Análise
da comunicação das taxas de desmatamento da Amazônia
na Internet: Onde está a verdade?
Ana Claudia Mendes Malhado*
Richard James Ladle*
Resumo
A
internet é uma ferramenta extremamente poderosa na comunicação
de informações sobre o meio ambiente. No entanto,
esta é também bastante criticada por apresentar
má representação, exageração
ou simplificação dos fatos. Neste trabalho, nós
investigamos e analisamos as reportagens sobre as taxas de desmatamento
da Amazônia brasileira na internet (websites em inglês).
Nós encontramos que exagerações nas estatísticas
são comuns e alguns sites chegaram a exagerar as taxas
de desmatamento por mais de 1000%. Nós discutimos as implicações
destas más representações na credibilidade
dos movimentos ambientalistas.
Palavras-chaves:
comunicação, desmatamento, Amazônia, internet.
Introdução
A
comunicação e a interpretação das
ciências e da conservação para o público
em geral é feita através de jornais e televisões
e, mais recentemente, recursos eletrônicos como webpages
e webblogs. A mídia é vista como uma ferramenta
poderosa capaz de influenciar a opinião pública
e muitas vezes é usada pelos conservacionistas (ex. ONG)
para maximizar a exposição da informação
científica. No entanto, a necessidade de efetiva comunicação
dos correntes problemas ambientais (ex. mudanças climáticas,
desmatamento, poluição, etc.) nem sempre tem encontrado
o correto balanço entre a verdade, a noticia e a ciência
(Hayward 2004).
Esta
tensão entre a noticia (Mídia) e a necessidade de
providenciar informações realísticas para
o público é claramente ilustrada pela publicidade
recebida no recente "paper" sobre o potencial impacto
das mudanças climáticas na extinção
das espécies (Thomas et al. 2004). O resultado deste estudo
sugere, dentro de certas limitações e cenários,
que dos 1103 organismos estudados 15% à 37% poderiam ser
extintos em 2050. Isto foi largamente veiculado na mídia
global como: Um milhão de espécies serão
extintas em 2050. Este é um claro exemplo de como simplificação,
interpretação e sensacionalismo trabalham juntos
na busca da representação de um fato.
Preocupações
sobre a efetiva representação dos fatos e figuras
são ainda mais evidentes na comunicação eletrônica,
como as webpages (Pimm & Harvey 2000; Ladle et al. 2005) e
weblogs (Ashlin & Ladle 2006). No entanto, não existem
muitos estudos que analisam a representação das
ciências ambientais na internet. Neste estudo, nós
analisamos a representação e a comunicação
das taxas de desmatamento na Amazônia e comparamos estes
resultados com as taxas oficiais do Ministério do Meio
Ambiente (MMA).
A Floresta Amazônica
A
Amazônia é o maior remanescente florestal tropical
no mundo e é considerado um vital componente na manutenção
dos serviços ecossistêmicos globais (Constanza et
al., 1998). A Amazônia é também a mais biodiversa
região do planeta com muitas espécies ainda por
serem descritas.
Nas
últimas décadas a Amazônia tem sido desmatada
para o desenvolvimento de agronegócios, pecuária,
produção de soja, etc. (Fearnside, 2001; 2005).
Agregrados a estes fatores primários de desmatamento, temos
ainda transporte e infra-estrutura, corte seletivo da madeira,
fogo, etc. Resultado de toda esta pressão é observado
no contínuo desmatamento da região Amazônica.
Desde 1980, a taxa de desmatamento da Amazônia tem estado
entre 18.000 e 30.000 km2 por ano com os picos de desmatamento
nos períodos de 1993/4 e 2003/4 (Margulis 2004). As estatísticas
oficiais de desmatamento da Amazônia (MMA) mostram um desmatamento
médio de 20.115 km2 por ano entre os anos de 1995 e 2005
(desvio padrão de 4.858 km2).
Metodologia
e Resultados
Para
explorar os sites da internet nós utilizamos o site de
busca Google durante as últimas duas semanas de abril
(2006). Seguimos a metodologia desenvolvida por Ladle et al. (2005)
para reduzir o erro da pesquisa.
Nós
encontramos diferenças distintas na acurácia das
taxas de desmatamentos descritas nas reportagens dependendo da
escala temporal usada (Tabela 1). Geralmente, as estatísticas
foram mais precisas quando as taxas de desmatamento foram reportadas
anualmente em comparação com as extrapolações
feitas para dias e segundos.
Um
padrão largamente disseminado foi a utilização
da área do tamanho de Bélgica (30.528 km2) para
reportar o desmatamento anual da Amazônia (Tabela 1). Estes
dados representam a mais alta taxa anual de desmatamento da Amazônia
(29.059 km2 em 1995) mostrando claramente um processo de exagero.
Falta de precisão é também bastante aparente
nas diferentes unidades de medidas usadas (ex. Acres - Tabela
1). Em resumo, foi encontrado que muitos sites fizeram a reportagem
usando diferentes grandezas e magnitudes e as verdadeiras taxas
de desmatamento perderam-se em exagerações sem proporções.
Discussão
A
multiciplidade de fatores e causas que provocam o desmatamento
não deixam a mídia global criar uma clara e simples
narrativa para os seus leitores e consumidores. Esta complexidade
de causalidade também providencia considerável oportunidade
para interpretações motivadas por políticas
e culturas, as quais refletem os valores dos individuos e organizações
que controlam os websites (Ladle et al. 2005). Isto, entretanto,
não é uma justificação para uma completa
explicação das errôneas representações
das taxas de desmatamento encontradas na internet. É provável
que a inacurácia e a exageração das reportagens
seja uma combinação de problemas de matemática,
falta de dados atualizados, pobre escolha das metáforas
para descrever uma grande área, a confusão de dados
simples (pontuais) extrapolados para períodos (por anos),
e, provavelmente o mais comum, o embasamento de muitas webpages
em informações de fontes não-confiáveis
e não-oficiais (e certamente outros websites).
As
conseqüências das reportagens com problemas de interpretação
são potencialmente sérias para os movimentos ambientalistas
bem como para a educação ambiental nas escolas e
universidades. Fatos mal representados provocam a perda de credibilidade
nas ciências ambientais e nos movimentos ambientalistas,
os quais precisam do suporte e apoio popular (Ladle et al. 2004).
Eleitores precisamente informados são pré-requisitos
para a construção do debate público e para
a implementação de políticas ambientais.
Alguns dos websites pesquisados neste estudo são dirigidos
por organizações ambientais e a perda da credibilidade
pública em OnG poderá causar desastrosas conseqüências
para o financiamento de projetos ecológicos especialmente
nos países em desenvolvimento. Isto é especialmente
verdadeiro para a Amazônia, onde, ironicamente não
é preciso exagerar os múltiplos problemas de conservação
da fauna e da flora.
As
más representações dos fatos e números
ambientais na internet pode também causar um negativo efeito
na postura de conservação dos futuros cidadães,
isto porque, as crianças estão usando cada vez mais
a internet como fonte de informação sobre o mundo.
E estas não estão preparadas para julgar e distinguir
a boa, precisa e eficiente informação das inacuradas.
Conclusão
Um
dos beneficios da internet é a diversidade de visões
e informações que podem ser encontradas e pesquisadas.
No entanto, associada com esta liberdade de expressão,
a falta de controle da qualidade das informações
faz com que seja difícil identificar as proporções
dos sites que não informam, não-guiam e não-lideram.
Pimm e Harvey (2000) recomendam 4 maneiras de verificar a credibilidade
dos sites:
1. Primeiro - verifique os dados.
Argumentos fortes são originados em dados e fatos de
fontes primárias e normalmente estão a disposição
da sociedade. Argumentos errôneos e não autênticos
são frequentemente embasados em fontes secundárias
ou em outro sites não oficiais;
2. Argumentos usando linguagem estranhas ou hiperbólicas
podem estar tentando mascarar a falta de compreensão
do fato e dados;
3. Verifique a credibilidade dos autores. São eles de
uma conhecida instituição? Eles têm artigos
publicados em discussão?
4. E finalmente, tente descobrir quem financia e controla o
site. Isto poderá oferecer algumas indicações
de idéias, partidos, etc.
Entretanto,
lembre-se que mesmo tomando todas estas precauções,
ainda podemos encontrar más interpretações,
simplificações e exagerações. Temos
que usar a internet como uma ferramenta apenas, não como
a verdade.
Bibliografia
Ashlin, A. & Ladle, R.J. (2006)
Environmental science adrift in the blogosphere. Science 312,
201
Costanza, R. et al. (1998) The
value of the World's ecosystem services and natural capital. Ecological
Economics 25 (1), 3-15.
Fearnside, P.M. (2001) Soybean
cultivation as a threat to the environment in Brazil. Environmental
Conservation 28 (1), 23-38.
Fearnside, P.M. (2005) Deforestation
in Brazilian Amazonia: History, Rates, and Consequences. Conservation
Biology 19 (3), 680-688.
Hayward, S.F. (2005) Index of Leading
Environmental Indicators, 10th Edition. Pacific Research Institute
for Public Policy: CA
Ladle, R.J. et al. 2004. Dangers
of crying wolf over risk of extinctions. Nature 428, 799.
Ladle, R.J.; Jepson, P.; Whittaker,
R.J. 2005. Scientists and the Media: the struggle for legitimacy
in climate change and conservation science. Interdisciplinary
Science Reviews 30 (3), 231-240.
Margulis, S. 2004. Causes of deforestation
of the Brazilian Amazon. World Bank Working Paper No. 22.
Pimm, S. & Harvey, J. (2000)
The world at our fingertips. Oikos, 91, 209-212
Thomas et al. (2004) Extinction
risk from climate change. Nature 427, 145-148
Tabela 1: Comparações da taxa média
oficial de desmatamento da Amazônia com alguns dos websites
pesquisados neste estudo (http://forests.org/, www.thenakedscientists.com,
www.scidev.net, http://www.bos-sozial.musin.de, news.bbc.co.uk,
www.123helpme.com, http://www.oberlin.k12.oh.us, www.convictionsoftheheart.com/,
http://home.comcast.net) (traduzidos para o português)
Reportagem |
Km2 ano |
% de erro |
Média do desmatamento
oficial - MMA de 1995 a 2005 |
20115 |
|
...aproximadamente 2 milhões
de acres são destruídos a cada ano na Amazônia
brasileira |
8094 |
-59,8 |
...15 mil km2 de florestas são
cortados a cada ano |
15000* |
-25,4 |
...De acordo com William Laurence,
um dos pesquisadores, quase 2 milhões de hectares de
florestas são cortadas a cada ano |
20000* |
-0,6 |
25 mil km2 de floresta são
desmatadosa cada ano... |
25000 |
+24,3 |
... Uma área de floresta
do tamanho da Bélgica é cortada a cada ano...** |
30528 |
+51,8 |
...Mais de 8 milhões de
acres de floresta são cortados a cada ano |
32375 |
+60,9 |
...um acre de floresta é
destruído a cada segundo |
12762
2 |
+634 |
...O The New York base alliance
estima que mais de 33 milhões de acres da floresta
amazônica desaparecem a cada ano |
13354 |
+664 |
...Inacreditável, mais
de 200.000 acres de terra são cortados a cada dia |
29542 |
+1469 |
* Dados efetivos - acurados
(considerando o desvio padrão)
** Esta comparação foi a mais frequente nos websites
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Ana Claudia Mendes Malhado
Ecóloga (UNESP) e doutoranda na Universidade de Oxford.
Richard James Ladle
professor de biodiversidade e conservação na Universidade
de Oxford e desenvolve pesquisa em comunicação das
ciências ambientai.s
Ana Cláudia e Richard
integram o Biodiversity Research Group, Oxford University Centre
for the Environment, University of Oxford, South Parks Road, Oxford,
OX1 3QY, UK.
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