Mônica Macedo, Nicolau Maranini, Sônia Camargo, Djalma Paz, Wilson Correa Fonseca e Wilson da Costa Bueno*
Resumo
O meios de comunicação de massa, por sua abrangência e penetração junto ao
público, podem atuar positivamente como auxiliares da educação em saúde, fortalecendo
ações preventivas no campo da saúde pública. Uma análise preliminar da grande
imprensa revela, no entanto, que essas expectativas não correspondem ao noticiário,
normalmente assistemático e fragmentário.
Introdução
Existe, na educação em saúde, uma correlação
positiva entre o grau de conhecimento sobre as doenças, seus fatores de risco,
formas de prevenção e tratamento e a adoção de hábitos saudáveis, pelo indivíduo
e pela comunidade. Embora não se possa dizer que essa correlação seja direta,
já que há contradições (1), é amplamente aceita a noção de que indivíduos mais
bem informados sobre medicina e saúde estão mais atentos a comportamentos preventivos
e têm melhores condições de reagir às doenças. Ao mesmo tempo, os elevados custos
de implantação e manutenção dos serviços de saúde, bem como o envelhecimento
da população e a incidência de doenças crônicas, justificam a estratégia de
ações preventivas.
Nesse contexto, a divulgação de informações
através dos meios de comunicação de massa tem sido reconhecida como fator auxiliar
importante, porque mantém os temas em pauta, atingindo um público potencial
de milhares de pessoas. No caso da imprensa, por exemplo, é freqüente que as
matérias de saúde, quando bem elaboradas, provoquem reações entusiasmadas de
leitores que encontram, no texto genérico, respostas para seus problemas pessoais.
Beatriz Dornelles ilustra essa reação, citando a carta de uma leitora relativa
a uma reportagem sobre "síndrome do pânico", publicada no Caderno
Vida, suplemento do jornal Zero Hora: "Quero agradecer enormemente
a esse jornal por ter divulgado matéria sobre a doença do pânico. Há mais de
dez anos sofro com esse problema, mas até antes de ler a matéria, pensava que
era louca. (...) Hoje, depois de tomar conhecimento desse distúrbio, finalmente
procurei o profissional correto e já estou em tratamento". (2)
Reações como essa, no entanto, só são possíveis
quando a imprensa agenda temas e desenvolve uma linguagem própria à divulgação
de saúde, o que não acontece para a maior parte do noticiário. Uma análise preliminar
dos grandes jornais mostra que, apesar de o espaço dedicado à saúde ser relativamente
extenso, os textos freqüentemente são muito formais ou teóricos, raramente apelando
para o humor e para a análise de experiências concretas. Apenas nos cadernos
especiais, nota-se maior preocupação em desenvolver temas de saúde pública e
prevenção. Alguns pesquisadores identificam na cobertura de saúde, informações
fragmentadas e reprodutoras de estereótipos. Segundo Wilson Bueno, "podemos
definir a prática brasileira de comunicação para a saúde a partir de uma série
de parâmetros como a descontextualização, a centralização do foco na doença,
a visão preconceituosa das terapias e medicinas alternativas, a ideologia da
tecnificação, a legitimação do discurso da competência e a espetacularização
da cobertura na área médica, entre outros". (3)
Conhecimentos diversos
Divulgar e colaborar com a educação em
saúde é uma tarefa mais sutil do que pode parecer à primeira vista. Simplesmente
bombardear os leitores com informações não implica na possibilidade de provocar
mudanças de comportamento. Normalmente, os leitores reagem com enfado ao tom
excessivamente didático de algumas matérias de saúde e com desdém ao sensacionalismo
de outras.
Um estudo feito na Dinamarca (4) mostra
que os indivíduos constróem e aplicam diferentes tipos de conhecimento em seu
cotidiano. Os pesquisadores entrevistaram cerca de 500 homens (5), na faixa
dos 40 anos, para avaliar a extensão de seu conhecimento sobre doenças do coração
e como este interferia em suas vidas. Verificaram que, apesar da atitude normalmente
negativa e defensiva em relação à educação em saúde, a maior parte deles possuía
ampla informação sobre doenças cardíacas (suas causas, prevenção, etc). Contudo,
essa informação apenas muito devagar e gradualmente era acionada nos hábitos
do dia-a-dia.
Os tipos de conhecimento foram identificados
da seguinte forma:
a) conhecimento teórico: vem de fontes externas e é altamente cognitivo,
mas não sugere nenhuma ação concreta;
b) conhecimento aplicado: também vem de fontes externas, é cognitivo,
mas dá sugestões específicas de ação;
c) conhecimento experimental: é a racionalização de experiências significativas,
pessoais ou de outros;
d) conhecimento intuitivo: entendido como uma avaliação afetiva sobre
uma base prévia de experiências pessoais e informação cognitiva. Em geral, o
conhecimento teórico e aplicado é adquirido e estocado pelo indivíduo, como
se fosse parte de sua "bagagem cultural". Só é levado em consideração
quando espelhado em experiência pessoais. Ou seja, não que o conhecimento teórico
e aplicado seja reconhecido como inútil pelas pessoas, mas os conhecimentos
de base afetiva podem sensibilizar mais do que consideram os educadores e comunicadores
de saúde, normalmente preocupados em elaborar campanhas e reportagens que levem
à população o maior número de informações possível.
"A divulgação em saúde cumpre uma função
indireta na mudança dos hábitos de vida, mantendo o conhecimento já adquirido
e provendo novas informações. Quando os assuntos de saúde são colocados em pauta,
como resultado de uma discussão ou experiências pessoais, esse conhecimento
ajuda a formar o modo de reação dos indivíduos às situações que têm de enfrentar
ao longo da vida. (...) Por causa do peso que tem o conhecimento experimental
nas tomadas de decisão pessoais, é particularmente importante, para a prevenção,
mostrar o conhecimento teórico sobre o que é saudável e o que não é relacionando-o
a experiências individuais. Isto significa que a informação veiculada através
dos meios de comunicação de massa não inicia o processo cognitivo, mas serve
como uma fonte a mais no input de base afetiva". (6)
No Brasil, onde provavelmente o grau de
conhecimento de base teórica sobre fatores de risco de doenças é muito menor
do que na Dinamarca, os efeitos das mensagens de massa podem ser ainda menos
profundos ou imediatos sobre o comportamento do público. A cobertura da mídia
certamente não substitui ações (mais duradouras) como a educação formal. Entretanto,
os textos podem ser trabalhados de maneira a fornecer conhecimentos aplicados
e concretos, dirigidos a ações de combate a doenças endêmicas e prevenção, como
higiene corporal, hábitos alimentares, prática de exercícios, e outros.
Existe um limite sutil, dizem os pesquisadores
dinamarqueses, entre levar o público à exaustão com infindáveis publicidades
ou campanhas e manter a saúde na pauta de discussões. "Ninguém se importa
(com as doenças), até que começa a ouvir alguma coisa sobre o assunto. É como
a AIDS. Em um dado momento o tema é o que há de mais importante. Em outro é
como se fosse algo normal. Quando não se fala na doença as pessoas
não a levam sério. Pensam que tudo ficará bem. Se as informações são constantes,
então todos começam a pensar no assunto".
Levantamento nos jornais brasileiros
Para examinar a prática da divulgação
de saúde na imprensa brasileira foram selecionados sete jornais de abrangência
nacional e regional: Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Jornal
do Brasil, O Globo, Folha da Tarde, Jornal da Tarde
e Notícias Populares. Durante uma semana, de 22 a 28 de setembro de 1996,
coletou-se todas as matérias sobre saúde, para analisar as seguintes categorias:
assuntos tratados nas matérias, fontes explícitas, procedência geográfica dos
fatos (lugar de referência), gêneros jornalísticos e destaque da matéria no
jornal. Também foram analisadas, para efeito de comparação, as versões on
line de dois jornais: Jornal do Brasil e Estado de S. Paulo.
Os sete jornais escolhidos podem ser considerados
representativos dos padrões de jornalismo predominantes na grande imprensa brasileira
atual. Quatro deles, Folha, Estado, O Globo e Jornal
do Brasil são os de maior circulação nacional. A Folha chega a atingir
a tiragem de 1 milhão de exemplares aos domingos. São, portanto, os mais lidos
e de maior influência na formação de opinião. Ao mesmo tempo, esses jornais
têm sede no eixo Rio-São Paulo, o mais desenvolvido do país, que emprega grande
parte da mão-de-obra e concentra o maior nível de consumo. Seu modelo editorial
muitas vezes acaba sendo "exportado" para outros jornais. De maneira
geral, guardadas algumas diferenças que possam aparecer em relação às pautas
regionais de saúde, a cobertura dos sete jornais selecionados se presta a algumas
generalizações, tal como pretendemos nesse levantamento.
Temas
Foram identificados 11 temas no noticiário
sobre saúde. A "AIDS", que por suas proporções e gravidade tem sido
um assunto recorrente, apareceu em 11% das matérias, junto com "técnicas
e processos", que se refere a novos tratamentos, exames laboratoriais para
detectar doenças e outros. De forma geral, os temas variam bastante, sem que
se possa notar a hegemonia de qualquer um deles. A saúde pública, ao contrário
do que normalmente se avalia na cobertura dos jornais, foi a mais citada, com
15% de incidência. É bom notar, contudo, que em geral os temas de saúde pública
são abordados de forma negativa. São matérias sobre a falta de vacinas ou os
custos muito altos de novas vacinas, para os países subdesenvolvidos, a desnutrição
e as epidemias. Quando se fala de soluções para os problemas de saúde, muitas
vezes é para valorizar iniciativas assistencialistas, sem levar em conta ações
estruturais.
Tabela 1
Temas das matérias sobre Saúde
TEMA | JORNAL |
| NP | FT | JT | Folha | Estado | Globo | JB | Tot | % |
Curiosidades | 1 | | 2 | 1 | | 2 | | 6 | 4 |
Sexo | 1 | | | | 1 | | 2 | 4 | 3 |
Técnicas/processos | 1 | 1 | 3 | 5 | 3 | 4 | 0 | 17 | 11 |
Cuidado com o corpo | | 1 | 1 | | | 1 | 1 | 4 | 3 |
Saúde pública | | 5 | 6 | 6 | 3 | 3 | 1 | 24 | 15 |
Fumo | | 2 | 1 | 4 | | 1 | 3 | 11 | 7 |
Aids | | 1 | 4 | 3 | 5 | 3 | 1 | 17 | 11 |
Câncer | | | 1 | | 2 | 6 | 3 | 12 | 8 |
Educação médica | | 1 | | | | 1 | | 2 | 1 |
Equipamentos | | 1 | 1 | | 1 | | | 3 | 2 |
Estatísticas | | | | | | | 1 | 1 | 1 |
Drogas | | | 1 | 3 | | | 2 | 6 | 4 |
Produtos/Medicamentos | | | 3 | 1 | 5 | 2 | 3 | 14 | 9 |
Medicina alternativa | | | 1 | 1 | | | | 2 | 1 |
Genética | | | 2 | | | | 2 | 4 | 3 |
Serviços | | | 1 | | 2 | | | 3 | 2 |
Cardiologia | | | 1 | 3 | 1 | 5 | | 10 | 6 |
Evento | | | | 1 | 1 | | | 2 | 1 |
Literatura | | | | 3 | | | | 3 | 2 |
Diversos | | 1 | 2 | 7 | 2 | | 2 | 14 | 9 |
TOTAL | 3 | 13 | 30 | 38 | 26 | 28 | 21 | 159 | 100 |
Fontes
As fontes oficiais (órgãos do governo,
universidades e institutos de pesquisa) e especialistas são predominantes na
cobertura de saúde, totalizando 58% de incidência e mostrando que o jornalismo
costuma legitimar o saber dito competente, minimizando o conhecimento de fontes
de informação menos prestigiadas como correntes da medicina alternativa e o
público leigo.
Neste levantamento, as fontes leigas são
citadas em 11% dos casos, o que não é pouco se comparado com as sociedades científicas
e os hospitais. O contexto em que aparecem geralmente é das reportagens mais
extensas, em suplementos especiais de saúde, como o "Caderno Mulher"
do Estado de S. Paulo da semana analisada. Nesses casos, o texto reflete
aspectos desejáveis da informação em saúde como a inclusão de experiências pessoais
e depoimentos. Nos outros cadernos, contudo, os textos costumam ser mais curtos
e cada notícia faz referência a uma ou duas fontes de informação, geralmente
médicos e responsáveis por órgãos de saúde.
As empresas privadas, ao contrário do que
se esperava, não apareceram tanto como fonte de informação. Apenas em 2% dos
casos. Não se pode deixar de mencionar, contudo, que os produtos e medicamentos
dos grandes laboratórios são mencionados em grande parte das reportagens sobre
doenças, com valorização de abordagens curativas.
Procedência
A imprensa tem valorizado a cobertura
nacional de saúde, dando maior equilíbrio entre as referências nacionais (49%)
e internacionais (43%). Em relação ao conteúdo de ambas é que se pode verificar
certa discrepância. Embora o dado não esteja quantificado, a leitura das matérias
mostrou que quando se trata de divulgar pesquisas científicas e desenvolvimentos
da medicina, em geral, são citadas universidades e centros de pesquisa estrangeiros
(de países desenvolvidos). No caso das matérias nacionais, muitas delas são
sobre fatos ligados a aspectos do subdesenvolvimento, como desnutrição, epidemias,
precariedade dos serviços de saúde. Mas estão também muito ligadas a temas concretos
do cotidiano como poluição ambiental nos grandes centros, doenças sazonais e
outras, caracterizando-se, muitas vezes, por um jornalismo de serviços.
Destaque
Esta categoria foi incluída com o objetivo
de observar a importância atribuída à saúde relativamente a outros temas no
jornal. Apenas duas vezes (7% dos casos) o assunto foi manchete do jornal. Ambas
no Notícias Populares, jornal que valoriza o noticiário policial, de
tom sensacionalista.
Jornalismo on line
Inicialmente relutantes em adaptar suas
notícias ao formato eletrônico, vários jornais já possuem suas home pages
na Internet. Através da rede, o leitor pode acessar a versão eletrônica do jornal
diariamente e, em geral, também consultar edições anteriores. As empresas não
demoraram a perceber a importância dessa tecnologia para o jornalismo. No caso
brasileiro, a grande imprensa já faz investimentos maciços em suas versões on
line, comprando novas linhas telefônicas e equipamentos de última geração
(que melhore o acesso de seus usuários), contratando pessoal especializado e
criando serviços exclusivos, via rede. O jornalismo on line é uma modalidade
que vem crescendo e se modificando a cada dia, atingindo públicos maiores.
No caso dos dois jornais pesquisados, Jornal
do Brasil e Estado de SP, o primeiro é pioneiro na Internet no Brasil
e o segundo está no lado oposto - à época, fazia investimentos mais modestos,
não sendo muito conhecido pelo serviço on line. O serviço mais ágil do
Estado de S. Paulo é oferecido pela Agência Estado, que traz notícias
e fotos a toda hora. O JB também tem a Agência JB, que, da mesma
forma, funciona acoplada ao jornal.
Hipertextos
Uma das principais características da
informação on line é o chamado hipertexto, uma estrutura de construção
pela qual palavras-chave (ou imagens) servem como porta de acesso a outros textos.
Isto torna o texto inicial potencialmente infinito e reforça a idéia de intertextualidade.
O hipertexto pode, inclusive, vir a introduzir um novo gênero jornalístico,
a partir das mudanças na hierarquia das informações que é pensada e realizada
diferentemente do meio impresso.
O hipertexto coloca em questão também os
padrões de redação jornalística até então utilizados. Em geral, o leitor da
Internet não está interessado em ver, passo a passo, a íntegra das matérias
do jornal do dia. Ele quer achar uma "visão geral" da edição e os
links (âncoras) necessários caso queira informar-se mais sobre o assunto.
A interação texto-imagem-som também introduz
modificações significativas. O ícone já se consagrou como uma interface das
mais amigáveis com o computador. Com o avanço da tecnologia, será cada vez mais
necessário que o usuário leigo seja capaz de usar um aparato sofisticado sem
grandes conhecimentos em informática. A questão da interatividade deverá ser
pensada, diante das possibilidades de composição que se oferecem.
Jornal do Brasil - versão on line
e versão impressa
A versão on line do Jornal do
Brasil é praticamente idêntica à versão impressa, no que concerne o conteúdo.
As matérias aparecem na íntegra, apesar de nem todas as notícias impressas irem
para a edição eletrônica. As editorias também são as mesmas, apesar de não aparecerem
na mesma ordem.
No JB, as matérias sobre saúde estão
concentradas na editoria de ciência. O jornal é mais tradicional em relação
ao assunto e divide as matérias em seções mais precisas. Também é preciso dizer
que o noticiário é idêntico ao da versão impressa, sem contudo se fazer acompanhar
das respectivas fotos.
Na semana pesquisada, a única matéria de
saúde do JB que aparecia na versão on line, mas não na impressa,
era a que se entitulava "Sexo preocupa brasileiro". Tratava-se da
cobertura de uma sessão de bate-papo on line entre uma psicóloga contratada
pelo jornal e os leitores. O bate-papo é um "acontecimento" anunciado
com antecedência pelo jornal nas suas edições on line, em que alguém
(do jornal) fica disponível em um canal, que, no dia e hora marcados, é acessado
pelos leitores através da própria home page e estes podem trocar informações
em tempo real com o interlocutor e entre si, como se estivessem em uma sala
de debates.
Muitas matérias são feitas por uma única
correspondente (Roselena Nicolau), que fica em Belo Horizonte, embora haja também
matérias de agências internacionais. A impressão é de que uma boa parte das
reportagens é fria, como se não houvesse uma equipe permanente dedicada à cobertura
de assuntos de saúde. De quatro matérias, pelo menos três, foram levantadas
no mesmo local e praticamente com as mesmas fontes, como no caso do Congresso
da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, realizado em Belo Horizonte.
Pelo menos três dias da semana apresentaram matérias cujo tema era semelhante
e as fontes sempre membros das sociedades médicas, ou especialistas presentes
ao Congresso. De forma geral, prevalece a palavra dos especialistas como fonte
de informação da notícia.
Estado de São Paulo - versão on
line e versão impressa
O Estado de S. Paulo apresentou
uma versão on line significativamente reduzida em relação a sua versão
impressa. Em compensação muitas matérias podem ser facilmente acessadas através
da Agência Estado e há também alguns suplementos especiais, com reportagens
extensas e bastante completas.
É nesse setor que a cobertura de saúde do
Estado de S. Paulo se destacou. O "Caderno Mulher" trazia,
no dia 22 de setembro, três matérias: uma sobre problemas do sono, outra sobre
alergias respiratórias e outra sobre obesidade. Cada uma conta com várias matérias
de apoio e um glossário com os termos mais técnicos.
Temas
Nos dois jornais apareceram 14 temas ao
longo da semana. Quase todos correspondem aos dos jornais impressos, pois as
edições são as mesmas, exceto pelas matérias do "bate-papo", no JB.
A menor quantidade de temas no Estado de S. Paulo (12 matérias por oposição
às 17 do JB) não representa necessariamente uma menor cobertura da área
de saúde, pois, em geral, as matérias recebem um tratamento mais detalhista,
sendo acompanhadas por textos de apoio, vocabulários, pesquisas, etc.
O único assunto que apresentou certa predominância
foi "medicamentos", que aparece cinco vezes no JB e uma vez
no Estado de S. Paulo. Com freqüência, a cura é o foco da notícia, referindo-se
a medicamentos e à busca de uma espécie de cura "fácil", por remédios
que eliminem a necessidade de um tratamento prolongado e disciplinado, com restrições
para o paciente.
Fontes
O tratamento mais detalhista verificado
em algumas matérias do Estado de S. Paulo está refletido também nas fontes.
O número de leigos ouvidos é o que chama mais atenção: 11 por oposição a dois
no JB. Mas mesmo de forma geral, o Estado de S. Paulo recorre
a mais fontes do que o JB, o que certamente está ligado ao fato de uma
única repórter ser responsável por quase todas as matérias de saúde no Jornal
do Brasil. Seu tempo disponível para ouvir fontes distintas, em vários lugares,
provavelmente é mais reduzido que o dos repórteres da cobertura do Estado
de S. Paulo.
Entretanto, é preciso notar novamente que
as matérias mais detalhistas do Estado de S. Paulo são sobretudo as do
caderno especial. As da edição diária acompanham o padrão do JB. Neste
último, o texto é rigorosamente igual ao do impresso, com o detalhe de que as
fotos não estavam disponíveis na versão on line. Os textos da editoria
de ciência são finais, ou seja, em nenhum deles foram encontrados links para
outros sites de ciência ou para textos complementares.
Gêneros
A reportagem é, sem dúvida, o gênero predominante
- doze (100%) no Estado de S. Paulo e onze (64%) no JB. As matérias,
em geral, não são muito extensas e trazem essencialmente informações consideradas
novidades sobre os assuntos. Contudo, nota-se no texto o trabalho da entrevista,
da busca de significação de alguns conceitos e uma pincelada de pesquisa histórica
sobre o tema. Em geral, é como se a reportagem assumisse o formato da notícia,
embora mantenha características típicas da reportagem como as acima mencionadas.
Procedência
As notícias nacionais assumiram equivalência
com as internacionais. Ao todo, nos dois jornais, há dez matérias de procedência
internacional e 16 nacionais.
Conclusões
De forma geral, a cobertura de saúde na
imprensa apresenta um gancho importante com fatos da atualidade, o que certamente
ajuda a despertar maior interesse entre os leitores, pois os assuntos se aproximam
do cotidiano. Entretanto, verifica-se que os temas só recebem tratamento mais
detalhado, com fontes diversas e menção a casos de exemplo nos cadernos especiais,
publicados apenas esporadicamente, quiçá em uma só edição. As matérias do noticiário
geral são curtas, têm poucas (muitas vezes só uma) fontes de informação e, quando
se trata de divulgar estudos científicos, geralmente fazem referência a pesquisas
internacionais, explorando pouco suas repercussões no contexto nacional, como
é o caso das notícias "Gene alterado é proteção contra a AIDS" e "Jovem
fumante tem pulmões mais fracos" (Jornal do Brasil, 27 de setembro).
Algumas matérias, ainda, apelam claramente para um sensacionalismo disfarçado
de modernidade científica, como é o caso da entrevista com o médico que faz
operações para aumentar o tamanho do pênis.
Ao ouvir depoimentos de jornalistas, verifica-se
que existe ainda na mídia um amadorismo muito grande no que diz respeito à elaboração
de pautas e realização de reportagens em saúde. Diz Dornelles, "para os
médicos, qualquer tema deve ser divulgado e as pessoas precisam tomar conhecimento
deles para poderem atuar frente aos problemas. Já os jornalistas, (...) fazem
ressalva a alguns temas, sob o argumento de que o leitor não gosta de ler assuntos
pesados e isso pode provocar o desprestígio do suplemento, além de não vender
jornal. Esses jornalistas avaliam a reação do público com base em suas características
e gostos pessoais". (7)
A imprensa pode provocar, indiretamente,
mudanças nos comportamentos individuais e sociais, mas ela sozinha não é suficiente
à educação para saúde. Mesmo assim, seu papel é importante para manter viva
a memória das pessoas sobre assuntos de saúde e tornar aplicáveis os conhecimentos
teóricos adquiridos por outros meios. Para isso, os jornalistas precisam estar
atentos às pesquisas sobre comunicação e saúde, para que as matérias desenvolvam
pautas e linguagens acessíveis ao público, e trabalhar em maior cooperação com
os médicos e cientistas.
Referências bibliográficas
(1) As campanhas contra o cigarro são o melhor exemplo. Já existem provas suficientes
de que o cigarro faz mal à saúde e cobertura ostensiva dos meios de comunicação
sobre o assunto. Mesmo assim, muitos continuam fumando e a indústria do tabaco
segue sendo uma das maiores do mundo.
(2) DORNELLES, Beatriz. "Saúde na imprensa: mudança social possível",
Comunicarte, vol. 12, no 20, p. 21-33, Campinas, Puccamp, 1995/1996.
(3) BUENO, Wilson da Costa. Comunicação para a saúde: uma experiência brasileira,
São Paulo, Plêiade, Amparo, Unimed/Amparo, 1996, p. 15.
(4) MEILLIER, LUND & GERDES. "The backpack function of Health Education:
use of knowledge types concerning prevention of coronary heart disease",
Science Communication, vol. 18, no 3, march/1997. London, Sage Periodicals
Press, 1997.
(5) 477 responderam a um questionário fechado e 21 participaram de entrevistas
qualitativas.
(6) MEILLIER, LUND & GERDES. op. cit., p.235.
(7) DORNELLES. op. cit., p.32.
Bibliografia
DORNELLES, Beatriz. "Saúde na imprensa: mudança social possível",
Comunicarte, vol. 12, no 20, p. 21-33, Campinas, Puccamp, 1995/1996.
BUENO, Wilson da Costa. Comunicação para a saúde: uma experiência brasileira,
São Paulo, Plêiade, Amparo, Unimed/Amparo, 1996, p. 15.
MEILLIER, LUND & GERDES. "The backpack function of Health Education:
use of knowledge types concerning prevention of coronary heart disease",
Science Communication, vol. 18, no 3, march/1997. London, Sage Periodicals
Press, 1997.
WERNER, David. Onde não há médico. Coleção Saúde e Comunidade, São Paulo,
Paulus, 1994, (tradução do inglês Where there is no doctor).
BURKETT, D. Warren. Writing science news for the mass media. Houston,
Gulf Publishing Co., 1965.
"Internet ajuda vítima de doenças graves", Diário do Povo, 2/6/96,
seção Internacional, p.13.
LOPES, Boanerges & NASCIMENTO, Josias (orgs.). Saúde & Imprensa
- o público que se dane!. Rio de Janeiro, Mauad, 1996.
O que o brasileiro pensa da Ciência e da Tecnologia? - a imagem da ciência
e da tecnologia junto à população urbana brasileira, pesquisa realizada
pelo Instituto Gallup, MCT/CNPq/Museu de Astronomia e Ciências Afins, 1987.
SABBATINI, Renato. "Aplicações na Internet em Medicina e Saúde".
Informédica [online], no 3 (15), 5 november 1995 [cited 5 december 96].
Available from Internet: <URL: http://www.unicamp.br/NIB/informe/intern1.htm>
FAYARD, P. La ecommunication scientifique publique. Lyon, Chronique Sociale,
1988.
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OBS: Relatório de pesquisa realizado no programa de pós-graduação em Comunicação Social da UMESP, coordenada pelo prof. dr. Wilson da Costa Bueno, na disciplina Jornalismo Científico
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*Mônica Macedo é jornalista, mestre e doutoranda em Comunicação Social pela UMESP.
*Wilson da Costa Bueno, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP