<% pagina = "http://" & request.ServerVariables("HTTP_HOST") & request.ServerVariables("URL") %> Ciência & Comunicação - Artigos
Volume 3
Número 4

20 de julho de 2006
 
 * Edição atual    

          Vulgarização Científica na Imprensa Feminina

Ana Daisy Araújo Zagallo*

          Resumo

          Este artigo apresenta a imprensa feminina como um espaço de vulgarização da ciência, analisando a reportagem Células-tronco: uma discussão que vale vidas, publicada na edição de outubro/2004 da revista CLAUDIA. Como uma representação do jornalismo científico, a matéria explora signos que contribuem para a inserção de temas que estendem o debate científico, ampliando as possibilidades de conhecimento de um público que precisa desenvolver uma visão crítica que conceba a ciência além de sua capacidade tecnológica em benefício da beleza como requisito de saúde.

           Palavras-chave: Vulgarização científica. Imprensa feminina. Representação. Jornalismo Científico.

           Introdução

          Tão significativa quanto a própria história do homem, a trajetória da ciência e seus modos de transmissão apresentam-se como um vasto campo interdisciplinar explorado por inúmeras pesquisas acadêmicas, sem que se esgote o tema. A evolução da ciência tem gerado uma avalanche de questões acerca de seu poder sobre a vida humana, posto que o aparato tecnológico hoje disponível revela-se capaz de decidir como um ser humano pode nascer, viver ou morrer, sendo o conhecimento científico determinante para o sucesso ou fracasso de uma sociedade, podendo estabelecer relações de hierarquia e de domínio de uma nação sobre outra.

          As revistas femininas acompanham a evolução das mulheres que, cada vez mais presentes no mercado de trabalho, compõem a maioria nas universidades e representam a maior parcela dos leitores de revistas no Brasil, 56%, segundo dados da Associação Nacional dos Editores de Revistas - ANER. Com esse perfil lêem mais, consomem mais produtos culturais e vêm conquistando espaço no meio acadêmico, antes território dominado por homens. Nessa esteira, a mídia dirigida às mulheres produz e veicula informações seguindo uma tendência que justifica seu conteúdo e abordagem.

          Os assuntos que inauguraram as revistas femininas passaram por transformações e, entre dicas de culinária, moda, beleza, comportamento, o tema saúde, sempre relacionado aos benefícios da medicina na área estética, começou a empregar termos científicos em conceitos, dados e estatísticas fornecidos por especialistas e instituições de pesquisa, que se configuram nas fontes para a elaboração de conteúdos que abordam formas de prevenção e tratamento de problemas relacionados à saúde da mulher. Assim essa mídia dirigida, evoluindo para um enfoque mais específico com o estabelecimento de pautas que interessam ao público leigo em geral e às mulheres em particular, apresenta matérias sobre aborto, aids, transgênicos e células-tronco, pautas freqüentes no jornalismo científico.

          A evolução da comunicação científica

          Da instituição da primeira revista científica às revistas populares atualmente em circulação, quatro séculos se passaram para que os assuntos de ciência invadissem o universo do leitor comum. Muitos fatores estão imbricados na abordagem jornalística da Ciência e da Tecnologia, em periódicos de considerável abrangência, que se revestem de um comportamento singular nessa divulgação.

          Nesse espaço de mediação, as revistas femininas exercem significativa influência no universo da mulher e, como importante mídia para divulgação de informações, contribuem para a reafirmação de propostas e discursos sobre o comportamento feminino em relação à saúde, o que torna pertinente analisar sua produção como uma ação social direta na disseminação de idéias, questões e conceitos, e não apenas como mais um veículo de comunicação dirigida a um público que, sem acesso às publicações científicas produzidas e disseminadas no ambiente acadêmico e, na busca por informações mais precisas que as adquiridas no convívio familiar e profissional, espera encontrar nas revistas populares respostas para as questões que envolvem sua saúde, procurando, nessa mídia, um conteúdo que atenda a sua necessidade de conhecimento.

          A cobertura jornalística dos temas de ciência está relacionada a uma série de negociações envolvendo empresa, anunciante, tendências mercadológicas, interesse público e social, fatores que influenciam nos modos de produção e consumo de informação científica, tanto no texto da revista científica como da revista popular, pois ciência e jornalismo são campos produtores de sentidos no imaginário social, e o que difere suas representações é o meio pelo qual são disseminados. É, portanto, irreversível o processo de comunicar ciência que, a cada dia, conquista novos espaços de disseminação, atendendo à demanda de uma sociedade que produz e consome não apenas informação, mas também e principalmente, conhecimento.

          Na imprensa feminina, tradicionalmente, o espaço ocupado por questões relacionadas ao binômio beleza-saúde supera o da discussão sobre a ciência, situada em lugar secundário, denotando que essa mídia prioriza os avanços tecnológicos, tratamentos estéticos e conselhos de especialistas, não deixando de oferecer temas polêmicos como o da reportagem Células-tronco - uma discussão que vale vidas, selecionada para demonstrar como a ciência está presente na revista feminina.

          Signos da ciência na revista

          A semiótica de Peirce (1977) apresenta-se como uma teoria adequada para a compreensão da leitura de mundo representada nos conteúdos produzidos pelas revistas femininas. Essa leitura, ou seja, a interpretação dos fenômenos que envolvem o intérprete-leitor, deriva em mensagens que provocam reflexão acerca de si e do mundo.

          A compreensão das ações da revista em produzir, reproduzir e veicular mensagens deriva do raciocínio lógico de que essa produção refere-se à apresentação das qualidades (primeiridade) dos conceitos anunciados; a reprodução de opiniões de especialistas opera com as relações (secundidade) de tempo e de espaço; e a veiculação se estabelece a partir das conclusões e generalizações que se traduzem em leis (terceiridade) que definem conceitos e práticas relacionados à ciência.

           Nessa lógica triádica peirceana, o signo é uma coisa que está no lugar de outra coisa (seu objeto), isto é, a relação do signo com a coisa a que se reporta é de representação, por evidenciar alguma característica que o remeta ao seu objeto, embora o signo não o substitua em todos seus aspectos, mas em apenas uma face deste. (SANTAELLA, 2004).

          Considerar a reportagem em questão uma representação da ciência na revista feminina é estabelecer uma relação sígnica que se manifesta sob três aspectos: no próprio significado de ciência (relação do signo com ele mesmo), na sua capacidade de representar o conhecimento científico (a relação com o objeto) e, a interpretação que a matéria permite da ciência (a interpretação que se origina das relações anteriores).

           Utilizando todas as estratégias do jornalismo de revista, cuja característica principal reside na produção de um texto mais sofisticado e criativo, a abertura da reportagem, em caixa alta, provoca uma reflexão sobre a polêmica que envolve o tema:

          Elas são a esperança de cura para diversas moléstias gravíssimas, mas envolvem uma questão que extrapola os limites da ciência: é ético retirá-las de embriões humanos? A polêmica se acirra, os legisladores buscam uma solução conciliatória e os doentes...aguardam (Paulina, 2004, p.75)

           Nessa abertura evidencia-se o que dá qualidade ao signo para representar a divulgação de temas científicos: a proposta de discussão de aspectos correlatos denota sua capacidade de referir-se ao avanço científico num ambiente midiático e de gerar interpretação acerca da ciência e seu papel na sociedade, justificando a natureza triádica do signo, isto é, nas qualidades internas que possui para representar o conhecimento científico; na sua capacidade de se referir à ciência; e, no seu potencial gerador de interpretação acerca da ciência.

          Em primeiridade, a leitura que se faz desse enunciado se configura nas sensações que despertam no leitor, a partir das informações que lhe são dispostas; em secundidade, o processo mental de por em ebulição conceitos e pensamentos gerados no exercício de formar uma opinião a respeito do conflito de idéias que se conectam para, em terceiridade, gerar um pensamento-signo que produza efeitos na mente do leitor.

           Um recurso utilizado nas matérias de jornalismo científico é o emprego da metalinguagem. Segundo Oliveira (2002, p. 44), "Quando as pessoas conseguem associar um princípio ou uma teoria científica a alguma coisa que lhes é familiar, fica muito mais fácil a compreensão do assunto, e a comunicação científica torna-se eficaz". Um exemplo dessa aplicação encontra-se na introdução da reportagem em análise:

          O estudante Sérgio Pompeu Barreira dificilmente sai à noite. Prefere ficar em casa, em Brasília, debruçado sobre os livros de português e história. Aos 17 anos, ele se prepara para prestar o vestibular para jornalismo e só não dedica ainda mais tempo ao estudo porque tem as tardes ocupadas com sessões de fisioterapia e atividades dentro da piscina. Faz parte da indicação médica para retardar os efeitos da distrofia muscular de Duchenne, doença genética degenerativa que afeta meninos. Ela se manifesta por volta dos 5 anos e, pouco a pouco, paralisa todos os músculos do corpo. A morte por parada respiratória acontece, em geral, ao redor dos 25 anos, quando o diafragma deixa de funcionar: "Serginho vai viver muito mais, ele será um grande comentarista esportivo", confia o Pai, o engenheiro Sérgio Barreira. Brigando como um leão para salvar o filho, ele tornou-se um dos membros mais combatentes da ONG Movimentae, criada para lutar pela legalização no Brasil das pesquisas com células-tronco extraídas de embriões humanos (PAULINA, 2004, p. 75-76).

          A partir da metalinguagem é possível disponibilizar ao leitor signos que compõem o cenário ideal para o entendimento do assunto. Ao fazer uma breve narrativa do cotidiano de um portador de distrofia muscular, a reportagem fornece informações sobre a doença e seus efeitos, explicando quando e como se manifesta, passando pelo tratamento a que se submete o doente. Ferreira (2003) afirma que uma condição essencial para uma matéria de divulgação científica ser classificada como bem elaborada consiste em incluir o tema da pesquisa no cotidiano das pessoas, porque a ciência básica precisa ser contextualizada socialmente para ser compreendida.

           Nesse sentido, a informação gerou um conhecimento sobre a doença, antes desconhecida pelo leitor leigo, configurando-se numa forma de divulgação. Afinal, para os parâmetros do jornalismo, cuja função é simplificar a mensagem para que haja o entendimento, o objetivo foi alcançado, uma vez que o que se busca na democratização da ciência pela mídia é a circulação do conhecimento para um maior número possível de pessoas e não tornar o público especialista num assunto em particular. Para isso contribuem as instituições geradoras de conhecimento e pesquisa. (INÍCIO TRUNCADO)

          Um aspecto que merece destaque é a seqüência da reportagem que depois da ambientação do leitor, passa a explicar como agem as células-tronco, investindo em signos de encantamento que representam seu poder de cura:

          As células em questão possuem uma qualidade quase mágica: como surgem no momento da formação do ser humano, têm o poder de transformar qualquer tecido do corpo, de pele a osso, músculo ou tecido neural. Dessa forma, os cientistas acreditam que poderiam substituir células danificadas de indivíduos com doenças graves como mal de Alzheimer, Parkinson, diabetes e lesão medular. As pesquisas ainda precisam ser aprofundadas, mas já há uma enorme esperança de cura para muita gente (PAULINA, 2004, p. 76).

          Quanto à capacidade de referir-se ao conflito gerado pelo avanço científico-tecnológico, o texto-signo expõe ao leitor esse embate, representado nos trechos pelos pontos de vista dos dois lados da questão, intercalando informações e orientando o raciocínio do leitor na formação de sua opinião. É o signo realizando seu percurso semiótico na mente, gerando interpretantes.

          O único problema - e aí, mais uma vez na história a ciência bate de frente com a Igreja - é que o embrião acaba sacrificado, uma vez que a extração se dá de quatro a 14 dias depois da fecundação. "Para nós, já é um ser humano com quatro dias de vida", afirma frei Antônio Moser, autor do livro Biotecnologia e Biociência: Para onde vamos? (Vozes). "É como um aborto provocado, significa eliminar um ser humano". Tesouro desperdiçado. Com quatro dias, o embrião possui de 32 a 64 células-tronco, sendo que algumas delas formarão a placenta e o líquido amniótico. A maioria, porém, transforma-se em tecido para criar os diversos órgãos e as estruturas do corpo do bebê. Quando usadas para fins terapêuticos, a função dessas células é desviada. "Elas deixam de formar um novo ser para regenerar outro que já está no mundo e luta para continuar vivo", argumenta o médico Hans Fernando Dohmann, diretor clínico do Hospital Pró-Cardíaco, do Rio de Janeiro. "Se pensarmos bem, veremos que isso significa salvar uma vida humana" (PAULINA, 2004, p. 76).

          Mediando a discussão, o redator assume novamente o comando do texto, abastecendo o leitor com novos dados colhidos pela investigação na militância numa área específica do jornalismo. Segundo Guirado,

          Daí que a responsabilidade do repórter merece ser aprimorada na seleção de uma área específica, para um exercício especializado da profissão. Foi-se o tempo da crendice popular que bafejava: "jornalista tem que ser especialista em generalidades". Para adquirir "experiência colateral" são necessários muitos anos dedicados a uma editoria e ao acompanhamento da área escolhida, por meio dos veículos de comunicação e da literatura pertinente (2004, p. 52).

          Em concordância com a idéia da autora, capturou-se na matéria analisada o conteúdo relativo ao produto da investigação jornalística como referencial de conhecimento de uma área específica, garimpado e lapidado pelo repórter-autor que incorpora a figura de narrador dos fatos, mas não se abstém do respaldo dos especialistas para confirmar a informação:

          Os cientistas não aceitam a argumentação da Igreja, já que a proposta sempre foi utilizar na pesquisa embriões esquecidos nas clínicas de reprodução assistida, que vêm sendo jogados no lixo. Estima-se que, a cada ano, as 120 clínicas brasileiras de reprodução humana façam em torno de 12 mil tentativas de fertilização, produzindo 60 mil embriões. Desse total, no máximo a metade é transferida para o útero das pacientes - o restante é congelado ou destruído de imediato, porque não tem condições de vingar. "São cerca de 2 mil embriões rejeitados", explica o especialista em fertilização Edson Borges. Esse tesouro celular vai direto para o lixo. Quanto aos congelados, depois de três anos têm o mesmo destino - quando o casal decide não mais implanta-los. "Se houvesse uma lei regulamentando a doação desses embriões para as pesquisas com células-tronco, eles seriam muito bem aproveitados", defende Borges. Essa é apenas a ponta do iceberg da polêmica. O assunto rende ainda mais quando se fala em utilizar a clonagem para produzir as células-tronco necessárias a um paciente sem correr o risco da incompatibilidade (PAULINA, 2004, p. 76-77).

          Depois de redirecionar o leitor, novos signos são adicionados ao conteúdo, aprofundando as explicações, agora técnicas, com apresentação de hipóteses e exemplos, evidenciando a secundidade, na qual se identifica o didatismo, necessário à divulgação científica em ambiente jornalístico.

          A técnica seria basicamente a mesma utilizada no final dos anos 90 para dar origem à ovelha Dolly: o núcleo de um óvulo de uma célula sadia do doente é retirado e colocado no lugar do núcleo de um óvulo, que, fecundado, dará origem a um embrião. Dele, então, são extraídas as células-tronco a ser usadas no tratamento. Muitos acreditam que autorizar esse procedimento á abrir uma porta para os clones humanos. Os defensores, porém, dizem que basta ter regras claras para garantir que os tecidos sejam cultivados em um tudo de ensaio e o óvulo jamais acabe dentro de um útero. Um dos que agitam essa bandeira é o médico Drauzio Varella: "Imagine, leitora, que seu filho seja afetado por uma doença genética incapacitante, como a distrofia muscular. A clonagem permitirá retirar o DNA de uma célula da pele do menino (ou sua, se ele tiver uma doença genética), introduzi-lo num óvulo vazio e produzir no laboratório células-tronco, que poderão ser enxertadas na medula espinhal, para repor os neurônios perdidos, ou na musculatura, para recompor músculos enfraquecidos pela distrofia", declarou lê em um artigo para o jornal Folha de são Paulo, em defesa da produção de células-tronco utilizando a clonagem. Detalhe: Varella é contra o uso dessa técnica para criar seres vivos. (PAULINA, 2004, p. 77-78).

          Explorando todas as faces do objeto a que o signo se refere, outros signos envolvidos na construção desse conhecimento sobre pesquisa com células-tronco são convocados: a posição do poder público em relação ao problema e o panorama dos estudos no Brasil e no exterior, sob os títulos NAS MÃOS DO CONGRESSO, AS PRIMEIRAS CONQUISTAS e COMO É LÁ FORA, que informam a posição do Estado em relação à questão veiculada. Mostrando como estão as pesquisas em nível nacional e internacional, a reportagem disponibiliza elementos suficientes para um amplo entendimento, visto que contextualiza a temática em pauta. De acordo com Ferreira (2003), inexiste uma receita específica para abordar a informação científica, sendo o único método possível a essa tarefa aquele que abrange a concepção da informação jornalística, que seria adequada a qualquer cobertura de fenômenos.

          Burkett assinala que [...] "os jornalistas científicos usam seu conhecimento especial e fontes de notícias para proporcionar matérias secundárias ou que sirvam como pano de fundo para ajudar as pessoas a compreenderem um novo evento" (1990, p.18). A partir desse conceito, entende-se que a reportagem analisada se configura num exercício de esclarecimento à leitora de Cláudia sobre uma descoberta da ciência que pode transformar as relações sociais para sempre e a presença desse conteúdo na revista reforça a necessidade de aumentar a sua freqüência, na perspectiva de sedimentar o jornalismo científico nas diversas mídias e não restringi-lo a espaços especializados, como já ocorre na comunicação da ciência.

          Em busca de uma definição que justifique considerar a reportagem analisada como um modo de popularizar a ciência pode-se adotar a concepção de Burkett (1990) que concebe o jornalismo científico como a ação de escrever sobre ciência, medicina e alta tecnologia, apresentando os caminhos para a redação desses temas nos diversos meios de comunicação. De acordo com o autor, "a matéria de revista geralmente é formada ao redor de um "tema" ou idéia central, do qual faz parte a informação sobre sua significância" (2003, p. 119).

          Fortes aponta algumas características do veículo revista que, consideradas no âmbito da vulgarização da ciência, apresentam-se como adequadas à popularização do conhecimento científico, tais como "[...] assimilação fácil das informações; excelente qualidade gráfica e editorial; [...] vastas possibilidades de análise", entre outras. Segundo o autor, as revistas "são colecionáveis, servindo como obras de consulta, embora sem uma longevidade equivalente aos registros em livros" (2003, p. 231), portanto, veículos ideais para a vulgarização do conhecimento científico em linguagem jornalística.

          Se, como afirma Vieira, "em última instância, a divulgação científica serve para explicar ciência aos próprios cientistas e para atualizá-los em suas ou em outras áreas do conhecimento" (1999, p. 13), a reportagem analisada, definitivamente, não poderia ser considerada divulgação científica, mas se também não se enquadra na categoria de matéria de serviço, pois não é daquelas que informam onde, como e a que preço encontrar produtos ou tratamentos e, ainda, não se caracteriza como propaganda travestida de notícia, como classificá-la? Essa questão pode ser respondida com base no próprio autor que, em seu Pequeno Manual de Divulgação científica: dicas para cientistas e divulgadores de ciência, publicado com o apoio de instituições como Faperj, Ciência Hoje , USP e SBPC estabelece dez mandamentos para a divulgação científica:

          1 - A simplicidade da linguagem não é incompatível com a riqueza de conteúdo. 2 - É fundamental adequar forma e linguagem a seu público. 3 - Tente agarrar o leitor já no primeiro parágrafo. 4 - Os textos de divulgação científica devem distinguir as especulações dos resultados já com provados. Atenção com os resultados de pesquisas médicas. Não dê falsas esperanças aos leitores. 5- Cuidado com o excesso de didática. Não trate o leitor como um "descerebrado". Não ofenda sua capacidade de entendimento. 6 - Tenha sempre em mente um leitor padrão. Ponha-se no lugar dele. Pergunte ao editor qual é o público para o qual você esta escrevendo. Não escreva para seus pares acadêmicos. 7 - a popularização da ciência não é incompatível com a precisão científica. 8 - Artigos de divulgação científica devem ser agradáveis de ler, proporcionar um momento de descontração. Ninguém quer ler um texto com dicionário de ciências na mão. 9 - Evite jargões, fórmulas matemáticas e abreviaturas. Sempre sugira ou envie ilustrações. Elas são essenciais em um texto de divulgação científica. 10 - Tente saber antecipadamente o tamanho de seu texto. (1999, p. 39).

          Essas dicas, direcionadas aos cientistas para melhorar a comunicação de seus estudos, podem ser identificadas no texto da revista, evidenciando que aplicadas aos jornalistas, aqui admitidos na categoria de divulgadores científicos para os meios de comunicação, podem incorrer no equívoco de escrever como o especialista, uma ameaça constante no jornalismo científico.

          Traçando um paralelo entre as características propostas por Vieira para os textos de divulgação científica nos aspectos de linguagem e forma, é possível verificar se o texto em estudo enquadra-se nesse padrão. Quanto à linguagem, especificamente referindo-se à abertura do texto de divulgação científica, o autor assinala que "o ideal é abri-lo com uma imagem forte, de preferência próxima do cotidiano das pessoas, um depoimento pessoal de impacto (se for o caso), uma analogia de interesse geral, um fato contundente ou mesmo uma passagem bem-humorada etc" (1999, p. 16). No que se refere à forma, elementos como títulos, espaço, tamanho, distribuição dos parágrafos, entre outros, são elencados para orientar o leitor na compreensão do conteúdo científico, destacando-se a exposição do outro lado da questão. "Sempre que possível, inclua o ponto de vista de outras linhas de pensamento. A sua ausência pode dar a idéia ao leitor de que seu artigo é a palavra final sobre o assunto" (VIEIRA, 1999, p.38).

          O fato da revista Cláudia não dispor de uma editoria ou jornalista especializado em ciência e tecnologia, não anula sua capacidade de divulgar matérias de ciência, uma vez que seu público-alvo integra a sociedade leiga em conhecimento científico. Dessa forma, torna-se possível considerar que, numa mídia dirigida originalmente dedicada a assuntos de beleza e consumo - imaginando-se esse conteúdo da revista feminina como um sintagma -, a introdução de temas transversais representa um corte paradigmático que inclui a leitora no debate sobre a aplicação das pesquisas científicas entre os assuntos de seu interesse.

          Considerações finais

          Para Bueno, "numa sociedade em que a educação formal tem-se descuidado do ensino de ciências, relegando-o a um segundo plano, os meios de comunicação desempenham um papel fundamental no processo de alfabetização científica" (2003, p. 31). Nesse contexto, a revista acena para a divulgação de ciência ao produzir reportagens de assuntos voltados à discussão de temas que geram polêmica.

          A matéria analisada apresenta uma abordagem completa, considerando vários ângulos da questão, divulgando dados científicos, conceituando-os com base em opiniões de especialistas, inclusive citando fontes bibliográficas e contextualizando o problema em âmbito nacional e internacional, ou seja, adotando os procedimentos que a divulgação da ciência na mídia requer. Todavia, não se pode deixar de registrar que a imprensa feminina, por sua própria especificidade, aborda o tema científico como mais um acessório que a mulher contemporânea deve agregar à beleza e à saúde, estando ainda por construir uma visão crítica da ciência.

          Essa ação pontual sugere que não se pode negar a existência de conteúdo científico nas matérias veiculadas pela revista, cuja especificidade do texto dispõe de todas as condições para uma divulgação criativa e eficaz no sentido da educação para a mudança de atitude. Assim, o argumento que confirma a presença da ciência na revista feminina é o mesmo que aceita a prática do jornalismo científico, sem o esforço do qual todo movimento na tentativa de divulgar conhecimento perde-se na essência.

          Se no exercício do jornalismo admite-se a cobertura da ciência, o caminho da especialização torna-se inevitável. Para, tecnicamente, por em pauta o conhecimento científico, discutindo suas formas de produção e circulação, prestando um serviço ao cidadão comum e às instituições sociais, configura-se ainda maior o compromisso com o público a quem se reporta diretamente. Nesses termos, aumenta a responsabilidade do jornalismo na veiculação de conteúdo de saúde que parte, necessariamente, de uma decisão de informar o leitor de forma adequada, orientando sua maneira de agir e complementando o processo educativo em direção a um comportamento que possivelmente terá reflexos na sua vida social.

          Entender que a ciência só pode ser reconhecida em revistas acadêmicas ou editorias específicas seria negar mais um meio de acesso ao conhecimento, enquanto que incluir públicos segmentados no debate sobre as questões que envolvem a evolução científica é capacitar mais uma parcela da sociedade a exercer seu direito à informação. A carência desse público é suprida na medida em que fontes científicas são consultadas, mostrando como resolver um problema de saúde, interpretado como possibilidade de ocorrência na vida da leitora. Todas as vezes que são citados especialistas na revista, suas opiniões confirmam os signos que certificam a reportagem. Assim, conclui-se que o fator determinante para classificar um texto como divulgação científica não se baseia apenas pelo meio em que está sendo veiculado, mas, sobretudo pelas especificidades que apresenta para ser reconhecido com tal.

          Referências bibliográficas

BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico, lobby e poder. In: Comunicação para ciência, ciência para comunicação. Duarte, Jorge; Barros, Antonio Teixeira (orgs.). Brasília-DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2003.

BURKETT, Warren. Jornalismo científico: como escrever sobre ciência, medicina e alta tecnologia para os meios de comunicação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

FORTES, Waldyr Gutierrez. Relações Públicas - processo, funções, tecnologia e estratégias. 2ª ed. São Paulo: Summus, 2003.

FERREIRA, Ricardo Alexino. Imprensa, divulgação científica e a democratização do conhecimento. Disponível em http://tvtem.globo.com/mod_colunas.asp?step=ShowColuna&secaoid=9&colunaid=1083. Acesso em 05/09/2005.

GUIRADO, Maria Cecília. A arte da investigação. São Paulo: Arte e Ciência, 2004.PAULINA, Iracy. Células-tronco - uma discussão que vale vidas. Revista Cláudia, 75-77, outubro, 2004.

PEIRCE. Charles Sanders. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho, São Paulo: Perspectiva, 1977.

SANTAELLA, L Semiótica Aplicada. São Paulo: Thomson, 2004.

VIEIRA, Cássio Leite. Pequeno Manual de Divulgação Científica: dicas para cientistas e divulgadores de ciência. Rio de Janeiro: Ciência hoje/Faperj, 1999.

 

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Ana Daisy Araújo Zagallo
Mestre em Comunicação pela Universidade de Marília-Unimar, Coordenadora do Curso de Comunicação Social e professora das disciplinas Jornalismo Científico e Jornalismo e Saúde na Faculdade Unirg de Gurupi-TO.

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