao ponto
que deseja explicar e isso significa mais tempo falando.
Ciência & Comunicação:
Já se arrependeu de alguma declaração publicada
em uma entrevista?
Waldomiro Vergueiro: Já
cheguei a pensar que poderia não ter dito algumas coisas,
que exagerei em algumas declarações, mas já
não era possível voltar atrás e não
cheguei a me arrepender. Os jornalistas gostam dessas afirmações
contundentes, eles não perdem a chance de publicar. Outro
caso é quando publicam algo que você não disse,
já aconteceu comigo, algo que eu jamais falaria, que tenho
certeza de não ter dito, foi publicado em uma entrevista.
Mas não adianta se preocupar muito, isso tudo faz parte
do processo.
Ciência & Comunicação:
Já teve uma boa surpresa em relação a alguma
entrevista ou matéria realizada com o senhor?
Waldomiro
Vergueiro: Sim, uma entrevista da qual pensei que seria utilizada
apenas uma parte, como é costume, foi publicada integralmente:
o jornalista gostou do resultado da entrevista e publicou uma
página inteira. É sempre muito bom quando
isso acontece.
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