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Divulgação
científica e células tronco, por Karla Pelegrino
Dra. Lygia da Veiga Pereira é pesquisadora e professora
livre-docente do departamento de Genética e Biologia Evolutiva,
do Instituto de Biociências da Universidade de São
Paulo, onde ministra aulas de Genética Humana. Sua linha
de pesquisa envolve, dentre outros projetos, a geração
de modelos animais para estudo de síndrome de Marfan, a
geração e a caracterização de novas
linhagens de células tronco embrionárias de camundongo
e o processo de inativação do cromossomo X. Ela
é formada em física pela PUC-RJ, obteve seu título
de mestrado em ciências biológicas pela UFRJ e seu
título de PhD pela Mount Sinai School of Medicine, City
University of New York, MSSM, Estados Unidos. Além de pesquisadora,
ocupa o cargo de diretora científica da empresa CordVida,
que armazena células tronco do sangue do cordão
umbilical. É autora de diversos artigos científicos
em revistas especializadas, como PNAS (Proceedings of the National
Academy of Sciences), além de ter produzido vários
artigos publicados em jornais como Folha de São Paulo,
O Estado de São Paulo, Revista Galileu, dentre outras.
Também é autora dos livros Clonagem - da ovelha
Dolly às células-tronco (São Paulo: Editora
Moderna, 2005), Clonagem, Fatos e Mitos (São Paulo: Editora
Moderna, 2002) e.Sequenciaram o genoma humano... E agora? (São
Paulo: Editora Moderna, 2001) e escreveu capítulos em livros
como Bioética e biorisco: abordagem transdisciplinar (O
Admirável Mundo Novo da Clonagem. In: Bioética e
biorisco: abordagem transdisciplinar. Silvio Valle e José
Luiz Telles. Rio de Janeiro, 2003).
Ciência & Comunicação:
Qual é a importância da divulgação
científica?
Lygia Veiga Pereira: Eu
acho fundamental. Da mesma forma que se divulgam os acontecimentos
de economia e outros setores de nossas vidas, de uma forma em
que as pessoas entendam, o mesmo deve acontecer com a ciência.
Ainda há que se pensar que há um público
por trás da ciência, financiando a pesquisa e que
precisa estar ciente do que se produz. As pessoas têm que
saber o que está acontecendo. Muitas destas pesquisas têm
implicações pra população, como os
transgênicos. Quanto mais as pessoas estiverem informadas
sobre os acontecimentos científicos, mais protegidas elas
vão estar de propostas de mau uso das novas tecnologias.
No caso das células tronco, por exemplo, se as pessoas
estiverem bem informadas, ficam reduzidas as chances de um charlatão
de vender falsos tratamentos.
Ciência & Comunicação:
E como você avalia quantitativa e qualitativamente a divulgação
científica pelos meios de comunicação? O
espaço para divulgação é suficiente
e a qualidade da cobertura é positiva?
Lygia Veiga Pereira: A impressão
que eu tenho é que nos últimos anos a ciência
tem recebido mais atenção na mídia, tanto
na impressa quanto na televisão. Através de temas
como o genoma, transgênicos e as células tronco,
que são coisas mais próximas de uma aplicação
para o indivíduo, as pessoas têm tido interesse maior,
e na medida em que esse interesse cresce, a mídia dá
mais espaço. O espaço tem sido bom. A Folha e o
Estado têm páginas diárias de ciência.
Se formos comparar com o New York Times, que, somente na terça-feira,
traz um caderno de ciência, não estamos mal, porque
nossa produção, nestes dois jornais, é diária.
Ciência & Comunicação:
Que problemas você identifica na cobertura de Ciência
e Tecnologia pelos meios de comunicação? Como estes
problemas poderiam ser resolvidos ou minimizados?
Lygia Veiga Pereira: Temos
que ser cautelosos quanto aos conflitos de interesse existentes
dentro da mídia. A prioridade é vender jornal, ter
audiência, e, às vezes, para atingir esse objetivo,
os fatos são veiculados com sensacionalismo. Cito como
exemplo a capa da Veja referindo-se às células tronco
como células milagrosas. Mesmo que na terceira página
apareça uma frase dizendo tratar-se de projetos experimentais,
o tom principal é mesmo sensacionalista. Eu acho que se,
por um lado, temos tido mais espaço para a ciência
na mídia, por outro, observamos este aspecto sensacionalista,
talvez porque assim a matéria se torna mais atraente para
o público em geral . O cientista teria, certamente, uma
postura mais reservada, mais discreta. Para minimizar este problema,
seria necessário que os meios de divulgação
científica adotassem uma postura mais cautelosa quanto
às descobertas científicas.
Ciência & Comunicação:
Nesse contexto, quais veículos e jornalistas científicos
brasileiros você destacaria? Que instituições,
em sua opinião, desenvolvem um bom trabalho de comunicação?
Lygia Veiga Pereira: Eu
falaria dos jornais Folha e Estado de São Paulo
Ciência & Comunicação:
E a revista da FAPESP?
Lygia Veiga Pereira: Sim,
mas para ler FAPESP, a pessoa já tem que ter um interesse
por ciência. Eu estou falando dos meios de divulgação
científica em massa. A revista FAPESP, com certeza, é
a fonte brasileira mais completa sob este aspecto, mas a divulgação
científica, nesse caso, não é tão
acessível como nos jornais que citei. Ela não tem
tanto floreio quanto Galileu e Scientic America, que tentam popularizar
mais a notícia. O público FAPESP é mais restrito.
Às vezes, as pessoas têm de ter um conhecimento maior
para poder compreender a matéria.
Ciência & Comunicação:
Como você vê o relacionamento entre jornalistas e
pesquisadores no Brasil?
Lygia Veiga Pereira: Não
sei ao certo o que dizer. A aproximação entre o
jornalista e o pesquisador é necessária para que
possa haver o acesso às informações que serão
transmitidas à população.
Ciência & Comunicação:
E qual a sua visão quanto à formação
do jornalista científico no Brasil?
Lygia Veiga Pereira: Sinceramente,
não estou ciente sobre como se dá essa formação,
em termos profissionais, acadêmicos ou mesmo das especializações
de um jornalista científico.
Ciência & Comunicação:
Mas você acha que eles estão preparados para lidar
com a divulgação da ciência? Tomando como
base as experiências que você já teve no contato
com jornalistas, qual a sua avaliação?
Lygia Veiga Pereira: Há
de tudo, desde a situação irritante causada por
um jornalista que vem fazer uma entrevista sem ter lido nada,
que não sabe nada, que poderia ter entrado na internet
e se informado um pouco mais sobre os assunto. Muitas vezes, o
repórter chega aqui esperando ter uma aula particular sobre
células tronco. Mas há também aquele bem
informado, que vai buscar extrair de você uma visão
a mais sobre o assunto. Isso é legal. Aquele que não
faz o seu "dever de casa" é insuportável.
Ciência & Comunicação:
Recentemente vivenciamos um momento crítico na divulgação
de uma descoberta científica, com a revelação
de que as pesquisas sobre clonagem humana desenvolvidas pelo sul-coreano
Woo-Suk Hwang foram fraudadas (1), o que levantou diversas discussões
sobre a validade dos dados científicos publicados. Na sua
opinião, houve falha da revista Science ao publicar os
artigos? Como os meios de divulgação científica
poderiam evitar situações como estas?
Lygia Veiga Pereira: Algo
interessante, que ficou bastante evidenciado com a fraude da Coréia,
com notícia sobre clonagem terapêutica em seres humanos,
em artigos publicados em 2004 e 2005, foi o fato de a mídia
ter vendido isso já como uma verdade. Isso ocorreu até
mesmo na área científica, porque o fato foi publicado
na revista Science. Isso é um exemplo extremo, mas é
algo que ilustra bem a diferença que há entre a
ciência de livro-texto e a ciência de revista científica.
Uma descoberta publicada numa revista científica terá
que ser muito bem consolidada por outros grupos de pesquisas,
por trabalhos adicionais, para que possa ser incorporada a um
livro texto como uma verdade científica. Já a revista
científica tem a durabilidade de um mês, de uma semana,
dependendo da periodicidade. O livro-texto tem que ter uma duração
de longo prazo. Então, por isso, para a informação
ser incluída em um livro-texto, tem de estar muito bem
consolidada. Acontece que, para a imprensa, os fatos só
têm graça quando acabam de ser publicados em revista
científica. Se ela for esperar estudos posteriores que
confirmem a notícia, ela já terá perdido
a graça. É essa a história do conflito de
interesses da imprensa.
Então, nós, cientistas
e público, temos que tomar cuidado com esse momento muito
frenético que estamos vivendo em relação
às células tronco, porque as coisas têm se
progredido de maneira rápida demais e fica difícil
para se concluir, pelo menos de imediato, o que de fato é
relevante. Precisamos distinguir muito bem o que é um achado
de uma verdade científica.
Um dos problemas que acontecem
hoje em dia é que o acesso a informação é
tão grande e rápido, que é inevitável
que saia um artigo de alguém dizendo que fez uma clonagem
terapêutica de um ser humano e que isso rapidamente seja
admitido como uma verdade científica. Foi interessante
como lição, para sermos mais cautelosos.
Ciência & Comunicação:
Comparado ao serviço de divulgação da ciência
no mundo, qual sua avaliação sobre a divulgação
que se faz no Brasil?
Lygia Veiga Pereira: Programas
internacionais como o National Geographic, Discovery Channel fazem
bons programas de divulgação científica.
No Brasil, a Globo News, a TV Cultura e o canal Futura têm
procurado fazer programas de qualidade também. A FAPESP
fez junto com o canal Futura uma série de programas de
divulgação científica, tendo o Gabriel Pensador
como apresentador, o que foi uma idéia legal para atrair
o público jovem (2). Eu acho que temos tido iniciativas
de divulgação científica que merecem ser
destacadas.
Ciência & Comunicação:
Os centros produtores de pesquisa, como a universidade, contribuem
para o processo de divulgação científica?
Você acha que eles têm uma estrutura adequada para
divulgar seus resultados de pesquisa?
Lygia Veiga Pereira: Acho
que tudo ainda é muito informal. Não existe uma
formação de pesquisador para isso. Dependerá
muito do talento individual de cada pesquisador em divulgar ou
não. Alguns pesquisadores saberão transmitir de
uma maneira acessível ao público as informações
sobre ciência, outros não. E não quer dizer
que um seja melhor ou pior que o outro por isso, assim como há
aqueles que sabem e os que não sabem dar aulas. Isso não
vai determinar o bom ou mau pesquisador que a pessoa será.
Ciência & Comunicação:
Como você vê a disposição do pesquisador
para divulgar ciência?
Lygia Veiga Pereira: É
uma coisa muito pessoal. Não faz parte do mínimo
que o pesquisador tem que ter para poder pesquisar. Isso é
um algo a mais. Eu não fui contratada pela USP por essa
minha capacidade, é uma coisa que eu tenho a mais, ótimo,
mas não é uma exigência da academia.
Ciência & Comunicação:
Mas você acredita que os órgãos de financiamento,
como a FAPESP, contribuem para o pouco interesse que alguns pesquisadores
têm em produzir artigos de divulgação científica
em revistas não especializadas?
Lygia Veiga Pereira: Não.
O que acontece é que a FAPESP está me dando dinheiro
para fazer uma pesquisa que se publique em revista especializada.
Eles podem até abrir linhas de financiamento para divulgação
científica e nesse caso, eles vão avaliar isso de
uma outra forma. Quando somos avaliados pela CAPES, no relatório
você tem um espaço para artigos de divulgação
científica, há um reconhecimento, mas claro, isso
não está na mesma categoria de publicações
em revistas especializadas.
Ciência & Comunicação:
Com o acesso facilitado às informações sobre
a produção científica brasileira, você
crê que a população possa participar mais
ativamente das decisões dos rumos que a pesquisa deve tomar?
Lygia Veiga Pereira: Eu
acho que a participação sistemática da população,
no sentido de decidir os caminhos que a ciência deve ou
não tomar, fica difícil, é pedir demais.
Mas há momentos que a população tem de participar:
por exemplo, o Brasil vai aceitar que se utilizem embriões
humanos para pesquisa? Você tem um aspecto científico
nesta questão, mas também cultural, social, religioso
e a decisão que o país vai tomar tem que ser uma
média ponderada de todos esses aspectos. A comunidade científica
tem uma posição e uma argumentação,
mas isso por si só não é suficiente. Dessa
forma, a população, levando em consideração
os aspectos científicos, vai pesar o benefício que
pode ser obtido por determinada pesquisa versus suas crenças
religiosas, sua cultura, para no final tomar uma decisão,
que pode não ser a que a comunidade científica gostaria,
mas que reflete nossa cultura. Mas isso, claro, contanto que as
pessoas estejam bem informadas para decidir. Por exemplo, a discussão
sobre a destruição do embrião humano foi
conturbada, em determinados momentos, por falta de informação.
Eu preciso saber que, se por um lado estou protegendo a vida,
dentro da minha concepção do que é vida,
por outro lado eu estou abrindo mão de um desenvolvimento
científico, que um dia pode levar à cura de algo.
Eu preciso saber que estou comprometendo a fertilização
in vitro, pois essa área envolve a criação
desses embriões. O que não pode ocorrer é
a pessoa tomar a decisão sem saber o preço que está
pagando por ela.
Ciência & Comunicação:
Como você avalia a importância que se dá a
ciência na sociedade brasileira? Como é o interesse
e o acesso da população brasileira à informação
científica?
Lygia Veiga Pereira: A desvalorização
da pesquisa está em parte refletida pela desvalorização
da carreira acadêmica e do pesquisador. Como pode ser observado
em parte pelas condições de trabalho, pelo salário,
pela infra-estrutura que se tem. A percepção que
as pessoas têm do professor universitário ainda envolve
um certo glamour intelectual, mas por outro lado, ele continua
sendo mal pago. Avaliando a média da população
brasileira e saindo do Rio de Janeiro, São Paulo e outras
capitais, podemos perceber que as pessoas não conseguem
ao menos entender a roubalheira que está acontecendo na
política. Como se pode pedir a elas que entendam, por exemplo
as pesquisas sobre células tronco, sobre o genoma? É
complicado. Mas, o importante, é que as pessoas estão
interessadas, o que já é uma bom motivo para que
se incremente a divulgação de temas científicos..
Notas
1) Em dois artigos publicados na
prestigiada revista Science, em 2004 (Evidence of a Pluripotent
Human Embryonic Stem Cell Line Derived from a Cloned Blastocyst)
e 2005 (Patient-Specific Embryonic Stem Cells Derived from Human
SCNT Blastocysts), Hwang descreveu, pela primeira vez, a clonagem
de embriões humanos, declarando que, a partir deles, obteve
linhagens de células-tronco embrionárias humanas.
O evento foi considerado um marco, já que abria perspectivas
reais para a terapia celular. A revelação da fraude
foi feita por Sung-Il Roh, um dos colaboradores de Hwang e co-autor
de um artigo publicado na revista Science, em junho deste ano.
Ele informou que Hwang teria fabricado parte dos resultados apresentados,
sendo que das onze linhagens de células-tronco embrionárias
supostamente estabelecidas, nove seriam falsas (posteriormente
constatou-se que todas eram falsas). Sung-Il Roh revelou também
que Hwang teria usado mais de 900 óvulos, ao invés
dos 185 declarados no mesmo artigo da Science. Essa notícia
foi conhecida menos de um mês depois de Hwang ter admitido
que usou nos seus estudos, óvulos doados por mulheres que
faziam parte de sua equipe de pesquisadores, além de outras
que receberam dinheiro em troca da doação. A fraude
levou a Science retratar-se em janeiro de 2006. O diretor chefe
de redação Donald Kennedy lembrou que a fraude na
publicação científica dificilmente será
eliminada, mas lembrou que a verdade na ciência depende
de confirmação.
2) A pesquisadora referia-se ao
programa Ponto de Ebulição
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