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A
ciência não pode ser só dos cientistas
Uma
leitura, ainda que ligeira, dos editoriais sobre C & T dos
principais jornais brasileiros evidencia uma triste realidade:
a imprensa não apenas acredita mas defende a tese de que
o debate de temas complexos de ciência e tecnologia devam
ficar restritos à comunidade científica. Esta tem
sido a posição advogada pela mídia durante
a tramitação do projeto conhecido como Lei da Biossegurança,
que incorpora entre outros temas candentes, a liberação
dos transgênicos e a possibilidade de pesquisa com células-tronco.
Ao
que parece, a grande imprensa, comprometida com uma visão
elitista, quer convencer a opinião pública de que
apenas os entendidos devem estar envolvidos no processo de tomada
de decisões que define estudos, pesquisas e aplicações
da ciência e da tecnologia.
Repudiamos
esta postura porque ela afronta a democracia e perpetua o hiato
entre os que dominam o conhecimento e os que vivem à margem
dele, ainda que estes sintam na pele o impacto do progresso técnico
sobre suas vidas, sobre o mundo do trabalho, sobre o seu futuro.
A
história tem mostrado que, necessariamente, a ciência
e a tecnologia não estão sempre a serviço
das demandas e das expectativas da população, mas
podem voltar-se contra elas, quando patrocinadas por grandes interesses
e por governos que sobrepõem suas ambições
às da sociedade.
Os
exemplos que podem ser apontados são inúmeros, mas
talvez o mais contundente é o que associa os investimentos
em pesquisa à indústria da guerra, que hoje consome
recursos financeiros fabulosos e talentos humanos que, infelizmente,
decidiram jogar contra a vida, a paz, a dignidade humana.
Num
país em desenvolvimento, como o nosso, em que os investimentos
em C & T não costumam ser generosos, a participação
da sociedade na definição das prioridades é
fundamental, assim como é importante a prestação
de contas sobre os recursos alocados nas universidades e nos institutos
de pesquisa.
A
divulgação científica e o Jornalismo Científico
cumprem esse papel, socializando o conhecimento científico
, dando transparência aos investimentos e conclamando a
sociedade para um debate amplo em que a ética, o retorno
social e a cidadania sejam tão importantes quanto o progresso
científico.
A
ciência e a tecnologia não podem estar descoladas
das demandas sociais urgentes e precisam ser submetidas ao crivo
da opinião pública. Cabe aos cientistas, pesquisadores,
governos e comunicadores da ciência incluirem a sociedade
neste debate porque ela, inevitavelmente, será afetada
pelas decisões que são tomadas nos laboratórios,
nos gabinetes dos ministérios e nas associações
e sociedades científicas.
A
parceria entre a mídia e a comunidade científica
é o melhor caminho para vencer a ação dos
lobbies que buscam defender interesses estranhos à ciência
e a tecnologia e estabelecem o sigilo e o controle sobre a produção
e a informação científica. Ela, se bem conduzida,
poderá, a médio prazo, reduzir substancialmente
o analfabetismo científico, que impede o exercício
pleno da cidadania.
Que
a mídia , a universidade, as empresas e os institutos de
pesquisa estabeleçam um pacto no sentido de aumentar a
circulação de informações científicas
e criem condições para um debate amplo e democrático
que inclua a sociedade. Caso contrário, continuaremos assistindo,
em nosso País, à degradação da pesquisa,
dos salários e das condições de trabalho
de pesquisadores e cientistas de reconhecida competência.
Os
governos não poderão relevar a ciência e a
tecnologia a um papel secundário, quase residual, como
tem acontecido no Brasil, se a sociedade estiver consciente de
sua importância, de seu vínculo indissociável
com o desenvolvimento e a soberania. A divulgação
da ciência e da tecnologia nacionais contribui para conferir
legitimidade às nossas universidades e aos nossos institutos
de pesquisa.
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