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Divulgação de saúde na imprensa brasileira: expectativas e ações concretas

Mônica Macedo, Nicolau Maranini, Sônia Camargo, Djalma Paz, Wilson Correa Fonseca e Wilson da Costa Bueno*

      Resumo

      O meios de comunicação de massa, por sua abrangência e penetração junto ao público, podem atuar positivamente como auxiliares da educação em saúde, fortalecendo ações preventivas no campo da saúde pública. Uma análise preliminar da grande imprensa revela, no entanto, que essas expectativas não correspondem ao noticiário, normalmente assistemático e fragmentário.

      Introdução

      Existe, na educação em saúde, uma correlação positiva entre o grau de conhecimento sobre as doenças, seus fatores de risco, formas de prevenção e tratamento e a adoção de hábitos saudáveis, pelo indivíduo e pela comunidade. Embora não se possa dizer que essa correlação seja direta, já que há contradições (1), é amplamente aceita a noção de que indivíduos mais bem informados sobre medicina e saúde estão mais atentos a comportamentos preventivos e têm melhores condições de reagir às doenças. Ao mesmo tempo, os elevados custos de implantação e manutenção dos serviços de saúde, bem como o envelhecimento da população e a incidência de doenças crônicas, justificam a estratégia de ações preventivas.
      Nesse contexto, a divulgação de informações através dos meios de comunicação de massa tem sido reconhecida como fator auxiliar importante, porque mantém os temas em pauta, atingindo um público potencial de milhares de pessoas. No caso da imprensa, por exemplo, é freqüente que as matérias de saúde, quando bem elaboradas, provoquem reações entusiasmadas de leitores que encontram, no texto genérico, respostas para seus problemas pessoais. Beatriz Dornelles ilustra essa reação, citando a carta de uma leitora relativa a uma reportagem sobre "síndrome do pânico", publicada no Caderno Vida, suplemento do jornal Zero Hora: "Quero agradecer enormemente a esse jornal por ter divulgado matéria sobre a doença do pânico. Há mais de dez anos sofro com esse problema, mas até antes de ler a matéria, pensava que era louca. (...) Hoje, depois de tomar conhecimento desse distúrbio, finalmente procurei o profissional correto e já estou em tratamento". (2)
      Reações como essa, no entanto, só são possíveis quando a imprensa agenda temas e desenvolve uma linguagem própria à divulgação de saúde, o que não acontece para a maior parte do noticiário. Uma análise preliminar dos grandes jornais mostra que, apesar de o espaço dedicado à saúde ser relativamente extenso, os textos freqüentemente são muito formais ou teóricos, raramente apelando para o humor e para a análise de experiências concretas. Apenas nos cadernos especiais, nota-se maior preocupação em desenvolver temas de saúde pública e prevenção. Alguns pesquisadores identificam na cobertura de saúde, informações fragmentadas e reprodutoras de estereótipos. Segundo Wilson Bueno, "podemos definir a prática brasileira de comunicação para a saúde a partir de uma série de parâmetros como a descontextualização, a centralização do foco na doença, a visão preconceituosa das terapias e medicinas alternativas, a ideologia da tecnificação, a legitimação do discurso da competência e a espetacularização da cobertura na área médica, entre outros". (3)

      Conhecimentos diversos

      Divulgar e colaborar com a educação em saúde é uma tarefa mais sutil do que pode parecer à primeira vista. Simplesmente bombardear os leitores com informações não implica na possibilidade de provocar mudanças de comportamento. Normalmente, os leitores reagem com enfado ao tom excessivamente didático de algumas matérias de saúde e com desdém ao sensacionalismo de outras.
      Um estudo feito na Dinamarca (4)  mostra que os indivíduos constróem e aplicam diferentes tipos de conhecimento em seu cotidiano. Os pesquisadores entrevistaram cerca de 500 homens (5), na faixa dos 40 anos, para avaliar a extensão de seu conhecimento sobre doenças do coração e como este interferia em suas vidas. Verificaram que, apesar da atitude normalmente negativa e defensiva em relação à educação em saúde, a maior parte deles possuía ampla informação sobre doenças cardíacas (suas causas, prevenção, etc). Contudo, essa informação apenas muito devagar e gradualmente era acionada nos hábitos do dia-a-dia.
      Os tipos de conhecimento foram identificados da seguinte forma:
a) conhecimento teórico: vem de fontes externas e é altamente cognitivo, mas não sugere nenhuma ação concreta;
b) conhecimento aplicado: também vem de fontes externas, é cognitivo, mas dá sugestões específicas de ação;
c) conhecimento experimental: é a racionalização de experiências significativas, pessoais ou de outros;
d) conhecimento intuitivo: entendido como uma avaliação afetiva sobre uma base prévia de experiências pessoais e informação cognitiva. Em geral, o conhecimento teórico e aplicado é adquirido e estocado pelo indivíduo, como se fosse parte de sua "bagagem cultural". Só é levado em consideração quando espelhado em experiência pessoais. Ou seja, não que o conhecimento teórico e aplicado seja reconhecido como inútil pelas pessoas, mas os conhecimentos de base afetiva podem sensibilizar mais do que consideram os educadores e comunicadores de saúde, normalmente preocupados em elaborar campanhas e reportagens que levem à população o maior número de informações possível.
      "A divulgação em saúde cumpre uma função indireta na mudança dos hábitos de vida, mantendo o conhecimento já adquirido e provendo novas informações. Quando os assuntos de saúde são colocados em pauta, como resultado de uma discussão ou experiências pessoais, esse conhecimento ajuda a formar o modo de reação dos indivíduos às situações que têm de enfrentar ao longo da vida. (...) Por causa do peso que tem o conhecimento experimental nas tomadas de decisão pessoais, é particularmente importante, para a prevenção, mostrar o conhecimento teórico sobre o que é saudável e o que não é relacionando-o a experiências individuais. Isto significa que a informação veiculada através dos meios de comunicação de massa não inicia o processo cognitivo, mas serve como uma fonte a mais no input de base afetiva". (6)
      No Brasil, onde provavelmente o grau de conhecimento de base teórica sobre fatores de risco de doenças é muito menor do que na Dinamarca, os efeitos das mensagens de massa podem ser ainda menos profundos ou imediatos sobre o comportamento do público. A cobertura da mídia certamente não substitui ações (mais duradouras) como a educação formal. Entretanto, os textos podem ser trabalhados de maneira a fornecer conhecimentos aplicados e concretos, dirigidos a ações de combate a doenças endêmicas e prevenção, como higiene corporal, hábitos alimentares, prática de exercícios, e outros.
      Existe um limite sutil, dizem os pesquisadores dinamarqueses, entre levar o público à exaustão com infindáveis publicidades ou campanhas e manter a saúde na pauta de discussões. "Ninguém se importa (com as doenças), até que começa a ouvir alguma coisa sobre o assunto. É como a AIDS. Em um dado momento o tema é o que há de mais importante. Em outro é como se fosse algo ‘normal’. Quando não se fala na doença as pessoas não a levam sério. Pensam que tudo ficará bem. Se as informações são constantes, então todos começam a pensar no assunto".

      Levantamento nos jornais brasileiros

      Para examinar a prática da divulgação de saúde na imprensa brasileira foram selecionados sete jornais de abrangência nacional e regional: Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, Folha da Tarde, Jornal da Tarde e Notícias Populares. Durante uma semana, de 22 a 28 de setembro de 1996, coletou-se todas as matérias sobre saúde, para analisar as seguintes categorias: assuntos tratados nas matérias, fontes explícitas, procedência geográfica dos fatos (lugar de referência), gêneros jornalísticos e destaque da matéria no jornal. Também foram analisadas, para efeito de comparação, as versões on line de dois jornais: Jornal do Brasil e Estado de S. Paulo.
      Os sete jornais escolhidos podem ser considerados representativos dos padrões de jornalismo predominantes na grande imprensa brasileira atual. Quatro deles, Folha, Estado, O Globo e Jornal do Brasil são os de maior circulação nacional. A Folha chega a atingir a tiragem de 1 milhão de exemplares aos domingos. São, portanto, os mais lidos e de maior influência na formação de opinião. Ao mesmo tempo, esses jornais têm sede no eixo Rio-São Paulo, o mais desenvolvido do país, que emprega grande parte da mão-de-obra e concentra o maior nível de consumo. Seu modelo editorial muitas vezes acaba sendo "exportado" para outros jornais. De maneira geral, guardadas algumas diferenças que possam aparecer em relação às pautas regionais de saúde, a cobertura dos sete jornais selecionados se presta a algumas generalizações, tal como pretendemos nesse levantamento.

      Temas

      Foram identificados 11 temas no noticiário sobre saúde. A "AIDS", que por suas proporções e gravidade tem sido um assunto recorrente, apareceu em 11% das matérias, junto com "técnicas e processos", que se refere a novos tratamentos, exames laboratoriais para detectar doenças e outros. De forma geral, os temas variam bastante, sem que se possa notar a hegemonia de qualquer um deles. A saúde pública, ao contrário do que normalmente se avalia na cobertura dos jornais, foi a mais citada, com 15% de incidência. É bom notar, contudo, que em geral os temas de saúde pública são abordados de forma negativa. São matérias sobre a falta de vacinas ou os custos muito altos de novas vacinas, para os países subdesenvolvidos, a desnutrição e as epidemias. Quando se fala de soluções para os problemas de saúde, muitas vezes é para valorizar iniciativas assistencialistas, sem levar em conta ações estruturais.

Tabela 1
Temas das matérias sobre Saúde

TEMA  JORNAL
  NP FT JT Folha Estado Globo JB Tot %
Curiosidades 1   2 1   2   6 4
Sexo 1       1   2 4 3
Técnicas/processos 1 1 3 5 3 4 0 17 11
Cuidado com o corpo   1 1     1 1 4 3
Saúde pública   5 6 6 3 3 1 24 15
Fumo   2 1 4   1 3 11 7
Aids   1 4 3 5 3 1 17 11
Câncer     1   2 6 3 12 8
Educação médica   1       1   2 1
Equipamentos   1 1   1     3 2
Estatísticas             1 1 1
Drogas     1 3     2 6 4
Produtos/Medicamentos     3 1 5 2 3 14 9
Medicina alternativa     1 1       2 1
Genética     2       2 4 3
Serviços     1   2     3 2
Cardiologia     1 3 1 5   10 6
Evento       1 1     2 1
Literatura       3       3 2
Diversos   1 2 7 2   2 14 9
TOTAL 3 13 30 38 26 28 21 159 100

 Fontes

      As fontes oficiais (órgãos do governo, universidades e institutos de pesquisa) e especialistas são predominantes na cobertura de saúde, totalizando 58% de incidência e mostrando que o jornalismo costuma legitimar o saber dito competente, minimizando o conhecimento de fontes de informação menos prestigiadas como correntes da medicina alternativa e o público leigo.
      Neste levantamento, as fontes leigas são citadas em 11% dos casos, o que não é pouco se comparado com as sociedades científicas e os hospitais. O contexto em que aparecem geralmente é das reportagens mais extensas, em suplementos especiais de saúde, como o "Caderno Mulher" do Estado de S. Paulo da semana analisada. Nesses casos, o texto reflete aspectos desejáveis da informação em saúde como a inclusão de experiências pessoais e depoimentos. Nos outros cadernos, contudo, os textos costumam ser mais curtos e cada notícia faz referência a uma ou duas fontes de informação, geralmente médicos e responsáveis por órgãos de saúde.
      As empresas privadas, ao contrário do que se esperava, não apareceram tanto como fonte de informação. Apenas em 2% dos casos. Não se pode deixar de mencionar, contudo, que os produtos e medicamentos dos grandes laboratórios são mencionados em grande parte das reportagens sobre doenças, com valorização de abordagens curativas.

       Procedência

      A imprensa tem valorizado a cobertura nacional de saúde, dando maior equilíbrio entre as referências nacionais (49%) e internacionais (43%). Em relação ao conteúdo de ambas é que se pode verificar certa discrepância. Embora o dado não esteja quantificado, a leitura das matérias mostrou que quando se trata de divulgar pesquisas científicas e desenvolvimentos da medicina, em geral, são citadas universidades e centros de pesquisa estrangeiros (de países desenvolvidos). No caso das matérias nacionais, muitas delas são sobre fatos ligados a aspectos do subdesenvolvimento, como desnutrição, epidemias, precariedade dos serviços de saúde. Mas estão também muito ligadas a temas concretos do cotidiano como poluição ambiental nos grandes centros, doenças sazonais e outras, caracterizando-se, muitas vezes, por um jornalismo de serviços.

      Destaque

      Esta categoria foi incluída com o objetivo de observar a importância atribuída à saúde relativamente a outros temas no jornal. Apenas duas vezes (7% dos casos) o assunto foi manchete do jornal. Ambas no Notícias Populares, jornal que valoriza o noticiário policial, de tom sensacionalista.

      Jornalismo on line

      Inicialmente relutantes em adaptar suas notícias ao formato eletrônico, vários jornais já possuem suas home pages na Internet. Através da rede, o leitor pode acessar a versão eletrônica do jornal diariamente e, em geral, também consultar edições anteriores. As empresas não demoraram a perceber a importância dessa tecnologia para o jornalismo. No caso brasileiro, a grande imprensa já faz investimentos maciços em suas versões on line, comprando novas linhas telefônicas e equipamentos de última geração (que melhore o acesso de seus usuários), contratando pessoal especializado e criando serviços exclusivos, via rede. O jornalismo on line é uma modalidade que vem crescendo e se modificando a cada dia, atingindo públicos maiores.
      No caso dos dois jornais pesquisados, Jornal do Brasil e Estado de SP, o primeiro é pioneiro na Internet no Brasil e o segundo está no lado oposto - à época, fazia investimentos mais modestos, não sendo muito conhecido pelo serviço on line. O serviço mais ágil do Estado de S. Paulo é oferecido pela Agência Estado, que traz notícias e fotos a toda hora. O JB também tem a Agência JB, que, da mesma forma, funciona acoplada ao jornal.

      Hipertextos

      Uma das principais características da informação on line é o chamado hipertexto, uma estrutura de construção pela qual palavras-chave (ou imagens) servem como porta de acesso a outros textos. Isto torna o texto inicial potencialmente infinito e reforça a idéia de intertextualidade. O hipertexto pode, inclusive, vir a introduzir um novo gênero jornalístico, a partir das mudanças na hierarquia das informações que é pensada e realizada diferentemente do meio impresso.
      O hipertexto coloca em questão também os padrões de redação jornalística até então utilizados. Em geral, o leitor da Internet não está interessado em ver, passo a passo, a íntegra das matérias do jornal do dia. Ele quer achar uma "visão geral" da edição e os links (âncoras) necessários caso queira informar-se mais sobre o assunto.
      A interação texto-imagem-som também introduz modificações significativas. O ícone já se consagrou como uma interface das mais amigáveis com o computador. Com o avanço da tecnologia, será cada vez mais necessário que o usuário leigo seja capaz de usar um aparato sofisticado sem grandes conhecimentos em informática. A questão da interatividade deverá ser pensada, diante das possibilidades de composição que se oferecem.

      Jornal do Brasil - versão on line e versão impressa

      A versão on line do Jornal do Brasil é praticamente idêntica à versão impressa, no que concerne o conteúdo. As matérias aparecem na íntegra, apesar de nem todas as notícias impressas irem para a edição eletrônica. As editorias também são as mesmas, apesar de não aparecerem na mesma ordem.
      No JB, as matérias sobre saúde estão concentradas na editoria de ciência. O jornal é mais tradicional em relação ao assunto e divide as matérias em seções mais precisas. Também é preciso dizer que o noticiário é idêntico ao da versão impressa, sem contudo se fazer acompanhar das respectivas fotos.
      Na semana pesquisada, a única matéria de saúde do JB que aparecia na versão on line, mas não na impressa, era a que se entitulava "Sexo preocupa brasileiro". Tratava-se da cobertura de uma sessão de bate-papo on line entre uma psicóloga contratada pelo jornal e os leitores. O bate-papo é um "acontecimento" anunciado com antecedência pelo jornal nas suas edições on line, em que alguém (do jornal) fica disponível em um canal, que, no dia e hora marcados, é acessado pelos leitores através da própria home page e estes podem trocar informações em tempo real com o interlocutor e entre si, como se estivessem em uma sala de debates.
      Muitas matérias são feitas por uma única correspondente (Roselena Nicolau), que fica em Belo Horizonte, embora haja também matérias de agências internacionais. A impressão é de que uma boa parte das reportagens é fria, como se não houvesse uma equipe permanente dedicada à cobertura de assuntos de saúde. De quatro matérias, pelo menos três, foram levantadas no mesmo local e praticamente com as mesmas fontes, como no caso do Congresso da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, realizado em Belo Horizonte. Pelo menos três dias da semana apresentaram matérias cujo tema era semelhante e as fontes sempre membros das sociedades médicas, ou especialistas presentes ao Congresso. De forma geral, prevalece a palavra dos especialistas como fonte de informação da notícia.

      Estado de São Paulo - versão on line e versão impressa

      O Estado de S. Paulo apresentou uma versão on line significativamente reduzida em relação a sua versão impressa. Em compensação muitas matérias podem ser facilmente acessadas através da Agência Estado e há também alguns suplementos especiais, com reportagens extensas e bastante completas.
      É nesse setor que a cobertura de saúde do Estado de S. Paulo se destacou. O "Caderno Mulher" trazia, no dia 22 de setembro, três matérias: uma sobre problemas do sono, outra sobre alergias respiratórias e outra sobre obesidade. Cada uma conta com várias matérias de apoio e um glossário com os termos mais técnicos.

      Temas

      Nos dois jornais apareceram 14 temas ao longo da semana. Quase todos correspondem aos dos jornais impressos, pois as edições são as mesmas, exceto pelas matérias do "bate-papo", no JB. A menor quantidade de temas no Estado de S. Paulo (12 matérias por oposição às 17 do JB) não representa necessariamente uma menor cobertura da área de saúde, pois, em geral, as matérias recebem um tratamento mais detalhista, sendo acompanhadas por textos de apoio, vocabulários, pesquisas, etc.
      O único assunto que apresentou certa predominância foi "medicamentos", que aparece cinco vezes no JB e uma vez no Estado de S. Paulo. Com freqüência, a cura é o foco da notícia, referindo-se a medicamentos e à busca de uma espécie de cura "fácil", por remédios que eliminem a necessidade de um tratamento prolongado e disciplinado, com restrições para o paciente.

      Fontes

      O tratamento mais detalhista verificado em algumas matérias do Estado de S. Paulo está refletido também nas fontes. O número de leigos ouvidos é o que chama mais atenção: 11 por oposição a dois no JB. Mas mesmo de forma geral, o Estado de S. Paulo recorre a mais fontes do que o JB, o que certamente está ligado ao fato de uma única repórter ser responsável por quase todas as matérias de saúde no Jornal do Brasil. Seu tempo disponível para ouvir fontes distintas, em vários lugares, provavelmente é mais reduzido que o dos repórteres da cobertura do Estado de S. Paulo.
      Entretanto, é preciso notar novamente que as matérias mais detalhistas do Estado de S. Paulo são sobretudo as do caderno especial. As da edição diária acompanham o padrão do JB. Neste último, o texto é rigorosamente igual ao do impresso, com o detalhe de que as fotos não estavam disponíveis na versão on line. Os textos da editoria de ciência são finais, ou seja, em nenhum deles foram encontrados links para outros sites de ciência ou para textos complementares.

      Gêneros

      A reportagem é, sem dúvida, o gênero predominante - doze (100%) no Estado de S. Paulo e onze (64%) no JB. As matérias, em geral, não são muito extensas e trazem essencialmente informações consideradas novidades sobre os assuntos. Contudo, nota-se no texto o trabalho da entrevista, da busca de significação de alguns conceitos e uma pincelada de pesquisa histórica sobre o tema. Em geral, é como se a reportagem assumisse o formato da notícia, embora mantenha características típicas da reportagem como as acima mencionadas.

      Procedência

      As notícias nacionais assumiram equivalência com as internacionais. Ao todo, nos dois jornais, há dez matérias de procedência internacional e 16 nacionais.

      Conclusões

      De forma geral, a cobertura de saúde na imprensa apresenta um gancho importante com fatos da atualidade, o que certamente ajuda a despertar maior interesse entre os leitores, pois os assuntos se aproximam do cotidiano. Entretanto, verifica-se que os temas só recebem tratamento mais detalhado, com fontes diversas e menção a casos de exemplo nos cadernos especiais, publicados apenas esporadicamente, quiçá em uma só edição. As matérias do noticiário geral são curtas, têm poucas (muitas vezes só uma) fontes de informação e, quando se trata de divulgar estudos científicos, geralmente fazem referência a pesquisas internacionais, explorando pouco suas repercussões no contexto nacional, como é o caso das notícias "Gene alterado é proteção contra a AIDS" e "Jovem fumante tem pulmões mais fracos" (Jornal do Brasil, 27 de setembro). Algumas matérias, ainda, apelam claramente para um sensacionalismo disfarçado de modernidade científica, como é o caso da entrevista com o médico que faz operações para aumentar o tamanho do pênis.
      Ao ouvir depoimentos de jornalistas, verifica-se que existe ainda na mídia um amadorismo muito grande no que diz respeito à elaboração de pautas e realização de reportagens em saúde. Diz Dornelles, "para os médicos, qualquer tema deve ser divulgado e as pessoas precisam tomar conhecimento deles para poderem atuar frente aos problemas. Já os jornalistas, (...) fazem ressalva a alguns temas, sob o argumento de que o leitor não gosta de ler assuntos pesados e isso pode provocar o desprestígio do suplemento, além de não vender jornal. Esses jornalistas avaliam a reação do público com base em suas características e gostos pessoais". (7)
      A imprensa pode provocar, indiretamente, mudanças nos comportamentos individuais e sociais, mas ela sozinha não é suficiente à educação para saúde. Mesmo assim, seu papel é importante para manter viva a memória das pessoas sobre assuntos de saúde e tornar aplicáveis os conhecimentos teóricos adquiridos por outros meios. Para isso, os jornalistas precisam estar atentos às pesquisas sobre comunicação e saúde, para que as matérias desenvolvam pautas e linguagens acessíveis ao público, e trabalhar em maior cooperação com os médicos e cientistas.

      Referências bibliográficas

(1) As campanhas contra o cigarro são o melhor exemplo. Já existem provas suficientes de que o cigarro faz mal à saúde e cobertura ostensiva dos meios de comunicação sobre o assunto. Mesmo assim, muitos continuam fumando e a indústria do tabaco segue sendo uma das maiores do mundo.

(2) DORNELLES, Beatriz. "Saúde na imprensa: mudança social possível", Comunicarte, vol. 12, no 20, p. 21-33, Campinas, Puccamp, 1995/1996.

(3) BUENO, Wilson da Costa. Comunicação para a saúde: uma experiência brasileira, São Paulo, Plêiade, Amparo, Unimed/Amparo, 1996, p. 15.

(4) MEILLIER, LUND & GERDES. "The backpack function of Health Education: use of knowledge types concerning prevention of coronary heart disease", Science Communication, vol. 18, no 3, march/1997. London, Sage Periodicals Press, 1997.

(5) 477 responderam a um questionário fechado e 21 participaram de entrevistas qualitativas.

(6) MEILLIER, LUND & GERDES. op. cit., p.235.

(7) DORNELLES. op. cit., p.32.

      Bibliografia

DORNELLES, Beatriz. "Saúde na imprensa: mudança social possível", Comunicarte, vol. 12, no 20, p. 21-33, Campinas, Puccamp, 1995/1996.

BUENO, Wilson da Costa. Comunicação para a saúde: uma experiência brasileira, São Paulo, Plêiade, Amparo, Unimed/Amparo, 1996, p. 15.

MEILLIER, LUND & GERDES. "The backpack function of Health Education: use of knowledge types concerning prevention of coronary heart disease", Science Communication, vol. 18, no 3, march/1997. London, Sage Periodicals Press, 1997.

WERNER, David. Onde não há médico. Coleção Saúde e Comunidade, São Paulo, Paulus, 1994, (tradução do inglês Where there is no doctor).

BURKETT, D. Warren. Writing science news for the mass media. Houston, Gulf Publishing Co., 1965.

"Internet ajuda vítima de doenças graves", Diário do Povo, 2/6/96, seção Internacional, p.13.

LOPES, Boanerges & NASCIMENTO, Josias (orgs.). Saúde & Imprensa - o público que se dane!. Rio de Janeiro, Mauad, 1996.

O que o brasileiro pensa da Ciência e da Tecnologia? - a imagem da ciência e da tecnologia junto à população urbana brasileira, pesquisa realizada pelo Instituto Gallup, MCT/CNPq/Museu de Astronomia e Ciências Afins, 1987.

SABBATINI, Renato. "Aplicações na Internet em Medicina e Saúde". Informédica [online], no 3 (15), 5 november 1995 [cited 5 december 96]. Available from Internet: <URL: http://www.unicamp.br/NIB/informe/intern1.htm>

FAYARD, P. La ecommunication scientifique publique. Lyon, Chronique Sociale, 1988.

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OBS: Relatório de pesquisa realizado no programa de pós-graduação em Comunicação Social da UMESP, coordenada pelo prof. dr. Wilson da Costa Bueno, na disciplina Jornalismo Científico

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*Mônica Macedo é jornalista, mestre e doutoranda em Comunicação Social pela UMESP.
*Wilson da Costa Bueno, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP

 
 
 
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