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A
qualidade da informação na cobertura dos organismos
transgênicos pela imprensa brasileira: as fontes de uma
polêmica (1994-1995 e 1999-2000)
Flavia Natercia da Silva Medeiros*
Introdução
Ao
longo do século XX, a ciência e a tecnologia adquiriram um papel
central nas atividades humanas. Penetraram na indústria e nos
lares, no trabalho e no lazer. Têm salvo bilhões de vidas e aumentado
o conforto e o bem-estar de muitas outras. Têm conectado o mundo
de modo "lentamente anastomosante" e alterado o ambiente
global de forma inaudita. Mas também criam males "difíceis
de ver, difíceis de entender, problemas que não podem ser resolvidos
imediatamente e que, sem dúvida, não poderão ser solucionados
sem desafiarmos aqueles que detêm o poder" (SAGAN, 1998:81).
Nesse
contexto, a compreensão pública da ciência tornou-se fundamental
para o exercício da democracia, da cidadania, da crítica. Devido
ao alto grau de especialização que a atividade científica atingiu,
o centro nevrálgico da ciência, a pesquisa, afastou-se muito do
conhecimento que o cidadão médio expressa. E não são, em geral,
os próprios cientistas que fazem a divulgação da ciência ao público
geral. É por meio da mídia, sobretudo dos jornais, que as novidades
e as questões de cunho ou caráter científico atingem os cidadãos.
Matérias
sobre novas tecnologias costumam ter caráter promocional, "transmitindo
a mensagem de que cada novo desenvolvimento vai fornecer a mágica
para resolver problemas econômicos ou aliviar as carências sociais".
Cada nova tecnologia é promovida "como a fronteira que vai
transformar nossas vidas", sendo tratada, em geral, de forma
acrítica. Mas as matérias também podem ser apocalípticas quando
essas tecnologias ameaçam "os valores predominantes ou quando
promessas exageradas não são cumpridas" (NELKIN, 1995:32).
A abordagem de novas tecnologias requer atenção para questões
sobre incerteza ou risco, que trazem embutidas os germes do exagero
e do sensacionalismo.
Algumas
dessas questões até requerem pouco "background" técnico,
mas "poucos repórteres tentam explicar aos leitores a natureza
da evidência necessária para avaliar o risco aos seres humanos
e os problemas de julgar quanta evidência é necessária para garantir
a intervenção política" (NELKIN, 1995: 60-61). A situação
se agrava quando os assuntos são complexos e controversos, envolvendo
obscuridade técnica e informações conflitantes. Produzem-se matérias
confusas e desinformadas, mais do que sensacionalistas.
Apesar
de se considerar que se vive hoje numa sociedade da incerteza
ou do risco, muitos jornalistas parecem ainda ver
respostas científicas como sinônimo de respostas definitivas para
uma questão. Quando um cientista, por exemplo, afirma que falta
conhecimento sobre um fenômeno, como um risco cuja avaliação
será inevitavelmente de natureza probabilística, pode não
estar sonegando informações, mantendo segredo ou despistando um
repórter. Ao buscarem somente ordem e certeza, os jornalistas
"perpetuam a falsa imagem da ciência e de suas contribuições
para a solução das discussões sobre risco e seus limites como
a base para decisões de políticas públicas" (NELKIN, 1995:61).
Ao
tratar de biotecnologia, a imprensa leva o leitor ora aos "milagres"
desse campo, ora a "visões do apocalipse", passando
"de celebrações do progresso à advertência de perigo, do
otimismo à dúvida" (NELKIN, 1995:32). Esse estilo polarizado
de cobertura é comum a "panacéias tecnológicas", como
o transplante de órgãos, a terapia de reposição hormonal e tecnologias
reprodutivas. A polarização serve à incessante busca da mídia
por notícias excitantes (NELKIN, 1995:32). Mas não
basta, na cobertura de temas polêmicos, contrapor os dois pólos
extremos. A apresentação dos "dois lados" do debate
em si não proporciona ao leitor um terreno seguro para distinguir
por ele mesmo que posição assumir.
Como
poucas matérias jornalísticas se baseiam integralmente em observações
diretas dos fenômenos ou eventos, a produção de notícias depende
da utilização de fontes "instituições ou personagens
que testemunham ou participam de eventos de interesse público"
(LAGE, 2001:67). Aos repórteres cabe "selecionar e questionar
essas fontes, colher dados e depoimentos, situá-los em algum contexto,
e processá-los segundo técnicas jornalísticas." Um bom princípio
"é só confiar inteiramente em histórias contadas por três
fontes que não se conhecem nem trocaram informações entre si"
(LAGE, 2001:67). E a matéria emergirá do cruzamento dos relatos,
no que têm de fato, versão e interpretação.
Dentre
as fontes do noticiário sobre ciência e tecnologia, merecem destaque
os especialistas, pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento.
O principal papel dos cientistas na comunicação pública da ciência
é servir como fontes de informações científicas ou técnicas para
os jornalistas e o público geral. Eles são chamados a comentar,
interpretar ou apresentar dados, fatos, feitos, evidências, descobertas,
especulações sobre pesquisas realizadas por eles mesmos ou por
colegas.
Mas
nem só de declarações e feitos de cientistas se nutrem as matérias.
O discurso dos agentes científicos, "uma instância que exerce
e recebe influência social, não é o único universo referencial
do discurso jornalístico de divulgação" (BELDA, 2003:21).
Outros atores sociais se apropriam do discurso científico, instaurando
debates que dinamizam o noticiário: políticos, autoridades governamentais,
ambientalistas, representantes dos consumidores, do mercado, da
indústria. Muitos desses constituem grupos de interesse e pretendem
pautar a imprensa, além de mobilizar a opinião pública em favor
de suas causas, e procuram ativamente estar nas páginas dos jornais,
tornar-se notícia.
A
dependência que grande parte dos jornalistas, generalistas por
profissão, ainda mostra em relação a suas fontes, ao menos no
Brasil, faz com que o noticiário seja fortemente moldado pelas
instituições ou pelos personagens dispostos a falar. Quando se
trata de assuntos polêmicos, essa tendência pode levar a representações
distorcidas da realidade que influenciam a opinião pública. Rothman
e Lichter (1982, apud KUNCZIK, 2001:256-257) analisaram a relação
entre as fontes, a cobertura e a opinião pública sobre a energia
nuclear na Alemanha. Os autores constataram que o público identificava
nos cientistas um grau de preocupação e crítica quanto ao uso
dessa fonte de energia que não foi confirmado nem pelos cientistas
de forma geral nem pelos especialistas na área. Rothman e Lichter
concluíram que a "população havia formado uma opinião equivocada
a respeito do ponto de vista dos cientistas em virtude da publicação
de informações por parte dos especialistas nos meios de comunicação".
Os cientistas antinucleares publicavam, mais que aqueles favoráveis,
suas opiniões em jornais diários. A oposição ficou super-representada
aos olhos do público.
A
tecnologia do DNA recombinante (engenharia genética)
e os organismos transgênicos, como a energia nuclear, constituem
temas marcados pela controvérsia. Nos Estados Unidos da década
de 1970, o debate sobre os transgênicos na imprensa foi moldado
fortemente pelos cientistas dispostos a falar; foram eles que
pautaram a imprensa (GOODELL, 1986). O foco inicial, inevitavelmente,
recaiu sobre a biossegurança, o que os próprios cientistas discutiam
no momento. Em se tratando de um assunto complexo, diversos repórteres
e editores não se sentiam suficientemente informados e seguros
para tecer maiores considerações. Afinal, a consulta a fontes
não esgota a construção da notícia.
Às
entrevistas e consultas a especialistas se somam fatores como
estilos e preferências pessoais, compreensão sobre o assunto,
limitações como espaço e tempo, todas concorrendo para forjar
a abordagem adotada numa matéria. Mas, no Brasil, ao longo dos
últimos 10 anos, a cobertura pela imprensa costuma refletir os
questionamentos e divergências que se dão, primariamente, entre
os próprios cientistas e, depois e cada vez mais, entre os diversos
atores sociais que reivindicam participação nas discussões. Poucos
jornalistas se atrevem a interpretar o que é dito (NATÉRCIA, 2002).
Imputar à imprensa toda a responsabilidade pelo atual estado do
debate, porém, seria leviano. A responsabilidade por qualquer
"debate desinformado" é, sem dúvida, múltipla. Começa
na formação deficitária que a maioria da população recebe, seja
na alfabetização propriamente dita, seja na "alfabetização
científica" (expressão que tem sido ultimamente revista).
Bueno
(1999) avaliou a cobertura dos transgênicos por 6 jornais brasileiros
entre os meses de janeiro e setembro de 1999. Observou que as
principais fontes do noticiário foram, em ordem crescente, entidades
ambientalistas e de defesa do consumidor, executivos das empresas
fabricantes e, em primeiro lugar, os governos. Técnicos e pesquisadores
tiveram uma presença discreta na mídia para repercutir a questão
e o foco técnico, "exatamente o que incorpora uma função
pedagógica, visando ao esclarecimento do leitor", só apareceu
em 13,03% do total de matérias.
No
estudo que realizou sobre a cobertura dos transgênicos nos jornais
O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, entre 1999
e 2000, Belda (2003) verificou que o número de matérias com citação
de 0 ou 1 fonte foi superior ao de matérias com maior diversidade
de fontes, nos dois jornais. Belda (2003) também observou diferenças
importantes entre os domínios de atividade a que pertenciam as
fontes de cada veículo. Na FSP, as do campo científico
foram as mais citadas (110 ocorrências). Em OESP o recurso
a informações científicas apareceu em terceiro lugar (81), atrás
das fontes de mercado (94) e política (91). Além disso, a FSP
citou mais ONGs e representantes da sociedade civil (39 contra
17), enquanto OESP citou mais que o concorrente fontes ligadas
ao Direito (33 contra 17).
No
presente trabalho, são analisadas as fontes citadas por jornalistas
de cinco jornais brasileiros na cobertura dos organismos transgênicos
em dois períodos de dois anos: 1994-1995 e 1999-2000.
Justificativa
Os
veículos de imprensa constituem a principal interface da ciência
com a sociedade. A maneira como assuntos de ciência e tecnologia
são tratados pelos jornais diários tende a influenciar
mas não, necessariamente, determinar o ponto de vista que
seus leitores formam, o posicionamento que assumem diante das
questões. Cabe considerar, ainda, que a divulgação da ciência
por meio da imprensa "é também uma forma de apropriação social
do discurso científico na medida em que o reformula segundo lógicas
midiáticas e o capitaliza como notícia" (BELDA, 2003:21).
A divulgação científica para o público geral, no lugar de constituir
uma reformulação do discurso próprio da ciência, representa ela
mesma um discurso próprio. Trata-se de um novo discurso, particular,
autônomo, que se articula com a ciência, com o "campo científico
mas que não emerge dessa interferência como o produto de
uma mera reformulação de linguagem" (ZAMBONI, 2001: xvii-xviii).
Esse
discurso forjado pela divulgação científica é, em parte, moldado
pelas fontes onde os jornalistas buscam informações. Em caso de
total dependência dos repórteres em relação aos especialistas,
eles de fato determinarão o rumo das matérias produzidas. O conhecimento
das fontes que participaram do debate sobre os transgênicos travado
na imprensa brasileira contribui para a compreensão do desenrolar
da controvérsia. Cerca de 10 anos depois de instaurada no país,
essa polêmica está longe de se encerrar e, o que é pior: o público
geral ainda não se sente suficientemente seguro para escolher,
tem muitas dúvidas.
Referencial
teórico e metodológico
A
análise de conteúdo
A
análise da qualidade da informação veiculada pela imprensa brasileira
sobre os organismos transgênicos foi realizada por meio de um
método de verificação construído pela própria autora. Dada a natureza
e o volume de matérias analisadas e, ainda, o objetivo da análise
conduzida, o método teve de ser construído e adaptado a partir
de referências das Ciências da Comunicação, Sociologia e Estatística.
Trata-se de uma análise de conteúdo de caráter eminentemente qualitativo,
utilizada sob uma perspectiva comparativa. Embora tradicionalmente
empregada na análise de dados quantitativos, nada impede a princípio
que a análise de conteúdo seja usada para investigar eventos qualitativos.
Um
evento qualitativo comporta, a princípio, mensurações por variáveis
quantitativas e qualitativas. Variáveis qualitativas, por sua
natureza, "implicam a perda de precisão da medida, o que,
no entanto, não implica necessariamente a perda de acurácia"
(PEREIRA, 1999:53). Pelo contrário: a perda de precisão pode ser
bem-vinda, aumentando a acurácia e, conseqüentemente, levando
a uma melhor representação do evento. O estabelecimento de categorias
nominais coloca ao alcance do método o estudo de fenômenos qualitativos.
Usando variáveis categóricas, o pesquisador "deve examinar
se a categorização que faz das manifestações do evento que estuda
é a melhor representação do real" (PEREIRA, 1999:52). O pesquisador
assume "incertezas de medidas" na alocação de uma observação
em uma e na relação que se estabelece entre as categorias, que
são relativas e têm gradientes de intensidade. O fato de "sustentar-se
em premissas de juízo subjetivo do investigador não é uma idiossincrasia
da mensuração qualitativa", e sim de uma característica imputável
à "mensuração em geral", inclusive às medidas quantitativas
(PEREIRA, 1999:84).
Se
renunciar à imprecisão e à incerteza pode impedir que haja "qualquer
reconhecimento do evento", então é melhor lidar com elas.
Para tanto, recomenda-se: o estabelecimento de premissas para
as medidas; a garantia de que os recursos adequados sejam empregados
na realização dessas medidas e, por último, um perfeito conhecimento
do objeto de estudo, a fim de que a estratégia de medida aplicada
no estudo produza, de fato, a melhor representação de sua manifestação
real (PEREIRA, 1999:53).
Qualidade
da informação: fontes
A
qualidade da informação foi definida como uma conjugação de diversos
fatores (1), entre eles as fontes citadas em cada uma das matérias
analisadas foram identificadas e agrupadas em categorias nominais
tais como seguem:
1.
Fontes oficiais: membros do governo, os presidentes, os governadores
e os prefeitos; ministros e seus representantes, entre os quais
se incluíram as respectivas assessorias de imprensa; cientistas
que trabalham para órgãos governamentais.
2.
Indústria: cientistas e outros representantes da indústria
agrobiotecnológica, química ou farmacêutica.
3.
ONGs: ativistas, ambientalistas e entidades não-governamentais.
4.
Políticos: Deputados, vereadores e representantes de políticos,
que não participam diretamente do governo, e sim de atividades
legislativas.
5.
Cientistas: pesquisadores e instituições como institutos,
centros de pesquisa, fundações e universidades.
6.
Fontes do mercado: analistas, corretores e consultores.
7.
Agricultores e representantes: produtores rurais e seus representantes
por meio de entidades como federações, confederações e sociedades.
8.
Autoridades supranacionais: autoridades que pertencem a órgãos
internacionais, caso da União Européia e suas diversas Comissões,
ou a entidades intergovernamentais (OMC, Banco Mundial, ONU e
afins).9. Comércio: comerciantes e representantes de supermercados
ou redes atacadistas, bem como empresas que lidam com a comercialização
dos produtos, não estando envolvidos em sua produção.
10.
Justiça: juízes, procuradores e outros representantes do Poder
Judiciário.
11.
Livros: publicações que dão origem a ou são citadas em matérias.
12.
Mídia: matérias de outros veículos de mídia (rádio, TV, outros
jornais, revistas, sites).
13.
Outros
Corpus
da pesquisa
Foram
analisadas todas as notícias encontradas nos centros de documentação
ou homepages dos jornais O Globo (OGL), Jornal
do Brasil (JB), Gazeta Mercantil (GZM),
O Estado de S.Paulo (OESP) e Folha de
S.Paulo (FSP) tratando de organismos transgênicos
em dois momentos: 1994/1995 e 1999/2000. Todas as seções dos diários
foram pesquisadas. Foram selecionadas as matérias que tinham como
palavras-chave: engenharia genética, DNA recombinante, transgênicos,
transgênico, transgênica, geneticamente modificados/alterados,
OGMs. Foram consideradas todas as que trataram do tema, fosse
qual fosse a abordagem a eles dedicada. Parte das matérias referentes
aos primeiros anos do debate foi obtida por encomenda ao setor
de pesquisa do jornal Gazeta Mercantil, que inclui em seu
clipping material extraído de outros jornais, e do jornal
O Estado de S.Paulo. O restante foi obtido nas homepages
dos jornais na Internet: www.uol.com.br/fsp;
www.estado.estadao.com.br;
www.jbonline.com.br;
www.investnews.com.br.
Optou-se por um recorte temporal e amplo devido à polêmica que
envolve o tema; qualquer amostra estreita, provavelmente, forneceria
resultados e conclusões enviesados. Ao todo, foram analisadas
2337 matérias.
Resultados
O
volume de cobertura variou entre os jornais, tendo em geral sido
maior nos veículos paulistas que nos cariocas, o que se reflete
no número de fontes consultadas, maior naqueles que nestes. Uma
tendência geral, porém, se nota: o volume aumentou muito no segundo
momento, sobretudo no ano 2000. A média geral do número de fontes
por matéria, obtidas pela divisão do total de fontes pelo número
total de matérias de todos os diários, foi 1,31.
Os
resultados obtidos para OGL são sintetizados abaixo:
Tabela
1: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal
O Globo
Ano |
Nº matérias |
Número de fontes |
Número de fontes/matéria |
Diversidade
(no de categorias) |
Fontes* mais freqüentes (%) |
1994 |
8 |
3 |
0,38 |
1 |
Cie (100) |
1995 |
5 |
5 |
1 |
1 |
Cie (100) |
1999 |
59 |
52 |
0,88 |
9 |
Gov (26,92); Cie
(23,08)
Ong (15,39);
Ind (15,39) |
2000 |
87 |
114 |
1,31 |
8 |
Gov (26,32); Ong
(24,56)
Ind (16,67);
Cie (15,79) |
*OBS.: Cie = cientista;
Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas
e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv
= livro; Merc = mercado
Em
relação a todos os outros diários, OGL fez a cobertura
menos ampla dos transgênicos, apresentando menor número de matérias.
Cientistas figuraram entre as únicas fontes citadas em 1994 (3)
e 1995 (5) houve uma baixa diversidade no primeiro momento.
Já no segundo momento, foi consultado um maior leque de fontes,
com predomínio das fontes oficiais. As ONGs despontaram como fontes
em 1999, e em 2000 passaram a rivalizar com as fontes oficiais.
Nota-se, ainda, um incremento na freqüência de citação de políticos,
ao passo que a indústria e os cientistas perderam importância.
Para
o JB, os resultados foram os seguintes:
Tabela
2: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo Jornal
do Brasil
Ano |
Nº de matérias |
Número de fontes |
Número de fontes/matéria |
Diversidade (no de
categorias) |
Fontes*
mais freqüentes (%) |
1994 |
35 |
45 |
1,28 |
7 |
Cie (59,09); Gov (20,45) |
1995 |
53 |
60 |
1,13 |
8 |
Cie (41,67); Ind
(16,67); Gov (13,33) |
1999 |
163 |
200 |
1,23 |
9 |
Gov (37); Ong
(16);
Ind (13,5);
Cie (12) |
2000 |
145 |
202 |
1,39 |
11 |
Gov (21,78); Ong (20,79);
Pol (12,87); Cie (11,88) |
*OBS.: Cie = cientista;
Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas
e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv
= livro; Merc = mercado
O
JB, em relação a OGL, fez uma cobertura mais ampla
e lançou mão de um leque mais amplo de fontes desde o início.
Quanto ao número de fontes/matéria, teve também um melhor desempenho.
Além dos cientistas, fontes oficiais e representantes da indústria
foram as principais fontes a moldar o noticiário sobre os transgênicos
no primeiro momento. Já em 1999 e 2000, as ONGs foram as segundas
fontes mais citadas, seguidas, respectivamente, pela indústria
e por políticos.
Assim,
no JB também se reflete a politização em nível internacional
do debate em 2000, embora em 1995 a abordagem da questão por esse
prisma tenha atingido proporção mais significativa. Foi em 2000
que os cientistas tiveram a participação menos expressiva. Nos
diários cariocas, a oposição aos transgênicos, sobretudo por meio
de ONGs, foi mais citada que nos paulistas.
Em
OESP, foram encontrados os resultados sintetizados abaixo:
Tabela
3: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal
O Estado de S.Paulo
Ano |
Nº de matérias |
Número
de fontes |
Número de fontes/matéria |
Diversidade
(no de categorias) |
Fontes*
mais freqüentes (%) |
1994 |
6 |
13 |
2,17 |
4 |
Cie (46,16); Gov
(23,08); Ong (15,38); Ind (15,38) |
1995 |
6 |
9 |
1,5 |
3 |
Ind (55,56); Cie
(33,33);
Liv (11,11) |
1999 |
194 |
198 |
1,02 |
13 |
Gov (34,34); Cie
(21,21);
Ind (12,12) |
2000 |
186 |
173 |
0,93 |
13 |
Cie (26,59); Gov
(23,12);
Ind (15,03) |
*OBS.: Cie = cientista;
Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas
e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv
= livro; Merc = mercado
No
período inicial, sua cobertura foi, em volume de cobertura, semelhante
à de OGL, menos extensa que a do JB. No segundo
momento, a cobertura de OESP foi mais ampla que a do JB.
No que concerne à diversidade de fontes, o JB teve melhor
desempenho que OESP no primeiro momento considerado. Em
relação ao JB, porém, OESP usou um maior leque de
fontes em 1999 e 2000. Considerando o número de fontes por matéria,
OESP mostra um desempenho acima da média geral (1,31), mas não
se deve esquecer que o universo total é de 6 matérias. ONGs foram
mais expressivas em 1994; a mais alta freqüência relativa da indústria
deu-se em 1995. Em 1999, as fontes oficiais foram as mais freqüentes;
em 2000 foram os cientistas, seguidos das fontes oficiais e da
indústria.
Na
GZM foram encontrados:
Tabela
4: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal
Gazeta Mercantil
Ano |
Nº de matérias |
Número de fontes |
Número de fontes/matéria |
Diversidade
(no de categorias) |
Fontes* mais
freqüentes (%) |
1994 |
32 |
32 |
1 |
6 |
Cie (50); Gov
(18,75); Ind (18,75) |
1995 |
14 |
28 |
2 |
8 |
Ind (42,86); Cie
(21,43) Merc (14,28) |
1999 |
200 |
396 |
1,98 |
10 |
Ind (27,27); Gov
(26,51)
Cie (9,84) |
2000 |
250 |
488 |
1,95 |
13 |
Gov (25,82); Ind
(21,52)
Ong (9,22) |
*OBS.: Cie = cientista;
Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas
e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv
= livro; Merc = mercado
Foram
analisadas, na GZM, 446 matérias. O volume de cobertura,
em número de matérias, foi superior quando comparado ao de OGL,
JB e OESP. Em relação ao número de fontes por matéria,
é a GZM que mostra o melhor desempenho ao longo dos quatro
anos dentre todos os diários analisados, o que se traduz, a princípio,
em um melhor trabalho de reportagem. Exceto em 1994, a cobertura
da GZM superou a média geral 1,31. Quanto à diversidade
de fontes, a cobertura da GZM se assemelhou, em 1994 e
1995, à do JB. Em 1999, a performance de OESP nesse
sentido foi melhor, mas em 2000 foi semelhante.
Os
resultados para a FSP são apresentados abaixo:
Tabela
5: Uso de fontes na cobertura dos transgênicos pelo jornal
Folha de S.Paulo
Ano |
Nº de matérias |
Número de fontes |
Número de fontes/matéria |
Diversidade
(no de categorias) |
Fontes* mais
freqüentes (%) |
1994 |
63 |
70 |
1,11 |
6 |
Cie (48,57); Gov
(17,14)
Ind (12,86) |
1995 |
77 |
50 |
0,64 |
10 |
Cie (48); Pol
(16);
Ind (10) |
1999 |
293 |
331 |
1,13 |
13 |
Cie (45,32); Gov(17,22);
Ind (9,67); Ong (8,46) |
2000 |
461 |
600 |
1,30 |
13 |
Cie (28,84); Gov
(17,67)
Ind (10,83); Ong (9,17) |
*OBS.: Cie = cientista;
Gov = fontes oficiais; Ong = ONGs, ambientalistas
e ativistas; Ind = indústria; Pol = políticos; Liv
= livro; Merc = mercado
A
FSP fez a cobertura mais ampla sobre os transgênicos. Foi
neste jornal que os cientistas figuraram entre as fontes mais
freqüentes ao longo dos quatro anos analisados, embora seja digno
de nota que em 2000 houve uma redução de sua freqüência relativa.
Quanto ao número de fontes por matéria, seu desempenho foi pior,
no momento inicial, que o de JB, OESP e GZM.
Mas é preciso considerar que o baixo número de fontes pode ser
compensado por abordagens interpretativas. Considerando a diversidade
de fontes, a FSP se assemelha ao JB e à GZM no
ano de 1994. Mas, em 1995, à FSP coube o uso do maior número
de tipos. Em 1999 e 2000 a diversidade utilizada na FSP é igual
à de OESP, e superior à dos outros. No ano 2000, fontes
foram alocadas em todas as categorias possíveis, 13, como em OESP
e GZM. Políticos atingiram sua mais alta freqüência no
noticiário em 1995, quando foi sancionada a lei de regulamentação
da engenharia genética. Mas a politização do debate em 2000 também
se faz notar com uma participação menor de cientistas e um aumento
da freqüência relativa de diversos outros atores sociais, como
as ONGs e ativistas.
Cientistas
figuraram entre as fontes mais freqüentes em 1994 e 1995, mas
perderam importância em 1999 e 2000. Naqueles anos, foi sobre
o eixo científico que a maioria das matérias foi construída. Dentro
dele, tiveram destaque os sub-eixos avanço tecnocientífico, relativo
a novidades em matéria de ciência e tecnologia (novos produtos,
novas técnicas), e tecnocientífico sobre técnicas e produtos
que não são novos; explicações sobre a ciência subjacente a um
produto ou técnica (Medeiros, 2004). No entanto, a cobertura
saiu do eixo científico no segundo momento, quando a cobertura
se ampliou. O ingresso de novos atores sociais no debate deu-se
em detrimento da apresentação dos aspectos científicos
e basilares da questão.
Políticos
despontaram, de modo geral, em 1999 como fontes de importância
crescente. Essa tendência se fortaleceu quando a cobertura nacional
voltou a atingir um pico em 2003. Entre os principais assuntos,
nesse momento, figuraram a decisão sobre o plantio da soja transgênica
e as discussões em torno do projeto de uma nova lei de biossegurança.
Uma análise preliminar mostra que esses assuntos geraram notícias
construídas principalmente sobre os eixos normativo (relativo
a leis e aplicações da lei), econômico ou político. Os mesmos
assuntos se encontram em pauta no ano de 2004, uma vez que a lei
de biossegurança ainda não foi votada no Senado e deverá sofrer
emendas.
Considerações
finais
A
redução no número de cientistas consultados como fontes é condizente
com a diminuição da freqüência com que os organismos transgênicos
foram abordados sobre o eixo científico. Mais uma vez, constata-se
que, na cobertura de temas de ciência e tecnologia, as fontes
contribuem de forma decisiva para moldar o noticiário; no entanto,
deve-se atentar para o fato de que as fontes consultadas resultam
de uma escolha, uma seleção realizada por repórteres e editores
dos jornais. Assim, faz-se necessário reconhecer um papel ativo
dos jornalistas na construção da polêmica sobre os organismos
transgênicos, tal como foi apresentada aos leitores brasileiros.
A
seleção de fontes é parte da construção dos frames interpretativos
pelos jornalistas (Medeiros, 2004). Ao predomínio de cientistas
como fontes em 1994 e 1995, correspondeu uma cobertura centrada
nos aspectos mais técnicos do debate. No segundo momento, juntamente
com a proeminência de fontes oficiais, representantes da indústria
e ONGs, emergiram matérias construídas sobre outros eixos.Com
o deslocamento da discussão para os eixos normativo e econômico,
os cientistas foram superados como fontes pelo conjunto constituído
pelos outros atores do debate. E a noticiabilidade dos transgênicos
se atrelou ao signo da polêmica, conforme ainda se pode constatar
no noticiário.
Para
que a cobertura sobre ciência e tecnologia alcance um patamar
superior de qualidade da informação é preciso que os jornalistas
e suas fontes, num esforço conjunto, procurem explicar melhor
ao público geral a ciência subjacente aos fatos, aos argumentos
em discussão. Os jornalistas devem trabalhar no sentido de ampliar
sua autonomia em relação a suas fontes por exemplo, pela
leitura de artigos de pesquisa originais e a diversidade
delas, bem como sua capacidade de interpretação. E aos cientistas
cabe mostrarem-se disponíveis e se preparem para os encontros
com os jornalistas, deixando a menor margem possível para dúvidas,
separando dados, exemplos, ilustrações, infográficos que facilitem
a compreensão do tema. São cada vez mais comuns os casos de parceria
bem sucedida entre jornalistas e suas fontes, inclusive científicas,
consolidando uma relação que jamais deveria ter assumido outra
forma.
O
desempenho dos jornais quanto a outras variáveis (frames
interpretativos, explicações científicas, tamanho das matérias,
erros etc.) contribuiu para que a qualidade da informação veiculada
ao público geral tenha sido, de modo geral, baixa (Medeiros, 2004).
Com base na leitura das matérias, dificilmente o cidadão médio
não adquiriu informações suficientes para decidir por si sobre
o assunto candente. Pior que isso, a exposição constante do tema
não impediu que, em 2003, uma pesquisa revelasse que 61% da população
brasileira nunca tinham ouvido falar do tema. Esses resultados
em nada desmerecem os brasileiros. O Eurobarômetro, pesquisa de
percepção conduzida anualmente na Europa, igualmente atestou quão
desconhecida é a biotecnologia dos europeus (Gaskell et al., 2003).
Não faltam, entretanto, autores, livros e vozes a advertir contra
o perigo desse desconhecimento, que chega a ameaçar o exercício
da democracia. Parodiando Churchill, pode-se dizer que a ciência
é "coisa muito séria" para ficar somente nas mãos de
cientistas, jornalistas e grupos de interesse.
Notas
(1)
Títulos, frames interpretativos, tamanho e gênero das matérias,
presença/ausência de explicação científica, erros, produção própria
de matérias ou uso de informações provenientes de agências noticiosas
ou outros veículos de mídia.
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Flavia Natercia da Silva Medeiros
Doutora em Comunicação Social, com a tese "Transgênicos:
a qualidade da informação nos jornais brasileiros",
pela Universidade Metodista de São Paulo.Graduada em Ciências
Biológicas e Mestre em Ecologia pela Universidade Estadual
de Campinas. Trabalhou como jornalista em diversos veículos,
como a Superinteressante, a Folha de S.Paulo, a Raça e
a Ciência & Cultura. E-mail: fnatercia@yahoo.com.
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