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Volume 1
Número 1

20 de dezembro de 2004
 
 * Edição atual    

          A qualidade da informação na cobertura dos organismos transgênicos pela imprensa brasileira: as fontes de uma polêmica (1994-1995 e 1999-2000)

Flavia Natercia da Silva Medeiros*

          Introdução

          Ao longo do século XX, a ciência e a tecnologia adquiriram um papel central nas atividades humanas. Penetraram na indústria e nos lares, no trabalho e no lazer. Têm salvo bilhões de vidas e aumentado o conforto e o bem-estar de muitas outras. Têm conectado o mundo de modo "lentamente anastomosante" e alterado o ambiente global de forma inaudita. Mas também criam males "difíceis de ver, difíceis de entender, problemas que não podem ser resolvidos imediatamente – e que, sem dúvida, não poderão ser solucionados sem desafiarmos aqueles que detêm o poder" (SAGAN, 1998:81).

          Nesse contexto, a compreensão pública da ciência tornou-se fundamental para o exercício da democracia, da cidadania, da crítica. Devido ao alto grau de especialização que a atividade científica atingiu, o centro nevrálgico da ciência, a pesquisa, afastou-se muito do conhecimento que o cidadão médio expressa. E não são, em geral, os próprios cientistas que fazem a divulgação da ciência ao público geral. É por meio da mídia, sobretudo dos jornais, que as novidades e as questões de cunho ou caráter científico atingem os cidadãos.

          Matérias sobre novas tecnologias costumam ter caráter promocional, "transmitindo a mensagem de que cada novo desenvolvimento vai fornecer a mágica para resolver problemas econômicos ou aliviar as carências sociais". Cada nova tecnologia é promovida "como a fronteira que vai transformar nossas vidas", sendo tratada, em geral, de forma acrítica. Mas as matérias também podem ser apocalípticas quando essas tecnologias ameaçam "os valores predominantes ou quando promessas exageradas não são cumpridas" (NELKIN, 1995:32). A abordagem de novas tecnologias requer atenção para questões sobre incerteza ou risco, que trazem embutidas os germes do exagero e do sensacionalismo.

          Algumas dessas questões até requerem pouco "background" técnico, mas "poucos repórteres tentam explicar aos leitores a natureza da evidência necessária para avaliar o risco aos seres humanos e os problemas de julgar quanta evidência é necessária para garantir a intervenção política" (NELKIN, 1995: 60-61). A situação se agrava quando os assuntos são complexos e controversos, envolvendo obscuridade técnica e informações conflitantes. Produzem-se matérias confusas e desinformadas, mais do que sensacionalistas.

          Apesar de se considerar que se vive hoje numa ‘sociedade da incerteza’ ou ‘do risco’, muitos jornalistas parecem ainda ver respostas científicas como sinônimo de respostas definitivas para uma questão. Quando um cientista, por exemplo, afirma que falta conhecimento sobre um fenômeno, como um risco – cuja avaliação será inevitavelmente de natureza probabilística—, pode não estar sonegando informações, mantendo segredo ou despistando um repórter. Ao buscarem somente ordem e certeza, os jornalistas "perpetuam a falsa imagem da ciência e de suas contribuições para a solução das discussões sobre risco e seus limites como a base para decisões de políticas públicas" (NELKIN, 1995:61).

          Ao tratar de biotecnologia, a imprensa leva o leitor ora aos "milagres" desse campo, ora a "visões do apocalipse", passando "de celebrações do progresso à advertência de perigo, do otimismo à dúvida" (NELKIN, 1995:32). Esse estilo polarizado de cobertura é comum a "panacéias tecnológicas", como o transplante de órgãos, a terapia de reposição hormonal e tecnologias reprodutivas. A polarização serve à incessante busca da mídia por ‘notícias excitantes’ (NELKIN, 1995:32). Mas não basta, na cobertura de temas polêmicos, contrapor os dois pólos extremos. A apresentação dos "dois lados" do debate em si não proporciona ao leitor um terreno seguro para distinguir por ele mesmo que posição assumir.

          Como poucas matérias jornalísticas se baseiam integralmente em observações diretas dos fenômenos ou eventos, a produção de notícias depende da utilização de fontes — "instituições ou personagens que testemunham ou participam de eventos de interesse público" (LAGE, 2001:67). Aos repórteres cabe "selecionar e questionar essas fontes, colher dados e depoimentos, situá-los em algum contexto, e processá-los segundo técnicas jornalísticas." Um bom princípio "é só confiar inteiramente em histórias contadas por três fontes que não se conhecem nem trocaram informações entre si" (LAGE, 2001:67). E a matéria emergirá do cruzamento dos relatos, no que têm de fato, versão e interpretação.

          Dentre as fontes do noticiário sobre ciência e tecnologia, merecem destaque os especialistas, pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. O principal papel dos cientistas na comunicação pública da ciência é servir como fontes de informações científicas ou técnicas para os jornalistas e o público geral. Eles são chamados a comentar, interpretar ou apresentar dados, fatos, feitos, evidências, descobertas, especulações sobre pesquisas realizadas por eles mesmos ou por colegas.

          Mas nem só de declarações e feitos de cientistas se nutrem as matérias. O discurso dos agentes científicos, "uma instância que exerce e recebe influência social, não é o único universo referencial do discurso jornalístico de divulgação" (BELDA, 2003:21). Outros atores sociais se apropriam do discurso científico, instaurando debates que dinamizam o noticiário: políticos, autoridades governamentais, ambientalistas, representantes dos consumidores, do mercado, da indústria. Muitos desses constituem grupos de interesse e pretendem pautar a imprensa, além de mobilizar a opinião pública em favor de suas causas, e procuram ativamente estar nas páginas dos jornais, tornar-se notícia.

          A dependência que grande parte dos jornalistas, generalistas por profissão, ainda mostra em relação a suas fontes, ao menos no Brasil, faz com que o noticiário seja fortemente moldado pelas instituições ou pelos personagens dispostos a falar. Quando se trata de assuntos polêmicos, essa tendência pode levar a representações distorcidas da realidade que influenciam a opinião pública. Rothman e Lichter (1982, apud KUNCZIK, 2001:256-257) analisaram a relação entre as fontes, a cobertura e a opinião pública sobre a energia nuclear na Alemanha. Os autores constataram que o público identificava nos cientistas um grau de preocupação e crítica quanto ao uso dessa fonte de energia que não foi confirmado nem pelos cientistas de forma geral nem pelos especialistas na área. Rothman e Lichter concluíram que a "população havia formado uma opinião equivocada a respeito do ponto de vista dos cientistas em virtude da publicação de informações por parte dos especialistas nos meios de comunicação". Os cientistas antinucleares publicavam, mais que aqueles favoráveis, suas opiniões em jornais diários. A oposição ficou ‘super-representada’ aos olhos do público.

          A tecnologia do DNA recombinante (‘engenharia genética’) e os organismos transgênicos, como a energia nuclear, constituem temas marcados pela controvérsia. Nos Estados Unidos da década de 1970, o debate sobre os transgênicos na imprensa foi moldado fortemente pelos cientistas dispostos a falar; foram eles que pautaram a imprensa (GOODELL, 1986). O foco inicial, inevitavelmente, recaiu sobre a biossegurança, o que os próprios cientistas discutiam no momento. Em se tratando de um assunto complexo, diversos repórteres e editores não se sentiam suficientemente informados e seguros para tecer maiores considerações. Afinal, a consulta a fontes não esgota a construção da notícia.

          Às entrevistas e consultas a especialistas se somam fatores como estilos e preferências pessoais, compreensão sobre o assunto, limitações como espaço e tempo, todas concorrendo para forjar a abordagem adotada numa matéria. Mas, no Brasil, ao longo dos últimos 10 anos, a cobertura pela imprensa costuma refletir os questionamentos e divergências que se dão, primariamente, entre os próprios cientistas e, depois e cada vez mais, entre os diversos atores sociais que reivindicam participação nas discussões. Poucos jornalistas se atrevem a interpretar o que é dito (NATÉRCIA, 2002). Imputar à imprensa toda a responsabilidade pelo atual estado do debate, porém, seria leviano. A responsabilidade por qualquer "debate desinformado" é, sem dúvida, múltipla. Começa na formação deficitária que a maioria da população recebe, seja na alfabetização propriamente dita, seja na "alfabetização científica" (expressão que tem sido ultimamente revista).

          Bueno (1999) avaliou a cobertura dos transgênicos por 6 jornais brasileiros entre os meses de janeiro e setembro de 1999. Observou que as principais fontes do noticiário foram, em ordem crescente, entidades ambientalistas e de defesa do consumidor, executivos das empresas fabricantes e, em primeiro lugar, os governos. Técnicos e pesquisadores tiveram uma presença discreta na mídia para repercutir a questão e o foco técnico, "exatamente o que incorpora uma função pedagógica, visando ao esclarecimento do leitor", só apareceu em 13,03% do total de matérias.

          No estudo que realizou sobre a cobertura dos transgênicos nos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, entre 1999 e 2000, Belda (2003) verificou que o número de matérias com citação de 0 ou 1 fonte foi superior ao de matérias com maior diversidade de fontes, nos dois jornais. Belda (2003) também observou diferenças importantes entre os domínios de atividade a que pertenciam as fontes de cada veículo. Na FSP, as do campo científico foram as mais citadas (110 ocorrências). Em OESP o recurso a informações científicas apareceu em terceiro lugar (81), atrás das fontes de mercado (94) e política (91). Além disso, a FSP citou mais ONGs e representantes da sociedade civil (39 contra 17), enquanto OESP citou mais que o concorrente fontes ligadas ao Direito (33 contra 17).

          No presente trabalho, são analisadas as fontes citadas por jornalistas de cinco jornais brasileiros na cobertura dos organismos transgênicos em dois períodos de dois anos: 1994-1995 e 1999-2000.

          Justificativa

          Os veículos de imprensa constituem a principal interface da ciência com a sociedade. A maneira como assuntos de ciência e tecnologia são tratados pelos jornais diários tende a influenciar – mas não, necessariamente, determinar – o ponto de vista que seus leitores formam, o posicionamento que assumem diante das questões. Cabe considerar, ainda, que a divulgação da ciência por meio da imprensa "é também uma forma de apropriação social do discurso científico na medida em que o reformula segundo lógicas midiáticas e o capitaliza como notícia" (BELDA, 2003:21). A divulgação científica para o público geral, no lugar de constituir uma reformulação do discurso próprio da ciência, representa ela mesma um discurso próprio. Trata-se de um novo discurso, particular, autônomo, que se articula com a ciência, com o "campo científico – mas que não emerge dessa interferência como o produto de uma mera reformulação de linguagem" (ZAMBONI, 2001: xvii-xviii).

          Esse discurso forjado pela divulgação científica é, em parte, moldado pelas fontes onde os jornalistas buscam informações. Em caso de total dependência dos repórteres em relação aos especialistas, eles de fato determinarão o rumo das matérias produzidas. O conhecimento das fontes que participaram do debate sobre os transgênicos travado na imprensa brasileira contribui para a compreensão do desenrolar da controvérsia. Cerca de 10 anos depois de instaurada no país, essa polêmica está longe de se encerrar e, o que é pior: o público geral ainda não se sente suficientemente seguro para escolher, tem muitas dúvidas.

          Referencial teórico e metodológico

          A análise de conteúdo

          A análise da qualidade da informação veiculada pela imprensa brasileira sobre os organismos transgênicos foi realizada por meio de um método de verificação construído pela própria autora. Dada a natureza e o volume de matérias analisadas e, ainda, o objetivo da análise conduzida, o método teve de ser construído e adaptado a partir de referências das Ciências da Comunicação, Sociologia e Estatística. Trata-se de uma análise de conteúdo de caráter eminentemente qualitativo, utilizada sob uma perspectiva comparativa. Embora tradicionalmente empregada na análise de dados quantitativos, nada impede a princípio que a análise de conteúdo seja usada para investigar eventos qualitativos.

          Um evento qualitativo comporta, a princípio, mensurações por variáveis quantitativas e qualitativas. Variáveis qualitativas, por sua natureza, "implicam a perda de precisão da medida, o que, no entanto, não implica necessariamente a perda de acurácia" (PEREIRA, 1999:53). Pelo contrário: a perda de precisão pode ser bem-vinda, aumentando a acurácia e, conseqüentemente, levando a uma melhor representação do evento. O estabelecimento de categorias nominais coloca ao alcance do método o estudo de fenômenos qualitativos. Usando variáveis categóricas, o pesquisador "deve examinar se a categorização que faz das manifestações do evento que estuda é a melhor representação do real" (PEREIRA, 1999:52). O pesquisador assume "incertezas de medidas" na alocação de uma observação em uma e na relação que se estabelece entre as categorias, que são relativas e têm gradientes de intensidade. O fato de "sustentar-se em premissas de juízo subjetivo do investigador não é uma idiossincrasia da mensuração qualitativa", e sim de uma característica imputável à "mensuração em geral", inclusive às medidas quantitativas (PEREIRA, 1999:84).

          Se renunciar à imprecisão e à incerteza pode impedir que haja "qualquer reconhecimento do evento", então é melhor lidar com elas. Para tanto, recomenda-se: o estabelecimento de premissas para as medidas; a garantia de que os recursos adequados sejam empregados na realização dessas medidas e, por último, um perfeito conhecimento do objeto de estudo, a fim de que a estratégia de medida aplicada no estudo produza, de fato, a melhor representação de sua manifestação real (PEREIRA, 1999:53).

          Qualidade da informação: fontes

          A qualidade da informação foi definida como uma conjugação de diversos fatores (1), entre eles as fontes citadas em cada uma das matérias analisadas foram identificadas e agrupadas em categorias nominais tais como seguem:

          1. Fontes oficiais: membros do governo, os presidentes, os governadores e os prefeitos; ministros e seus representantes, entre os quais se incluíram as respectivas assessorias de imprensa; cientistas que trabalham para órgãos governamentais.

          2. Indústria: cientistas e outros representantes da indústria agrobiotecnológica, química ou farmacêutica.

          3. ONGs: ativistas, ambientalistas e entidades não-governamentais.

          4. Políticos: Deputados, vereadores e representantes de políticos, que não participam diretamente do governo, e sim de atividades legislativas.

          5. Cientistas: pesquisadores e instituições como institutos, centros de pesquisa, fundações e universidades.

          6. Fontes do mercado: analistas, corretores e consultores.

          7. Agricultores e representantes: produtores rurais e seus representantes por meio de entidades como federações, confederações e sociedades.

          8. Autoridades supranacionais: autoridades que pertencem a órgãos internacionais, caso da União Européia e suas diversas Comissões, ou a entidades intergovernamentais (OMC, Banco Mundial, ONU e afins).9. Comércio: comerciantes e representantes de supermercados ou redes atacadistas, bem como empresas que lidam com a comercialização dos produtos, não estando envolvidos em sua produção.

          10. Justiça: juízes, procuradores e outros representantes do Poder Judiciário.

          11. Livros: publicações que dão origem a ou são citadas em matérias.

          12. Mídia: matérias de outros veículos de mídia (rádio, TV, outros jornais, revistas, sites).

          13. Outros

          Corpus da pesquisa

          Foram analisadas todas as notícias encontradas nos centros de documentação ou homepages dos jornais O Globo (OGL), Jornal do Brasil (JB), Gazeta Mercantil (GZM), O Estado de S.Paulo (OESP) e Folha de S.Paulo (FSP) tratando de organismos transgênicos em dois momentos: 1994/1995 e 1999/2000. Todas as seções dos diários foram pesquisadas. Foram selecionadas as matérias que tinham como palavras-chave: engenharia genética, DNA recombinante, transgênicos, transgênico, transgênica, geneticamente modificados/alterados, OGMs. Foram consideradas todas as que trataram do tema, fosse qual fosse a abordagem a eles dedicada. Parte das matérias referentes aos primeiros anos do debate foi obtida por encomenda ao setor de pesquisa do jornal Gazeta Mercantil, que inclui em seu clipping material extraído de outros jornais, e do jornal O Estado de S.Paulo. O restante foi obtido nas homepages dos jornais na Internet: www.uol.com.br/fsp; www.estado.estadao.com.br; www.jbonline.com.br; www.investnews.com.br. Optou-se por um recorte temporal e amplo devido à polêmica que envolve o tema; qualquer amostra estreita, provavelmente, forneceria resultados e conclusões enviesados. Ao todo, foram analisadas 2337 matérias.

          Resultados

          O volume de cobertura variou entre os jornais, tendo em geral sido maior nos veículos paulistas que nos cariocas, o que se reflete no número de fontes consultadas, maior naqueles que nestes. Uma tendência geral, porém, se nota: o volume aumentou muito no segundo momento, sobretudo no ano 2000. A média geral do número de fontes por matéria, obtidas pela divisão do total de fontes pelo número total de matérias de todos os diários, foi 1,31.

          Os resultados obtidos para OGL são sintetizados abaixo:

          Tabela 1: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal O Globo

Ano Nº matérias Número de fontes Número de fontes/matéria Diversidade
(no de categorias)
Fontes* mais freqüentes (%)
1994 8 3 0,38 1 Cie (100)
1995 5 5 1 1 Cie (100)
1999 59 52 0,88 9 Gov (26,92);
Cie (23,08)

Ong (15,39);
Ind (15,39)

2000 87 114 1,31 8 Gov (26,32);
Ong (24,56)

Ind (16,67);
Cie (15,79)

*OBS.: Cie = cientista; Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv = livro; Merc = mercado

          Em relação a todos os outros diários, OGL fez a cobertura menos ampla dos transgênicos, apresentando menor número de matérias. Cientistas figuraram entre as únicas fontes citadas em 1994 (3) e 1995 (5) – houve uma baixa diversidade no primeiro momento. Já no segundo momento, foi consultado um maior leque de fontes, com predomínio das fontes oficiais. As ONGs despontaram como fontes em 1999, e em 2000 passaram a rivalizar com as fontes oficiais. Nota-se, ainda, um incremento na freqüência de citação de políticos, ao passo que a indústria e os cientistas perderam importância.

          Para o JB, os resultados foram os seguintes:

          Tabela 2: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo Jornal do Brasil

Ano Nº de matérias Número de fontes Número de fontes/matéria Diversidade (no de categorias) Fontes*
mais freqüentes (%)
1994 35 45 1,28 7 Cie (59,09);
Gov (20,45)
1995 53 60 1,13 8 Cie (41,67);
Ind (16,67); Gov (13,33)
1999 163 200 1,23 9 Gov (37);
Ong (16);

Ind (13,5);
Cie (12)

2000 145 202 1,39 11 Gov (21,78); Ong (20,79);
Pol (12,87);
Cie (11,88)

*OBS.: Cie = cientista; Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv = livro; Merc = mercado

          O JB, em relação a OGL, fez uma cobertura mais ampla e lançou mão de um leque mais amplo de fontes desde o início. Quanto ao número de fontes/matéria, teve também um melhor desempenho. Além dos cientistas, fontes oficiais e representantes da indústria foram as principais fontes a moldar o noticiário sobre os transgênicos no primeiro momento. Já em 1999 e 2000, as ONGs foram as segundas fontes mais citadas, seguidas, respectivamente, pela indústria e por políticos.

          Assim, no JB também se reflete a politização em nível internacional do debate em 2000, embora em 1995 a abordagem da questão por esse prisma tenha atingido proporção mais significativa. Foi em 2000 que os cientistas tiveram a participação menos expressiva. Nos diários cariocas, a oposição aos transgênicos, sobretudo por meio de ONGs, foi mais citada que nos paulistas.

          Em OESP, foram encontrados os resultados sintetizados abaixo:

          Tabela 3: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal O Estado de S.Paulo

Ano Nº de matérias Número
de fontes
Número de fontes/matéria Diversidade
(no de categorias)
Fontes*
mais freqüentes (%)
1994 6 13 2,17 4 Cie (46,16);
Gov (23,08);
Ong (15,38);
Ind (15,38)
1995 6 9 1,5 3 Ind (55,56);
Cie (33,33);

Liv (11,11)

1999 194 198 1,02 13 Gov (34,34);
Cie (21,21);

Ind (12,12)

2000 186 173 0,93 13 Cie (26,59);
Gov (23,12);

Ind (15,03)

*OBS.: Cie = cientista; Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv = livro; Merc = mercado

          No período inicial, sua cobertura foi, em volume de cobertura, semelhante à de OGL, menos extensa que a do JB. No segundo momento, a cobertura de OESP foi mais ampla que a do JB. No que concerne à diversidade de fontes, o JB teve melhor desempenho que OESP no primeiro momento considerado. Em relação ao JB, porém, OESP usou um maior leque de fontes em 1999 e 2000. Considerando o número de fontes por matéria, OESP mostra um desempenho acima da média geral (1,31), mas não se deve esquecer que o universo total é de 6 matérias. ONGs foram mais expressivas em 1994; a mais alta freqüência relativa da indústria deu-se em 1995. Em 1999, as fontes oficiais foram as mais freqüentes; em 2000 foram os cientistas, seguidos das fontes oficiais e da indústria.

          Na GZM foram encontrados:

          Tabela 4: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal Gazeta Mercantil

Ano Nº de matérias Número de fontes Número de fontes/matéria Diversidade
(no de categorias)
Fontes* mais
freqüentes (%)
1994 32 32 1 6 Cie (50);
Gov (18,75);
Ind (18,75)
1995 14 28 2 8 Ind (42,86);
Cie (21,43)
Merc (14,28)
1999 200 396 1,98 10 Ind (27,27);
Gov (26,51)

Cie (9,84)

2000 250 488 1,95 13 Gov (25,82);
Ind (21,52)

Ong (9,22)

*OBS.: Cie = cientista; Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv = livro; Merc = mercado

          Foram analisadas, na GZM, 446 matérias. O volume de cobertura, em número de matérias, foi superior quando comparado ao de OGL, JB e OESP. Em relação ao número de fontes por matéria, é a GZM que mostra o melhor desempenho ao longo dos quatro anos dentre todos os diários analisados, o que se traduz, a princípio, em um melhor trabalho de reportagem. Exceto em 1994, a cobertura da GZM superou a média geral 1,31. Quanto à diversidade de fontes, a cobertura da GZM se assemelhou, em 1994 e 1995, à do JB. Em 1999, a performance de OESP nesse sentido foi melhor, mas em 2000 foi semelhante.

          Os resultados para a FSP são apresentados abaixo:

          Tabela 5: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal Folha de S.Paulo

Ano Nº de matérias Número de fontes Número de fontes/matéria Diversidade
(no de categorias)
Fontes* mais
freqüentes (%)
1994 63 70 1,11 6 Cie (48,57); Gov (17,14)

Ind (12,86)

1995 77 50 0,64 10 Cie (48);
Pol (16);

Ind (10)

1999 293 331 1,13 13 Cie (45,32); Gov(17,22); Ind (9,67);
Ong (8,46)
2000 461 600 1,30 13 Cie (28,84); Gov (17,67)

Ind (10,83); Ong (9,17)

*OBS.: Cie = cientista; Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv = livro; Merc = mercado

          A FSP fez a cobertura mais ampla sobre os transgênicos. Foi neste jornal que os cientistas figuraram entre as fontes mais freqüentes ao longo dos quatro anos analisados, embora seja digno de nota que em 2000 houve uma redução de sua freqüência relativa. Quanto ao número de fontes por matéria, seu desempenho foi pior, no momento inicial, que o de JB, OESP e GZM. Mas é preciso considerar que o baixo número de fontes pode ser compensado por abordagens interpretativas. Considerando a diversidade de fontes, a FSP se assemelha ao JB e à GZM no ano de 1994. Mas, em 1995, à FSP coube o uso do maior número de tipos. Em 1999 e 2000 a diversidade utilizada na FSP é igual à de OESP, e superior à dos outros. No ano 2000, fontes foram alocadas em todas as categorias possíveis, 13, como em OESP e GZM. Políticos atingiram sua mais alta freqüência no noticiário em 1995, quando foi sancionada a lei de regulamentação da engenharia genética. Mas a politização do debate em 2000 também se faz notar com uma participação menor de cientistas e um aumento da freqüência relativa de diversos outros atores sociais, como as ONGs e ativistas.

          Cientistas figuraram entre as fontes mais freqüentes em 1994 e 1995, mas perderam importância em 1999 e 2000. Naqueles anos, foi sobre o eixo científico que a maioria das matérias foi construída. Dentro dele, tiveram destaque os sub-eixos avanço tecnocientífico, relativo a novidades em matéria de ciência e tecnologia (novos produtos, novas técnicas), e tecnocientífico — sobre técnicas e produtos que não são novos; explicações sobre a ciência subjacente a um produto ou técnica — (Medeiros, 2004). No entanto, a cobertura saiu do eixo científico no segundo momento, quando a cobertura se ampliou. O ingresso de novos atores sociais no debate deu-se em detrimento da apresentação dos aspectos científicos – e basilares – da questão.

          Políticos despontaram, de modo geral, em 1999 como fontes de importância crescente. Essa tendência se fortaleceu quando a cobertura nacional voltou a atingir um pico em 2003. Entre os principais assuntos, nesse momento, figuraram a decisão sobre o plantio da soja transgênica e as discussões em torno do projeto de uma nova lei de biossegurança. Uma análise preliminar mostra que esses assuntos geraram notícias construídas principalmente sobre os eixos normativo (relativo a leis e aplicações da lei), econômico ou político. Os mesmos assuntos se encontram em pauta no ano de 2004, uma vez que a lei de biossegurança ainda não foi votada no Senado e deverá sofrer emendas.

          Considerações finais

          A redução no número de cientistas consultados como fontes é condizente com a diminuição da freqüência com que os organismos transgênicos foram abordados sobre o eixo científico. Mais uma vez, constata-se que, na cobertura de temas de ciência e tecnologia, as fontes contribuem de forma decisiva para moldar o noticiário; no entanto, deve-se atentar para o fato de que as fontes consultadas resultam de uma escolha, uma seleção realizada por repórteres e editores dos jornais. Assim, faz-se necessário reconhecer um papel ativo dos jornalistas na construção da polêmica sobre os organismos transgênicos, tal como foi apresentada aos leitores brasileiros.

          A seleção de fontes é parte da construção dos frames interpretativos pelos jornalistas (Medeiros, 2004). Ao predomínio de cientistas como fontes em 1994 e 1995, correspondeu uma cobertura centrada nos aspectos mais técnicos do debate. No segundo momento, juntamente com a proeminência de fontes oficiais, representantes da indústria e ONGs, emergiram matérias construídas sobre outros eixos.Com o deslocamento da discussão para os eixos normativo e econômico, os cientistas foram superados como fontes pelo conjunto constituído pelos outros atores do debate. E a noticiabilidade dos transgênicos se atrelou ao signo da polêmica, conforme ainda se pode constatar no noticiário.

          Para que a cobertura sobre ciência e tecnologia alcance um patamar superior de qualidade da informação é preciso que os jornalistas e suas fontes, num esforço conjunto, procurem explicar melhor ao público geral a ciência subjacente aos fatos, aos argumentos em discussão. Os jornalistas devem trabalhar no sentido de ampliar sua autonomia em relação a suas fontes — por exemplo, pela leitura de artigos de pesquisa originais — e a diversidade delas, bem como sua capacidade de interpretação. E aos cientistas cabe mostrarem-se disponíveis e se preparem para os encontros com os jornalistas, deixando a menor margem possível para dúvidas, separando dados, exemplos, ilustrações, infográficos que facilitem a compreensão do tema. São cada vez mais comuns os casos de parceria bem sucedida entre jornalistas e suas fontes, inclusive científicas, consolidando uma relação que jamais deveria ter assumido outra forma.

          O desempenho dos jornais quanto a outras variáveis (frames interpretativos, explicações científicas, tamanho das matérias, erros etc.) contribuiu para que a qualidade da informação veiculada ao público geral tenha sido, de modo geral, baixa (Medeiros, 2004). Com base na leitura das matérias, dificilmente o cidadão médio não adquiriu informações suficientes para decidir por si sobre o assunto candente. Pior que isso, a exposição constante do tema não impediu que, em 2003, uma pesquisa revelasse que 61% da população brasileira nunca tinham ouvido falar do tema. Esses resultados em nada desmerecem os brasileiros. O Eurobarômetro, pesquisa de percepção conduzida anualmente na Europa, igualmente atestou quão desconhecida é a biotecnologia dos europeus (Gaskell et al., 2003). Não faltam, entretanto, autores, livros e vozes a advertir contra o perigo desse desconhecimento, que chega a ameaçar o exercício da democracia. Parodiando Churchill, pode-se dizer que a ciência é "coisa muito séria" para ficar somente nas mãos de cientistas, jornalistas e grupos de interesse.

          Notas

          (1) Títulos, frames interpretativos, tamanho e gênero das matérias, presença/ausência de explicação científica, erros, produção própria de matérias ou uso de informações provenientes de agências noticiosas ou outros veículos de mídia.

          Referências bibliográficas

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Flavia Natercia da Silva Medeiros
Doutora em Comunicação Social, com a tese "Transgênicos: a qualidade da informação nos jornais brasileiros", pela Universidade Metodista de São Paulo.Graduada em Ciências Biológicas e Mestre em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas. Trabalhou como jornalista em diversos veículos, como a Superinteressante, a Folha de S.Paulo, a Raça e a Ciência & Cultura. E-mail: fnatercia@yahoo.com.

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