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Em
nome da Ciência
Cidoval Morais de Sousa*
Sempre
soube que a Ciência tem múltiplas faces, como quase
tudo nesse mundo. No entanto, nunca me preocupei em investigar,
mesmo como jornalista, o universo obscuro das experimentações
científicas, particularmente aquele que contempla o uso
de cobaias humanas, voluntárias ou involuntárias,
e que envolve dor, sofrimento, ambições, e, sobretudo,
atentados à ética, altas somas investidas pela indústria
farmacêutica, e cujos resultados nem sempre "compensam"
os danos causados à vida.
Um
livro que acaba de chegar às livrarias – Cobaias
Humanas , de Andrew Goliszek, um biólogo, especialista
em pesquisa biomédica e professor de biologia da Universidade
Estadual A&T, da Carolina do Norte, traz informações,
até bem pouco tempo secretas, sobre experimentos com cobaias
humanas realizados nos últimos 50 anos, nos Estados Unidos
e no mundo.
Não
dá para fazer uma resenha neste espaço, mas, para
os curiosos é importante destacar que o autor documenta
pesquisas com armas químicas, experimentos de radiação,
programas da CIA de modificação do comportamento
e controle da mente, esforços inescrupulosos de testar
produtos inócuos para promover empresas, descreve a origem
sinistra de programas eugênicos, expõe a agenda dos
EUA de controlar a indústria farmacêutica e a assistência
médica global e analisa os avanços na área
de engenharia genética.
Para
cada uma dessas investidas da ciência, o autor denuncia
dezenas de experimentos, que resultaram em mortes, mutações
genéticas, amputações, aberrações
sinistras, e, com farta documentação, prova que,
nem sempre, o desenvolvimento da ciência se fez acompanhar
de uma compreensão mais ética da vida e do mundo.
Por traz de cada experimento está não apenas a busca
de prestígio e reconhecimento acadêmico, mas, principalmente,
a mão invisível do mercado querendo tirar proveito
das desgraças humanas.
Não
é um livro de ficção, mas, por suas minúcias,
aproxima de nós narrativas como a de Huxley, em Admirável
Mundo Novo, em que indivíduos de todas as castas recebiam
uma droga chamada soma para garantir que ninguém nunca
tivesse dor, nem se sentisse infeliz. Desde o momento da fertilização
do óvulo ele é condicionado a se tornar parte da
Utopia. A sociedade é governada pela Ciência e pela
Tecnologia. Os bebês são produzidos em massa, sem
espaço para a vida familiar, sentimentos ou emoções.
Algo parecido, também, com Inteligência Artificial.
Também
nos aproxima de H. G, Wells, com sua Ilha do Dr. Moreau,
que muitos devem lembrar, mais pelo filme do que pelo livro, onde
o náufrago Edward Prendick tropeça em criaturas
monstruosas – metade homem, metade animal, "brinquedos"
de um médico sem pudor, que não pensa duas vezes
ao afirmar que "o estudo da natureza torna um homem finalmente
tão sem remorsos quanto a natureza". O tema foi repetido,
mais recentemente, por Michael Crichton, em Parque dos Dinossauros,
que também só veio a público pelas mãos
mágicas de Spielberg.
Goliszek
afirma que com os avanços na medicina e no DNA recombinante
e com a conclusão do Projeto Genoma Humano, estamos à
beira de descobertas que, alguns temem, tornarão real a
ameaça de controle populacional, guerra gênica, limpeza
étnica ou algo muito pior. Segundo ele, o admirável
mundo novo de Huxley e a ilha vulcânica de Wells
já não são mais ficção. A genética
molecular tem sido responsável, nos últimos anos,
segundo o autor, pelas experiências mais assombrosas, que
tem tornado possível a clonagem, inclusive de seres humanos.
Aquilo
que antes considerávamos impossíveis, diz ele, agora
são trivialidades. E a menos que consideremos as conseqüências
da pesquisa futura sem freios, nosso ímpeto pela descoberta
científica poderá muito bem nos levar até
o nosso próprio Parque dos Dinossauros. A melhor
maneira de garantir que tal fato não aconteça, explica,
é expor a verdade e aprender com o passado.
Cobaias
humanas. Andrew Goliszek.
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Cidoval Morais de Sousa
Jornalista, professor de Sociologia da Universidade de Taubaté
(SP), Doutorando em História e Ensino de Ciências
pela Unicamp (IGE) e Diretor Acadêmico da ABJC.
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