<% pagina = "http://" & request.ServerVariables("HTTP_HOST") & request.ServerVariables("URL") %> Ciência & Comunicação - Artigos
Volume 3
Número 4

20 de julho de 2006
 
 * Edição atual    

          Análise da comunicação das taxas de desmatamento da Amazônia na Internet: Onde está a verdade?

Ana Claudia Mendes Malhado*
Richard James Ladle*

          Resumo

          A internet é uma ferramenta extremamente poderosa na comunicação de informações sobre o meio ambiente. No entanto, esta é também bastante criticada por apresentar má representação, exageração ou simplificação dos fatos. Neste trabalho, nós investigamos e analisamos as reportagens sobre as taxas de desmatamento da Amazônia brasileira na internet (websites em inglês). Nós encontramos que exagerações nas estatísticas são comuns e alguns sites chegaram a exagerar as taxas de desmatamento por mais de 1000%. Nós discutimos as implicações destas más representações na credibilidade dos movimentos ambientalistas.

          Palavras-chaves: comunicação, desmatamento, Amazônia, internet.

          Introdução

          A comunicação e a interpretação das ciências e da conservação para o público em geral é feita através de jornais e televisões e, mais recentemente, recursos eletrônicos como webpages e webblogs. A mídia é vista como uma ferramenta poderosa capaz de influenciar a opinião pública e muitas vezes é usada pelos conservacionistas (ex. ONG) para maximizar a exposição da informação científica. No entanto, a necessidade de efetiva comunicação dos correntes problemas ambientais (ex. mudanças climáticas, desmatamento, poluição, etc.) nem sempre tem encontrado o correto balanço entre a verdade, a noticia e a ciência (Hayward 2004).

          Esta tensão entre a noticia (Mídia) e a necessidade de providenciar informações realísticas para o público é claramente ilustrada pela publicidade recebida no recente "paper" sobre o potencial impacto das mudanças climáticas na extinção das espécies (Thomas et al. 2004). O resultado deste estudo sugere, dentro de certas limitações e cenários, que dos 1103 organismos estudados 15% à 37% poderiam ser extintos em 2050. Isto foi largamente veiculado na mídia global como: Um milhão de espécies serão extintas em 2050. Este é um claro exemplo de como simplificação, interpretação e sensacionalismo trabalham juntos na busca da representação de um fato.

          Preocupações sobre a efetiva representação dos fatos e figuras são ainda mais evidentes na comunicação eletrônica, como as webpages (Pimm & Harvey 2000; Ladle et al. 2005) e weblogs (Ashlin & Ladle 2006). No entanto, não existem muitos estudos que analisam a representação das ciências ambientais na internet. Neste estudo, nós analisamos a representação e a comunicação das taxas de desmatamento na Amazônia e comparamos estes resultados com as taxas oficiais do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

           A Floresta Amazônica

          A Amazônia é o maior remanescente florestal tropical no mundo e é considerado um vital componente na manutenção dos serviços ecossistêmicos globais (Constanza et al., 1998). A Amazônia é também a mais biodiversa região do planeta com muitas espécies ainda por serem descritas.

          Nas últimas décadas a Amazônia tem sido desmatada para o desenvolvimento de agronegócios, pecuária, produção de soja, etc. (Fearnside, 2001; 2005). Agregrados a estes fatores primários de desmatamento, temos ainda transporte e infra-estrutura, corte seletivo da madeira, fogo, etc. Resultado de toda esta pressão é observado no contínuo desmatamento da região Amazônica. Desde 1980, a taxa de desmatamento da Amazônia tem estado entre 18.000 e 30.000 km2 por ano com os picos de desmatamento nos períodos de 1993/4 e 2003/4 (Margulis 2004). As estatísticas oficiais de desmatamento da Amazônia (MMA) mostram um desmatamento médio de 20.115 km2 por ano entre os anos de 1995 e 2005 (desvio padrão de 4.858 km2).

          Metodologia e Resultados

          Para explorar os sites da internet nós utilizamos o site de busca Google™ durante as últimas duas semanas de abril (2006). Seguimos a metodologia desenvolvida por Ladle et al. (2005) para reduzir o erro da pesquisa.

          Nós encontramos diferenças distintas na acurácia das taxas de desmatamentos descritas nas reportagens dependendo da escala temporal usada (Tabela 1). Geralmente, as estatísticas foram mais precisas quando as taxas de desmatamento foram reportadas anualmente em comparação com as extrapolações feitas para dias e segundos.

          Um padrão largamente disseminado foi a utilização da área do tamanho de Bélgica (30.528 km2) para reportar o desmatamento anual da Amazônia (Tabela 1). Estes dados representam a mais alta taxa anual de desmatamento da Amazônia (29.059 km2 em 1995) mostrando claramente um processo de exagero. Falta de precisão é também bastante aparente nas diferentes unidades de medidas usadas (ex. Acres - Tabela 1). Em resumo, foi encontrado que muitos sites fizeram a reportagem usando diferentes grandezas e magnitudes e as verdadeiras taxas de desmatamento perderam-se em exagerações sem proporções.

          Discussão

          A multiciplidade de fatores e causas que provocam o desmatamento não deixam a mídia global criar uma clara e simples narrativa para os seus leitores e consumidores. Esta complexidade de causalidade também providencia considerável oportunidade para interpretações motivadas por políticas e culturas, as quais refletem os valores dos individuos e organizações que controlam os websites (Ladle et al. 2005). Isto, entretanto, não é uma justificação para uma completa explicação das errôneas representações das taxas de desmatamento encontradas na internet. É provável que a inacurácia e a exageração das reportagens seja uma combinação de problemas de matemática, falta de dados atualizados, pobre escolha das metáforas para descrever uma grande área, a confusão de dados simples (pontuais) extrapolados para períodos (por anos), e, provavelmente o mais comum, o embasamento de muitas webpages em informações de fontes não-confiáveis e não-oficiais (e certamente outros websites).

          As conseqüências das reportagens com problemas de interpretação são potencialmente sérias para os movimentos ambientalistas bem como para a educação ambiental nas escolas e universidades. Fatos mal representados provocam a perda de credibilidade nas ciências ambientais e nos movimentos ambientalistas, os quais precisam do suporte e apoio popular (Ladle et al. 2004). Eleitores precisamente informados são pré-requisitos para a construção do debate público e para a implementação de políticas ambientais. Alguns dos websites pesquisados neste estudo são dirigidos por organizações ambientais e a perda da credibilidade pública em OnG poderá causar desastrosas conseqüências para o financiamento de projetos ecológicos especialmente nos países em desenvolvimento. Isto é especialmente verdadeiro para a Amazônia, onde, ironicamente não é preciso exagerar os múltiplos problemas de conservação da fauna e da flora.

          As más representações dos fatos e números ambientais na internet pode também causar um negativo efeito na postura de conservação dos futuros cidadães, isto porque, as crianças estão usando cada vez mais a internet como fonte de informação sobre o mundo. E estas não estão preparadas para julgar e distinguir a boa, precisa e eficiente informação das inacuradas.

          Conclusão

          Um dos beneficios da internet é a diversidade de visões e informações que podem ser encontradas e pesquisadas. No entanto, associada com esta liberdade de expressão, a falta de controle da qualidade das informações faz com que seja difícil identificar as proporções dos sites que não informam, não-guiam e não-lideram. Pimm e Harvey (2000) recomendam 4 maneiras de verificar a credibilidade dos sites:

1. Primeiro - verifique os dados. Argumentos fortes são originados em dados e fatos de fontes primárias e normalmente estão a disposição da sociedade. Argumentos errôneos e não autênticos são frequentemente embasados em fontes secundárias ou em outro sites não oficiais;
2. Argumentos usando linguagem estranhas ou hiperbólicas podem estar tentando mascarar a falta de compreensão do fato e dados;
3. Verifique a credibilidade dos autores. São eles de uma conhecida instituição? Eles têm artigos publicados em discussão?
4. E finalmente, tente descobrir quem financia e controla o site. Isto poderá oferecer algumas indicações de idéias, partidos, etc.

          Entretanto, lembre-se que mesmo tomando todas estas precauções, ainda podemos encontrar más interpretações, simplificações e exagerações. Temos que usar a internet como uma ferramenta apenas, não como a verdade.

          Bibliografia

Ashlin, A. & Ladle, R.J. (2006) Environmental science adrift in the blogosphere. Science 312, 201

Costanza, R. et al. (1998) The value of the World's ecosystem services and natural capital. Ecological Economics 25 (1), 3-15.

Fearnside, P.M. (2001) Soybean cultivation as a threat to the environment in Brazil. Environmental Conservation 28 (1), 23-38.

Fearnside, P.M. (2005) Deforestation in Brazilian Amazonia: History, Rates, and Consequences. Conservation Biology 19 (3), 680-688.

Hayward, S.F. (2005) Index of Leading Environmental Indicators, 10th Edition. Pacific Research Institute for Public Policy: CA

Ladle, R.J. et al. 2004. Dangers of crying wolf over risk of extinctions. Nature 428, 799.

Ladle, R.J.; Jepson, P.; Whittaker, R.J. 2005. Scientists and the Media: the struggle for legitimacy in climate change and conservation science. Interdisciplinary Science Reviews 30 (3), 231-240.

Margulis, S. 2004. Causes of deforestation of the Brazilian Amazon. World Bank Working Paper No. 22.

Pimm, S. & Harvey, J. (2000) The world at our fingertips. Oikos, 91, 209-212

Thomas et al. (2004) Extinction risk from climate change. Nature 427, 145-148

           Tabela 1: Comparações da taxa média oficial de desmatamento da Amazônia com alguns dos websites pesquisados neste estudo (http://forests.org/, www.thenakedscientists.com, www.scidev.net, http://www.bos-sozial.musin.de, news.bbc.co.uk, www.123helpme.com, http://www.oberlin.k12.oh.us, www.convictionsoftheheart.com/, http://home.comcast.net) (traduzidos para o português)

Reportagem Km2 ano % de erro
Média do desmatamento oficial - MMA de 1995 a 2005 20115
...aproximadamente 2 milhões de acres são destruídos a cada ano na Amazônia brasileira 8094 -59,8
...15 mil km2 de florestas são cortados a cada ano 15000* -25,4
...De acordo com William Laurence, um dos pesquisadores, quase 2 milhões de hectares de florestas são cortadas a cada ano 20000* -0,6
25 mil km2 de floresta são desmatadosa cada ano... 25000 +24,3
... Uma área de floresta do tamanho da Bélgica é cortada a cada ano...** 30528 +51,8
...Mais de 8 milhões de acres de floresta são cortados a cada ano 32375 +60,9
...um acre de floresta é destruído a cada segundo 12762
2
+634
...O The New York base alliance estima que mais de 33 milhões de acres da floresta amazônica desaparecem a cada ano 13354 +664
...Inacreditável, mais de 200.000 acres de terra são cortados a cada dia 29542 +1469

* Dados efetivos - acurados (considerando o desvio padrão)
** Esta comparação foi a mais frequente nos websites

 

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Ana Claudia Mendes Malhado
Ecóloga (UNESP) e doutoranda na Universidade de Oxford.

Richard James Ladle
professor de biodiversidade e conservação na Universidade de Oxford e desenvolve pesquisa em comunicação das ciências ambientai.s

Ana Cláudia e Richard integram o Biodiversity Research Group, Oxford University Centre for the Environment, University of Oxford, South Parks Road, Oxford, OX1 3QY, UK.

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