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A
lógica cartesiana, tecnicista e empirista enquanto sustentáculo
do ethos industrial do Ocidente
Marcel de Almeida Freitas*
Resumo
Este texto tem a pretensão de buscar leituras no campo
das ciências humanas, com especial atenção
para a área da Filosofia da Ciência Crítica
mais recente, para explanar alguns aspectos da visão técnico-mecanicista
que o ocidente veio desenvolvendo ao longo dos séculos,
visão esta que se espraiou por todas as esferas da vida
nesse sistema social, não apenas está presente na
esfera produtiva.
Abstract
This text has the pretension to search readings in the field of
sciences human, with special attention for the area of the recent
Critical Philosophy of Science, to clarify some aspects of the
technician-mechanist vision that Occident came developing to the
long one of the centuries, vision this that spread for all the
spheres of the life in this social system, not only is valid in
the productive sphere.
Introdução
Existe um pensador que é decisivo para qualquer tematização
das origens da técnica, autor esse profundamente interessado
com o destino de um mundo crescentemente mensurado e quantificado.
Assim, Heidegger (1) geralmente defendia, nos meios acadêmicos
das décadas de 1960-70, a posição de que
a técnica moderna seria uma novidade radical porque ela
é, essencialmente, uma 'ciência natural' aplicada.
Esta afirmativa, todavia, ignora as relações recíprocas
entre técnica e ciência 'exata' e, ao negligenciá-las,
perde de vista um aspecto distintivo na ciência moderna:
sua indissolúvel vinculação ao método
experimental e à exatidão das parafernálias
técnicas de medição.
Crê-se que a relação da ciência natural
moderna com seu objeto tem o caráter de exatidão
produzida pela mensuração experimental, que somente
seria lograda por procedimentos metodológicos rigorosos,
que tratariam objetivamente os eventos naturais como fatos para,
então, dominar racionalmente o permanente fluxo de transformação
do mundo fenomenal. Esta fundamentação, em forma
de lei, que torna a ciência moderna radicalmente diferente
da ciência da Antigüidade e da Idade Média,
não resulta de uma observação precisa e detalhada
dos fenômenos naturais, mas de um procedimento diverso:
pela prova da lei dentro de um quadro previamente delineado e
a serviço de um certo projeto de natureza. Assim, a ambição
deste texto é refletir sobre três pontos específicos
que balizaram o desenrolar dessa mentalidade que não se
restringe ao campo do conhecimento formal, mas se espraia por
toda a cultura na civilização ocidental moderna.
Tecnicismo cartesiano
Com a Filosofia de Descartes, o pensamento moderno ganhou uma
robusta 'âncora', o que lhe permitiu determinar o ente como
objetivação e a verdade como certeza do 'projeto
imaginado'. O ser humano adquire, assim, nova posição
dentro do cosmos: a condição de 'projetista'. Neste
contexto, o cartesiano foi um evento político-intelectual
fundamental, que viabilizou a interpretação hegeliana
da Filosofia Grega como estritamente objetiva. O cogito cartesiano
entroniza o ser humano como o primeiro e incondicional sujeito,
e não permite mais espaço para a experiência
do imediato.
A principal tarefa filosófica de Descartes foi a construção
do alicerce metafísico para a liberdade do ser humano como
um projeto em si mesmo. Tal libertação da verdade
como revelação doutrinária eclesiástica
se expressou como o se voltar para uma certeza na qual o ser humano
se assegura da verdade como algo conhecido por seu próprio
saber. Desta forma, pensar é cogitar, âmbito da objetivação,
e o ser humano é res cogitans, o protótipo e centro
dos entes. Neste 'projeto imaginado' do cosmos, o ser dos entes
é buscado e encontrado na projeção do próprio
ser humano, visto que o ente deixa de ser o 'presente' da Filosofia
Antiga. Com isto, a noção de uma imagem projetiva
do cosmos e a atribuição de uma colocação
especial do ser humano no seio dos seres são dimensões
de um mesmo fato alicerçador da identidade na Modernidade
(2).
Na figuração de mundo da Modernidade, a natureza
é projetada matematicamente como um contexto de movimento
de pontos de massa relacionados no tempo e no espaço. Apenas
nesta imagem de um 'exterior de fatos imutáveis' a verdade
pode ser identificada com a correção projetiva do
método experimental. Em tal apreensão racionalista
do mundo como figura projetiva, o ser humano luta por atribuir
a si mesmo a posição do ente que fornece a medida
e a norma para os demais entes. O 'projeto imaginado' realiza
uma descrição espaço-temporal da natureza
numa fórmula matemática, onde a função
'exatidão', como meta do experimento, se constitui no elo
entre sujeito e objeto, e faz da mensurabilidade o princípio
da dominação sobre a realidade.
A partir disso, pode-se evidenciar como a Modernidade comporta
duas facetas complementares. A primeira, que poderia ser designada
como 'substantiva', é dada por sua prerrogativa de ostentar
um nome, ou seja, de instituir um ente. Neste nome - Modernidade
- se submete então uma multiplicidade de ações,
vivências, pensamentos e realizações do sujeito
ocidental. E nele vige, enquanto uma lei, a Razão. Substantivamente,
portanto, a Modernidade corresponde à racionalidade desvendada,
enquanto que o ser humano revela-se como uma entidade apta a dominar
e possuir outras, por excelência. A epistemologia moderna
veicula, neste projeto técnico-científico, sua ambição
cognitiva.
A segunda faceta, de caráter processual, apresenta-se no
fato da Modernidade constituir, propriamente, um caminho. Não
um caminho provável, mas 'o' caminho correto, reconhecido/instituído
como o descobrimento do ponto terminal da História da humanidade,
caminho redentor e salvacionista a um só tempo. Esta última
faceta perpassa toda a ação política e constitui
a expressão abstrata de um valor tido como indiscutível
e totalizante. A compulsoriedade repetitiva do costume e a acomodação
apática da vontade vêm conferir a essas características
um grau absoluto de evidência e obviedade. Por esta razão,
esta dinâmica sócio-política 'pede' um olhar
crítico, convida a uma ação interrogativa,
a se abandonar as impressões imediatas e a readquirir a
capacidade 'grega' de se espantar. Espantar-se diante da Modernidade
seria formular, à maneira de Heidegger (3), a dúvida:
o que vem a ser isso, Modernidade?
Indagar acerca da Modernidade exige a suspensão dos juízos
comuns e uma disposição vivencial. Trata-se não
de valorá-la, mas de senti-la em suas nuanças, enigmas,
mistérios. Seu caráter processual há de surgir
em suas múltiplas contradições, em seus delineamentos
paradoxais. E a todo avanço em alguma rota corresponde,
necessariamente, a um repensar das categorias a ela pertinentes.
Então, seu conteúdo substantivo - a racionalidade
- mostra suas fissuras. Uma racionalidade que expressa uma subjetividade
sem sujeitos, uma ciência que descobre o infinito enquanto
incognoscível e que desvenda, em sua própria ação,
um agente modificador daquilo que conhece, uma técnica
que engendra sua própria ameaça, um aparato produtivo
signo do capital, uma política que descobre na burocracia
o seu conteúdo valorativo.
Mecanicismo empirista
Ao longo dos séculos o 'universo-máquina' se transforma
na metáfora fundadora da identidade cultural da Modernidade
ocidental. A construção da nova concepção
de mundo tem na obra revolucionária de Copérnico
um momento crítico de ruptura. Ele tinha plena consciência
das resistências que a destruição das bases
do sistema geocêntrico de Ptolomeu encontraria no seio do
dogmatismo clerical, tanto que postergou a publicação
de seus textos até o ano de seu falecimento, e também
apresentou sua concepção heliocêntrica apenas
como hipótese. Após Copérnico, a consciência
de si de uma humanidade vinculada à interpretação
escolástica da Bíblia sofreu profundo abalo. A ilusória
certeza da posição especial e central do ser humano
enquanto protagonista do cosmos se dissolve e a Terra se torna
apenas mais um entre diversos planetas que giram em torno de uma
estrela de grandeza menor em relação a outras de
outras galáxias.
Com Galileu Galilei, o rompimento das estruturas dogmáticas
vai se completar quando este, com o recurso do telescópio,
estabelece a hipótese de Copérnico como teoria científica
válida. Esta contribuição vai formar o reconhecimento
científico de Galileu, mas antes disso, seu papel proeminente
para a 'revolução científica' da Modernidade
se deu fundamentalmente ao fato de ter sido pioneiro em combinar
a prática experimental com a linguagem matemática,
assim formulando as 'leis da natureza'. Para Galileu, a ocupação
do cientista é a leitura do 'grande livro da natureza',
que exige um esforço de decodificação deste
idioma, fundado na matemática e nas formas geométricas,
em que o plano divino se manifesta no cosmos.
Dentro deste contexto, o pensamento ocidental seguiu dois modelos
cognitivos essenciais, o racionalismo e o empirismo, que na Modernidade
terão em Descartes e em Francis Bacon, respectivamente,
suas expressões máximas. Um aspecto crucial da 'revolução
científica moderna' é a busca de uma compatibilização
dos princípios cognitivos racionalistas e empiristas, segundo
o qual o racionalismo é a manifestação de
que as leis do pensamento são regidas pelas leis da matéria
e o empirismo é a formulação de que o pensamento
deve ser submetido ao teste dos dados, para se saber que idéia
seguir. A síntese do racionalismo e do empirismo corporifica
a possibilidade de uma recíproca 'tradução'
de ciência e tecnologia, num processo gradual de cientificização
da técnica e de tecnificação da ciência.
Enquanto o cartesianismo postulava a matemática como forma
de razão pura, viabilizadora de idéias claras, distintas
e confiáveis, o pragmatismo baconiano preconizava a necessidade
da natureza ser inquirida diretamente por uma prática experimental
apta a 'arrancar-lhe os segredos'. A práxis científica
de Galileu é, ao mesmo tempo, 1- a expressão de
uma síntese entre a matemática e a experimentação,
e 2- uma alteração de perspectiva, que faz com que
a questão crucial a ser respondida pela investigação
científica seja como os fatos ocorrem, abandonando-se a
ocupação com o por quê, terreno de especulações
metafísicas, incompatíveis com a objetividade científica.
Esta transformação de perspectiva implica numa redefinição
operacional dos critérios de verdade e das proposições
intelectuais. Esta redefinição é congruente
com o posicionamento do pragmatismo baconiano, para o qual 'saber
é poder' e a verdade tem um valor utilitarista. A função
da 'matemática universal' de Descartes com o pragmatismo
utilitarista de Bacon é um componente fundamental do que
poderia ser nomeado 'alma faústica', servindo a personagem
principal da obra de Goethe como arquétipo da identidade
cultural na Modernidade, que entre a ação e o ser,
opta pela primeira, pois se expressa como homo industrialis.
A novidade radical da Modernidade no campo do controle humano
sobre a realidade vai se firmar na elevação desta
esfera de controle a um nível até então ignorado
e na elaboração de um painel cognitivo e normativo
que funde epistemologia e tecnologia, racionalismo cartesiano
e pragmatismo baconiano. O pragmatismo de Bacon atrela a operacionalização
da procura pela verdade na práxis científica aos
parâmetros de construção de um saber voltado
para a dominação e o controle da natureza. O racionalismo
cartesiano parte da convicção de que todos os aspectos
dos fenômenos complexos podem ser conhecidos através
da decomposição analítica e da mensuração.
A síntese deste racionalismo com o empirismo incorporará
ulteriormente, como elemento de base da cosmovisão, o dualismo
cartesiano, que concebe a natureza como composta por dois planos
separados e independentes - a res extensa (matéria) e a
res cogitans (espírito). Ambos têm no Criador o único
ponto de interseção comum. Deus é a fonte
de uma exata ordem natural no domínio da matéria,
e é também a origem da 'luz da razão' no
campo do espírito, instância que permite ao ser humano
desvendar e reconhecer a ordem natural do universo. Dentro deste
quadro, o universo material pode ser conceituado como sendo somente
uma engenhoca cósmica, constituída de matéria
e desprovida de espiritualidade ou teleologia.
Tal 'universo-máquina' funciona segundo leis mecânicas
imutáveis, estabelecidas pelo Criador quando da gênese
do mundo, e a aplicação do método analítico
ao estudo de seus elementos permite a explicação
científica de suas leis de funcionamento. O objetivo final
da ampliação do saber científico pode ser
concebido como a elevação gradativa do poder humano
sobre as forças da natureza. Mesmo a matéria orgânica
pode ser entendida como uma estrutura mecânica complexa,
análoga ao trabalho de relojoaria. O 'espírito racional'
pode, diante disso, ser apreendido como a única fonte autêntica
de conhecimento, e o corpo (sentidos), como o elemento causador
de distúrbios e inibidor da genuína objetividade
científica.
Ethos e logos mecanicista e empirista na Modernidade
O pensamento filosófico de Descartes cria, no Ocidente
capitalista e cristão, uma oportunidade de surgir uma Antropologia
Filosófica desvinculada de um compromisso teológico
explícito: ser humano como máquina divina animada
por um espírito imortal. Assim, o universo e a vida orgânica
são explicados por intermédio de princípios
meramente mecânicos e o comportamento animal é reduzido
aos movimentos automáticos. Diante disso, o cartesianismo
foi um acontecimento político-filosófico essencial
no processo de secularização da fé cristã
enquanto Razão e ciência, pois, como Heidegger (4)
argumenta, cria o território adequado para o pensamento
da era moderna industrial.
Nesta ótica da vida, o dever primordial da ciência
é ampliar ilimitadamente o reino da mecanicidade. A partir
daí o ser humano não permanece mais, como nas formações
sócio-culturais agrárias, numa postura de obediência
e espera relativa ao meio ambiente, todavia, passa a transformá-lo
continuamente por meio de suas obras segundo seus desígnios.
A instrumentalização irrestrita do tempo e do espaço
é baseada na medição e na mediação
experimental. Neste processo civilizatório industrial,
a relação da humanidade com a natureza passa a ser
intermediada pela ciência como técnica, alterando-se,
assim, toda o sistema espaço-temporal da sociedade européia.
Concomitantemente, há um processo de dessacralização
da natureza. A técnica é percebida como instrumento
potencializador do poder do ser humano sobre a natureza; a técnica
em si não é considerada nem boa nem má, mas
é posta a serviço de fins bons ou maus. Em suma,
nesta lógica, o real é aquilo que é mensurável.
A mediatização das interações humanas
por meio da ciência como técnica e a transformação
da ciência em força produtiva desencadeia uma nova
relação sociedade/natureza alicerçada na
conquista racional. É uma técnica do tempo e do
espaço contabilizados.
O processo civilizatório industrial faz da instrumentalização
técnico-científica da matéria, da energia
e da informação uma 'superestrutura' onde a ciência,
enquanto ferramenta, se funde com a organização
da produção industrial. Isto provoca importantes
conseqüências psicossociais, já que o envolvimento
dos indivíduos num emaranhado de diferenciações
funcionais hiperespecializadas transforma-se num imperativo de
difícil resolução individual, diante das
'imposições objetivas' desta racionalidade industrial.
Nesta situação, o indivíduo é reduzido
a um elemento do 'sistema industrial' num mundo cada vez mais
artificial e opaco.
O indivíduo da civilização industrializada
passa a ser circunscrito a mais um apêndice da racionalização
geral do trabalho. Isso pressupõe uma 'domesticação'
de sua estrutura de pulsões através de normas novas,
cada vez mais complexas e severas, e de hábitos de ordem,
exatidão e precisão, o que tornam possível
as formas sempre mais intrincadas de vida coletiva, efeitos necessários
da industrialização. Na América do Norte
puritana tal racionalização industrializada foi
levada às últimas conseqüências através
da operacionalização da cultura, que criou um laço
sólido entre o rendimento econômico e produtivo individual
com sanções morais.
Ali, o fordismo representou a expressão mais significativa
do puritanismo racional, onde a coação moral exige
o sacrifício da autonomia individual da força de
trabalho industrial em nome da realização do mais
alto nível de produtividade. Nesta circunstância,
são exemplares as atitudes realizadas por parte de Henry
Ford: intervir com um corpo de inspetores na vida particular de
seus empregados e controlar como eles gastavam seus salários
e como viviam cotidianamente. O sucesso prático do fordismo
na domesticação industrialista do ser humano tem
intensas repercussões para a identidade da sociedade norte-americana.
Acontecimento fundamental neste processo é a emergência
do indivíduo taylorizado, que é o indivíduo
educado para o serviço com a máquina, que só
pode prosperar onde o industrialismo reivindique para si o 'monopólio'
completo sobre a satisfação de todas as necessidades
humanas. A taylorização total do mundo do trabalho
equivale à institucionalização de um universo
de coisas factíveis à construção do
ser humano enquanto 'coisa'. Não resta alternativa que
não a adaptação às 'imposições
objetivas' da sociedade fabril. O progresso técnico se
transforma na lei da vida, e a crença na onipotência
por parte do processo civilizatório industrial torna-se
o consolo existencial.
O que viabilizou o rompimento entre o ethos Medieval e o Moderno
foi a separação entre objeto e valor, entre epistemologia
e ética, fato que a práxis científica se
outorgou a introduzir. As coisas não contêm nenhum
valor imanente, e o ganho do conhecimento sobre a materialidade
se constitui como uma procura de respostas para questões
do tipo 'como?'. Tais respostas são cegas diante do estabelecimento
de vínculos entre o saber científico e as regras
éticas de conduta. Elas são unicamente habilitadas
para o estabelecimento de critérios sobre como se faz algo,
e não a respeito do que deve ou não ser realizado.
Em relação à Weber (5), o seu painel a respeito
da Modernidade que então se abre no Ocidente, dominada,
segundo ele pela razão instrumental, é bastante
arguto e adequado ao que viria posteriormente a ele; todavia,
e em algum sentido tal advertência também funcionaria
para Heidegger, a análise de Weber é um pouco conformista
e inexorável ao mesmo tempo, restando, sob seu ponto de
vista, poucas soluções, todas elas oriundas de outras
instâncias que não a da razão.
Considerações finais
A tese da neutralidade ética da técnica, ao ser
estendida ao mito da 'administração das coisas',
revela de maneira nítida seu obscurantismo frente ao contexto
de inter-relações entre técnica e poder.
Esta tese compreende a administração como uma 'técnica
organizacional'; simultaneamente enfatiza seu aspecto instrumental:
o instrumento é produto do ser humano que, então,
teoricamente, não pode ser ameaçado pelo instrumento,
mas somente pelo seu uso por parte de outros humanos. Mantida
nesta esfera de generalidade, a proposição não
é mais que um truísmo estéril, que se correlaciona
ao esquecimento de que os indivíduos reais estabelecem
relações sociais que, embora sejam elas mesmas fruto
do ser humano tal como sua ferramenta, podem atuar autonomizadamente
sobre as condições humanas de existência.
Por outro lado, a crise cartesiana da razão moderna e a
crítica ao utilitarismo devem ser mais analisadas, considerando-se
a complexidade de tais processos, levando-se em conta, por exemplo,
outros fatores da vida humana como o inconsciente e o Desejo freudianos.
Quiçá tais conceitos auxiliem a se pensar como a
razão, aliada a eles, cria o imaginário - tanto
individual e social. Castoriadis (6) desenvolve argumentos neste
sentido, retornando à Aristóteles a fim de revisitar
a questão da clivagem teoria/práxis/poiesis, afirmando
- diversamente de Weber - que a razão humana pode elucidar
a razão instrumental, investigando-se como esta última
se enraizou pelo imaginário social.
Em suma, na sociedade industrial, após a superação
de limites críticos de tolerância, as instituições
se autonomizam e as pessoas são reduzidas a adjuntos de
um sistema sócio-técnico complexo que lhes impossibilita
a compreensão do todo do qual suas ações
particulares são partes integrantes funcionalizadas. A
racionalidade instrumental autonomizada se configura num fim em
si mesmo, servindo às ideologias do progresso associadas
ao aumento da produtividade como alicerce para a legitimação
do trabalho coletivo.
No campo da Educação é que as críticas
sobre esse paradigma têm sido mais incisivas, especialmente
no que diz respeito à reordenação didática
das relações entre teoria e prática. Tanto
na Academia, nos cursos de formação de professores,
quanto nas Escolas, onde tais professores atuam, muitas práticas
pedagógicas vem rompendo com a lógica canônica
clássica. Por muito tempo a Modernidade assumiu, como vimos,
que o conhecimento autêntico seria somente aquele que percorreu
o crivo do método científico, fazendo com que a
teoria fosse hiper-valorizada em relação à
prática. Assim, tal mentalidade presidiu, por décadas,
os currículos universitários e escolares, todavia,
a reorganização dessa relação preconiza
que a dúvida epistemológica fornece significado
à teoria e nasce da interpretação do real.
Logo, a práxis social é condição sine
qua non da problematização do saber. Nessa perspectiva
de vanguarda, a prática não é apenas a aplicação
mecânica da teoria, mas sua fonte multifacetada.
Notas
1) HEIDEGGER, Martin. Os pensadores.
São Paulo: Nova Cultural, 1991.
2) É relativamente um consenso
na ciência histórica ocidental que a assim denominada
Modernidade teve início por volta da segunda metade do
século XVIII, com as revoluções francesa
e industrial e foi até a década de 1960-70, quando
vários movimentos de caráter contestatórios
eclodiram no mundo apontando para profundas mudanças sócio-político-culturais
e econômicas.
3) Op. cit. pág. 1.
4) Op. cit. pág. 1.
5) WEBER, Max. "Ciência
como vocação". In: Ciência e Política:
duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.
6) CASTORIADIS, Cornelius. A instituição
imaginária da sociedade. São Paulo: Paz & Terra,
1986.
Referências
Bibliográficas
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição
imaginária da sociedade. São Paulo: Paz & Terra,
1986.
FREITAS, Renan S. "A que vem
uma abordagem pragmática do conhecimento?". In: VAITSMAN,
J. et al (org.). A ciência e seus impasses. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 1999.
HEIDEGGER, Martin. Os pensadores.
São Paulo: Nova Cultural, 1991.
WEBER, Max. "Ciência
como vocação". In: Ciência e Política:
duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.
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Marcel de Almeida Freitas
Bacharel em Antropologia (UFMG) , mestre em Psicologia Social
(UFMG) e doutorando em Educação. Professor do Centro
Universitário Newton Paiva.
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