Wilson da Costa Bueno*
A Associação
Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) completou
em 2007 seus 30 anos de fundação, realizando,
em São Paulo, o IX Congresso Brasileiro de Jornalismo
Científico. O evento reuniu experiências brasileiras
de divulgação científica em mesas-redondas
e apresentação de trabalhos (cerca de 40 no
total), compondo um mosaico plural do ensino, da pesquisa
e da prática do Jornalismo Científico brasileiro.
Apesar do apagão aéreo e de outras dificuldades
vivenciadas pelos colegas da área (preço elevado
de hotéis e de passagens, não liberação
pelas chefias etc), cerca de 150 congressistas estiveram
presentes.
O Jornalismo Científico continua ativo no País,
apesar dos inúmeros desafios e dos obstáculos
que ainda necessita enfrentar.
Simplificadamente, o Jornalismo Científico compreende
a veiculação, segundo os padrões jornalísticos,
de informações sobre ciência, tecnologia
e inovação e se caracteriza por desempenhar
inúmeras funções. Em primeiro lugar,
ele cumpre o papel, absolutamente indispensável num
país onde o ensino formal de ciências é
precário, de contribuir para o processo de alfabetização
científica, permitindo aos cidadãos tomar
contato com o que acontece no universo da ciência
e da tecnologia. Trata-se de uma função eminentemente
pedagógica a ser cumprida pela mídia, complementar
ao da educação, e que atinge não apenas
aqueles que já deixaram a escola, mas sobretudo os
que estão dela excluídos por inúmeros
motivos. Em segundo lugar, esta divulgação
pelos meios de comunicação de massa promove
a democratização do conhecimento científico,
ampliando o debate sobre temas relevantes de ciência
e tecnologia. Se realizada com compromisso e espírito
público, ela convoca os brasileiros para participar
do processo de tomada de decisões e retira de uma
elite (que normalmente se beneficia das benesses do progresso
técnico) o poder exclusivo de decidir onde, quanto
e como investir em ciência e tecnologia. Esta função
se reveste de caráter político (não
partidário) no seu sentido mais amplo porque favorece
a explicitação dos interesses envolvidos no
financiamento, produção e aplicação
da ciência e da tecnologia. Finalmente, o Jornalismo
Científico abre oportunidade para que os centros
produtores e financiadores de ciência e tecnologia
(e os pesquisadores em particular) possam prestar contas
à sociedade dos investimentos realizados em pesquisa
e desenvolvimento, essenciais para a soberania de uma nação.
Tradicionalmente, a literatura em Jornalismo Científico
(que não é generosa no Brasil) concentra-se,
prioritariamente, em discutir a relação entre
cientistas/pesquisadores e jornalistas/divulgadores de ciência
ou explora a dificuldade de adaptação do discurso
científico, geralmente hermético, ao universo
da maioria dos cidadãos, relegando a segundo plano
outras temáticas não menos importantes.
É evidente que ainda existem incompreensões
(apesar de termos avançado muito nos últimos
anos) entre quem faz e quem divulga ciência no Brasil,
especialmente porque estamos nos referindo a dois sistemas
de produção bastante distintos e com características
peculiares (a ciência e a tecnologia e o Jornalismo).
Estas incompreensões diminuem sensivelmente (a experiência
nos revela isso) quando cada um dos lados passa a ter uma
visão mais lúcida do outro e, particularmente,
quando pesquisador e jornalista estão identificados
com os mesmos objetivos: a alfabetização científica
e a democratização do conhecimento, por exemplo.
É forçoso reconhecer também que não
é tarefa fácil trazer temas complexos de ciência
e e tecnologia para o dia-a-dia das pessoas, especialmente
quando elas não estão familiarizadas com os
conceitos básicos da área, mas isso é
possível com esforço, talento e competência.
É sobretudo realizável quando jornalistas/divulgadores
e cientistas/pesquisadores trabalham em parceria e estão
empenhados em cumprir adequadamente este papel.
A literatura não tem, no entanto, dado conta de
uma realidade que merece ser sempre considerada na produção
e divulgação da ciência e da tecnologia:
a conjugação de interesses de toda ordem (políticos,
econômicos, militares, empresariais etc) que, gradativamente,
constrangem e penalizam a qualidade destes dois processos
(produção e divulgação). Basta
lembrar que o maior esforço de pesquisa e de desenvolvimento
está hoje a serviço de interesses militares
e que o investimento em determinadas áreas (saúde,
biotecnologia etc) tem por fim, prioritariamente, favorecer
grandes corporações (ou seja o lucro) e não
os cidadãos de maneira geral. A divulgação
científica tem estado cada vez mais cerceada pelos
contratos de exclusividade (sigilo de informações)
firmados entre universidades e institutos de pesquisa com
empresas privadas e públicas. Pode-se dizer, sem
medo de cometer injustiças, que a ciência e
a tecnologia de ponta estão a mercê do capital
e não do interesse público, apesar do discurso
de governos e empresas que pregam a cidadania, o compromisso
com a sociedade, mas estão apenas interessados em
atender os seus acionistas.
A ciência e a tecnologia são mercadorias valiosas
e não estão necessariamente, como sempre se
buscou acentuar nos colégios, a serviço da
humanidade porque, muitas vezes, têm a ver mais com
os objetivos do complexo militar, industrial, financeiro
etc. É certo que, pelo menos grande parte da pesquisa
brasileira, realizada por investigadores individuais ou
em pequenas equipes nas universidades e centros de pesquisa,
ainda assume uma perspectiva positiva, desvinculada de outros
interesses extra-científicos, mas o cenário
vai pouco a pouco se modificando com o aumento da complexidade
dos projetos e a necessidade de recursos para sua realização.
É preciso, em alguns casos, tomar cuidado com algumas
fontes suspeitas que, travestidas de titulação
acadêmica e respaldadas em prestígio derivado
dos seus trabalhos de pesquisa, não passam de porta-vozes
dos grandes interesses comerciais. Será sempre interessante
verificar quem anda financiando estes "phds com bocas
alugadas" que comparecem às redações,
apresentados por agências de comunicação,
para veicular pretensas notícias científicas
que nada mais são do que propaganda de determinadas
empresas ou setores. Quem se propõe a fazer isso
(seguir o dinheiro - "follow the money", como
dizem os americanos) descobrirá atrás do noticiário
sobre transgênicos (cuidado com o CIB- Conselho de
Informações sobre Biotecnologia!) a mão
das multinacionais que andam promovendo o monopólio
das sementes e vociferando contra a biodiversidade. Nem
sempre é saudável acreditar em empresas que
têm santo no nome ou que proclamam os seus "embaixadores
ambientais". Há uma ciência e uma tecnologia
comprometidas atrás dos releases e do noticiário
que se originam de algumas fontes. Uma pista: se uma empresa
agroquímica, mineradora ou de celulose incorpora
o discurso da sustentabilidade em sua divulgação,
mesmo apoiada no depoimento de um especialista, não
caia no logro: tem, como diz o ditado, gato na tuba, ou
seja, estão querendo passar a perna em todos nós.
Não confunda ciência com marketing verde porque
nem sempre "a química está a serviço
da vida" e fabricar cigarro será sempre produzir
droga, independente dos prêmios recebidos pelo "relatório
social" da indústria tabagista.
No mundo inteiro - e não apenas no Brasil - as empresas
estão cada vez mais próximas das universidades
e centros de pesquisa e, ressalvadas as exceções,
muitas acabam, pela fragilidade das nossas instituições
de ensino e pesquisa, se apropriando do conhecimento nelas
desenvolvido com intenções meramente comerciais.
Grupos de pesquisa, formados com dinheiro público,
se transferem para empresas privadas e continuam desenvolvendo
projetos relevantes que beneficiam mais as organizações
que os financiam do que a sociedade. Quem se lembra da relação
entre a Novartis , uma poderosa indústria farmacêutica,
e um instituto voltado para a pesquisa da biodiversidade
na Amazônia (consulte com a palavra-chave " Projeto
BioAmazônia Novartis" no Google e ficará
surpreso com o que vai encontrar por lá), pode imaginar
o que tende a ocorrer, se não houver uma vigilância
permanente sobre essa interação nem sempre
transparente e ética entre empresas e centros geradores
de ciência e tecnologia.
A ciência e a tecnologia precisam estar comprometidas
com o interesse dos cidadãos que as financiam e,
especialmente no Brasil, as instituições de
ensino e pesquisa que são subsidiadas pela sociedade
têm a obrigação de prestar contas dos
recursos investidos em ciência e tecnologia. Merecem
menção sob este aspecto entidades como a Fapesp
(referência internacional no apoio a projetos de pesquisa
mas também em divulgação científica)
e alguns institutos e empresas de pesquisa que promovem
tanto a produção como a divulgação
de ciência e tecnologia (a Fiocruz e a Embrapa são
exemplos modelares). Outras entidades estaduais (Fapemig,
Faperj etc) também merecem ser lembradas pelo mesmo
trabalho, especialmente porque, pouco a pouco, buscam dar
visibilidade aos projetos que financiam, cumprindo a função
primordial de prestar contas dos investimentos realizados
com recursos públicos.
O Jornalismo Científico ganhou novo impulso com
a internet e multiplicam-se felizmente as publicações
na internet (a revista ComCiência, do Labjor/Unicamp
é excelente!), bem como são dignas de elogios
algumas publicações tradicionais de divulgação
e Jornalismo Científico, como Ciência Hoje,
Revista Pesquisa Fapesp, Scientific American Brasil e mesmo
as de maior tiragem, como Galileu e Superinteressante. É
preciso ressaltar que esta última tende, infelizmente
neste momento, a se desviar um pouco desta área,
seduzida pelo apelo comercial do esoterismo, de temas sensacionais
e/ou sensacionalistas e do espírito de almanaque,
embora cumpra um papel fundamental junto aos jovens, seu
principal público-alvo.
A divulgação científica também
tem sido estimulada pela iniciativa de editoras e autores
(ainda tímida no Brasil) de publicar livros sobre
temas de ciência para os nossos jovens e as nossas
crianças. É imperioso destacar, neste momento,
o trabalho realizado pela Oficina de Textos, uma editora
paulista que tem publicado obras de divulgação
sobre temas de ciência atuais e relevantes, premiando
a nossa juventude.
Não se pode deixar de mencionar o trabalho competente
e pioneiro coordenado pelo prof. Ildeu de Castro Moreira
, no MCT, com a realização de pesquisas (lembremos,
por exemplo, a investigação recente sobre
a percepção da ciência e da tecnologia
pelo brasileiro), apoio a projetos e contribuição
efetiva ao aumento da massa crítica na área
da divulgação científica no Brasil.
Finalmente, é preciso reconhecer o apoio que a Universidade
Metodista de São Paulo - UMESP tem dado à
pesquisa na área, especialmente no seu Programa de
Pós-Graduação, que há quase
3 décadas abriga projetos de mestrado e mais recentemente
de doutorado em Jornalismo Científico e Comunicação
Científica, de maneira geral. Ela é responsável
por pelo menos uma centena de dissertações
e teses já defendidas neste campo, contribuindo,
vigorosamente, para a formação de novos quadros
(basta lembrar que dos 5 diretores da ABJC, 4 têm
mestrado ou doutorado pela UMESP e dois são seus
professores).
Os exemplos citados merecem ser seguidos porque indicam
o caminho adequado para o crescimento do Jornalismo Científico
e da divulgação científica no Brasil.
A área precisa de apoio permanente para continuar
se desenvolvendo porque é vital para a democracia
e para a qualificação do debate sobre ciência,
tecnologia e inovação. Os exemplos da Fapesp,
do Labjor/Unicamp, da UMESP e da Sanofi-Aventis, que emprestaram
apoio ao Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico
em 2007, merecem ser seguidos.
Sem uma divulgação e um Jornalismo Científico
qualificados, a ciência e a tecnologia brasileira
que, em muitas áreas, competem com as realizadas
nos países chamados hegemônicos, permanecerão
distantes dos cidadãos, das autoridades, dos parlamentares,
da sociedade de maneira geral. Impedir que isso aconteça
é dever de todos nós.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.