<% pagina = "http://" & request.ServerVariables("HTTP_HOST") & request.ServerVariables("URL") %> Ciência & Comunicação - Entrevista
Volume 3
Número 4

20 de julho de 2006
 
 * Edição atual    

           Jornalismo Científico , Ciência e poder: dialogando com Maurício Tuffani

          A relação complicada mas real entre ciência e poder, a discutível neutralidade na ciência , a ação dos interesses comerciais e políticos na produção da ciência e da tecnologia e no processo de divulgação científica são alguns dos temas candentes desta entrevista com Maurício Tuffani, jornalista com longa e bem sucedida trajetória no jornalismo científico brasileira. Tuffani fala também do projeto de divulgação científica da UNESP e do papel dos pesquisadores na democratização do conhecimento científico, em particular na mídia.

Maurício Tuffani é assessor de Comunicação e Imprensa da Reitoria da UNESP (Universidade Estadual Paulista) desde fevereiro de 2005. Foi editor-executivo dos portais PNUD Brasil e Nações Unidas no Brasil, editor-chefe da revista Galileu, editor e repórter de ciência da Folha de S. Paulo e colaborador de diversos veículos. Atuou também no Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, na Câmara dos Deputados e na Assembléia Nacional Constituinte. Foi professor convidado do Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo Científico da UNICAMP e do Núcleo José Reis de Divulgação Científica da USP. Iniciou no jornalismo em 1978 como revisor dos jornais "O Estado de S. Paulo" e "jornal da Tarde". Lecionou matemática e física no ensino médio e iniciou os cursos de Matemática e de Filosofia na USP.

Ciência & Comunicação: É comum que a imprensa contemple a ciência e a tecnologia e a própria divulgação científica como áreas neutras, associando-as ao talento humano e ao progresso. Esta é uma decisão correta?

Maurício Tuffani: Essa é uma atitude comum e não a considero correta, mas muitas vezes me vejo discordando da maioria dos que têm esse mesmo julgamento. Esse é um tema que precisa ser considerado sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, ele envolve o próprio jornalismo e seus princípios. Sem o menor receio de ser injusto, tenho afirmado que a cobertura da imprensa sobre a ciência e a tecnologia está entre aquelas que mais deixam de cumprir dois preceitos jornalísticos básicos: buscar sempre o contraditório e promover o amplo debate de idéias. Apesar de os pesquisadores citarem em seus trabalhos científicos os estudos com conclusões diferentes até mesmo antagônicas às suas, geralmente as reportagens sobre suas pesquisas não mostram que existem outras visões sobre o mesmo tema. A informação que acaba chegando ao leitor, ouvinte ou telespectador é mostrada como uma verdade absoluta. Desse modo, o papel do jornalista que cobre ciência acaba sendo, na maior parte das vezes, equivalente a um mero trabalho de relações públicas.

É importante ressaltar que essa tendência que tenho apontado com insistência no chamado jornalismo científico é anterior a toda essa crise que passou a assolar a imprensa no mundo, como vem sendo observado por muitos media watchers e como mostraram, no caso da imprensa norte-americana, os relatórios "The State of the News Media" de 2004, 2005 e 2006, do Projeto Excelência no Jornalismo, da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, de Nova York. Esses três estudos, baseados em pesquisas de campo, deixaram muito claras duas tendências. A primeira que eu destaco é a de que a maior parte das atividades da imprensa tem se concentrado muito mais na distribuição de informações do que na produção. A outra tendência é a de que mesmo entre os que se dedicam à produção, há uma ênfase crescente na veiculação de informação bruta, primária, declaratória, em detrimento da elaboração de matérias a partir de verificação, checagem e de contraponto de informações primárias. Portanto, o que faço questão de deixar muito claro, é que no chamado jornalismo científico a tendência do jornalismo declaratório e que renuncia à checagem, à verificação e ao contraditório é anterior à crise de valores atual da imprensa.

Em segundo lugar, a pergunta envolve também o tema espinhoso da relação entre a ciência e o poder. Digo que é espinhoso porque existe uma polarização acirrada entre, por um lado, os que acreditam que a ciência é condicionada por fatores políticos, econômicos e sociais, e, por outro lado, aqueles que discordam dessa concepção. De minha parte, vejo muitos equívocos dos dois lados dessa polêmica. Curiosamente, é muito difundida a idéia de que essa polarização tenha correspondência com a que existe na política entre a esquerda e a direita, de modo que a esquerda seria favorável à crença no condicionamento político, econômico e social da ciência, e, a direita, não. Mas isso não é verdade: é um homem de esquerda o próprio Alan Sokal, o físico norte-americano que, com seu colega belga Jean Bricmont, lançou o livro "Imposturas Intelectuais: O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos"; por outro lado, chegou a se declarar partidário do nazismo, ainda que por um curto período, o filósofo alemão Martin Heidegger, que escreveu alguns dos textos mais contundentes até hoje escritos contra a pretensão de neutralidade da ciência e da técnica.

O tema da relação entre ciência e poder, na minha visão, exige uma abordagem histórica e filosófica e também familiaridade com a linguagem, os métodos e a prática da ciência. Mas, a fim de não perder o foco desta entrevista, limito-me a observar apenas dois pontos. O primeiro se refere à abordagem da maior parte daqueles para os quais a ciência é determinada pelo poder, descambando ora para gráficos e planilhas de investimentos em pesquisas, ora para um marxismo mecanicista, que leva a ferro e fogo a frase "Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina sua consciência", dita por Marx em "Para a Crítica da Economia Política". Esse caminho é conceitualmente pobre, pois cai num determinismo do qual o próprio Marx se resguardou cuidadosamente em alguns de seus textos mais lúcidos e menos panfletários, como esse já citado, a "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" e "O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte".

O outro ponto se refere justamente a um aspecto que esse determinismo não consegue apreender, que é a fetichização do método. Trata-se da tradição cartesiana, que faz com que até mesmo esquerdistas acreditem na preponderância absoluta da Razão. Com base nessa visão de mundo, as mudanças na ciência seriam, portanto, decorrentes de processos absolutamente racionais. Muitas controvérsias rolaram sobre isso na filosofia. Mas, com prometi fugir dessa esfera, vale a pena observar que passados 41 anos desde seu lançamento, o livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", de Thomas Kuhn jamais teve uma refutação de seus argumentos essenciais (Sokal e Bricmont o criticaram, mas cometeram sérios enganos de interpretação e se concentraram em detalhes não relevantes). E uma das principais teses de Kuhn é a de que nas comunidades de especialistas, diante de dados experimentais que contradizem teorias bem-sucedidas, prevalece por muito tempo a tendência de manter intacto o modelo de ciência compartilhado (paradigma) e de elaborar gambiarras explicativas, que ele chama de anomalias. É nesse ponto que muitos pesquisadores se manifestam com indignação, afirmando que Galileu precisou encarar a Inquisição e coisas do tipo. Mas o que Kuhn afirma, e com muitos exemplos históricos, é que naquilo que ele chama de "ciência normal", essas anomalias são longamente toleradas; mas a situação de "ciência em crise" só é reconhecida depois de muito tempo de infestação por anomalias (sempre acompanhado da morte de gerações de defensores do paradigma bichado); e somente depois a formulação de um novo paradigma e aceita, e isso pode demorar ainda mais. O importante, nisso tudo, é que a tolerância à infestação de anomalias não foi um processo guiado pela Razão, mas sim por fatores externos a ela.

Mas se esse tema não faz parte do dia-a-dia da grande e ampla maioria dos cientistas, muito menos ele tem a ver com o cotidiano dos jornalistas. Em outras palavras, mesmo entre os menos numerosos jornalistas que cobrem ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente atentos à necessidade de verificação, checagem e de contraponto (e que, portanto, não se enquadram no problema apontado no primeiro aspecto que menciono nesta resposta,), existe pouca abertura para uma ampla contextualização, inclusive histórica, de temas complexos e polêmicos, como é o caso dos transgênicos. Esse é um assunto que tem sido prejudicado na mídia pelos dois pólos antagônicos, os favoráveis e os contrários, gerando uma guerra de desinformação. Excetuando-se aqueles que buscam um confronto efetivo de opiniões e aqueles que fazem a mera consulta protocolar aos dois lados, temos posições diversas que oscilam no espectro entre o extremo da torcida otimista pelo fim dos "entraves obscurantistas ao progresso", e, na outra ponta, a reação apocalíptica ao "mal da tecnociência dominada pelas grandes corporações".

No caso específico dos transgênicos, minha impressão com relação à ação na mídia dos formadores de opinião dos dois pólos é a de que os contrários aos OGMs tendem cada vez mais a levar desvantagem não só por disporem de menos recursos financeiros, mas também por serem mais rígidos e binários em sua percepção das opiniões da sociedade. É como se a maior parte deles tivesse apenas duas caixinhas para enquadrar as pessoas, e isso dificulta a adoção de estratégias e táticas de ataques pelos flancos.

Ciência & Comunicação: Em que medida os fatores políticos, econômicos, comerciais podem comprometer a divulgação científica?

Maurício Tuffani: A pergunta exige, de início, um certo cuidado com a expressão "divulgação científica". Sob esse guarda-chuva temos não só o jornalismo, mas também outras atividades, como a de relações públicas, assessoria de imprensa, publicidade e educação científica. Não me considero habilitado para falar sobre a produção de material de divugação educativo. No entanto, nas demais áreas citadas, observo que somente o jornalismo possui uma deontologia explícita e inequivocamente vinculada ao interesse público, que é diametralmente oposto aos interesses privados, estes sim, ligados aos fatores políticos, econômicos e comerciais.

É claro que nem toda atividade de assessoria de imprensa e de RP é destituída de interesse público, da mesma forma que o jornalismo não é garantia nenhuma de defesa do interesse público. No entanto, entre outros aspectos, o jornalismo se diferencia dessas outras atividades pelo fato de que seu "ethos" permite a cobrança de atitudes em prol do interesse público. Não se pode censurar um assessor de imprensa ou um relações-públicas por não ter feito um material de divulgação crítico, considerando os pontos de vista contrários aos de sua instituição. Mas o jornalista pode e deve ser inquirido se não levar em conta os dois ou mais lados envolvidos em uma questão.

É importante ressaltar e deixar bem claro claro que estou me referindo à cobertura jornalística de temas de ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente sensíveis às esferas políticas, econômicas e comerciais, e não a todas as notícias dessas áreas. Portanto, trocando, na pergunta em pauta, "divulgação científica" por "jornalismo científico" (expressão que me soa mal), respondo que este tem um risco bem maior de ser comprometido por fatores políticos, econômicos e comerciais do que muitas outras áreas do jornalismo.

Mesmo levando em conta uma das principais tendências do jornalismo norte-americano apontadas pelo já citado relatório "The State of the News Media 2005", que foi reforçada na versão de 2006: a crescente influência de interesses governamentais, políticos, empresariais e classistas na agenda geral da imprensa, em detrimento do espaço dos jornalistas para negociação de pautas e de espaço. Um detalhe importante: esses estudos se referem à mídia norte-americana, mas podemos certamente aceitar suas conclusões como válidas para muitos países, inclusive europeus, na medida em que, mesmo sem se basear em pesquisas de campo, vários teóricos da comunicação e "media watchers" europeus já vinham detectando muitas dessas tendências em seus países nos anos 90.

Em outras palavras, afirmo que, apesar de a influência de interesses privados na agenda da imprensa ser uma tendência de todas áreas do jornalismo, a cobertura jornalística de ciência é muito mais vulnerável a essa influência justamente porque há muito tempo ela tem se destacado na ausência do contraditório e no desrespeito ao preceito profissional básico de promover o debate de idéias. Muito antes de a ovelha Dolly ter sido clonada pelo Instituto Roslin, na Escócia, várias instituições ligadas à pesquisa científica, principalmente laboratórios das insdústrias farmacêuticas, aprenderam a clonar seus press releases no noticiário internacional.

Tamanho foi esse aprendizado por parte das instituições ligadas à pesquisa científica, que as principais revistas científicas do mundo passaram a ter nos últimos anos uma nova função, além de fazer a comunicação de estudos científicos entre cientistas: elas passaram a ser usadas para pautar a mídia. Nesse processo, as duas revistas científicas mais importantes, a norte-americana "Science" e a britânica "Nature", tornaram-se mais tolerantes ao uso de metáforas em seus textos. Em sua tese de doutorado "Biologia total: Hegemonia e informação no genoma humano", na área de sociologia da ciência, defendida no ano passado na Unicamp, o jornalista Marcelo Leite mostrou que essas duas publicações usaram e abusaram não só de metáforas, mas também de hipérboles no episódio da divulgação dos resultados governamentais e privados do mapeamento do genoma humano em fevereiro de 2001. Só depois de assinarem o apoio de seus governos, o presidente norte-americano Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair descobriram que não seria tão rápida a realização das promessas dos cientistas de curas milagrosas do câncer, diabetes e outras doenças. Enfim, a manipulação da imprensa serve até para manipular os poderosos.

Ciência & Comunicação: Nos centros geradores de C & T (universidades e institutos depesquisa), as relações pessoais e de poder interferem no processo de divulgação científica?

Maurício Tuffani: Mantive até há alguns anos contatos com assessorias de imprensa de instituições de outros países. Sempre me impressionou a eficiência e o profissionalismo nessa área de entidades do Reino Unido e dos Estados Unidos. Aqui no Brasil, instituições dessa área começaram a dar mais atenção para a divulgação científica, e suas equipes de comunicação já começam a se mostrar mais voltadas para essa atividade do que simplesmente para o assessoramento dos seus dirigentes. Sobre as interferências, há dois aspectos a considerar. Primeiramente, não acredito em imunidade total a relações pessoais e de poder, mas é preciso que haja um mínimo de salvaguardas contra elas, e isso tem de ser uma decisão institucional muito clara. E, em segundo lugar, meu receio com relação a este assunto é o de se perder muito mais tempo e energia com as salvaguardas do que com o objetivo da divulgação.

Prefiro não citar exemplos, mas, como repórter, muitas vezes estive em contato com assessorias que pareciam estar o tempo todo pisando em ovos, mais preocupadas com o que não deveriam fazer do que com o que deveria ser feito. Eu não gasto tempo, energia nem neurônios com isso.

Ciência & Comunicação: O sigilo e o controle da informação , movidos por interesses comerciais (dos patrocinadores dos projetos de pesquisa) têm aumentado nos últimos anos, penalizando a divulgação científica e a circulação de informações?

Maurício Tuffani: Existem pesquisas promovidas por grandes empresas para consumo interno. No entanto, não creio que deve ser algo muito expressivo numericamente, pois isso joga contra o marketing pessoal dos cientistas e, portanto, exigiria altíssimas compensações financeiras, sempre sob o grande risco de o sigilo poder ser quebrado. Não tenho conhecimento de fontes de dados sobre sigilo ou controle da informação dos projetos de pesquisa. Um dado positivo é que algumas agências financiadoras e muitas sociedades científicas nos Estados Unidos e na Europa implantaram a obrigatoriedade da "declaração de situação em relação a conflitos de interesse". Os autores de estudos são obrigados a dizer se têm ou se não têm relações financeiras ou qualquer outras que possam levantar suspeita de interferência nas conclusões dos trabalhos. Nesse esquema, não dá para não dizer nada e ficar "na moita". Parece que essa é uma tendência crescente. Aqui no Brasil, o último caso que deu encrenca de repercussão na imprensa, se eu não estiver enganado, foi o de um pesquisador que recebeu suporte do governo para fazer um estudo sobre efeitos do amianto em mineradores, mas stava sendo bancado também pela empresa diretamente interessada.

Ciência & Comunicação: Existem pressões nos veículos para que a divulgação científica faça concessões aos lobbies dos anunciantes? O jornalista científico tem autonomia para pautar as matérias mesmo quando estão em jogo os interesses dos anunciantes?

Maurício Tuffani: Nunca trabalhei sob esse tipo de pressão, mas já tive muitas informações de como isso acontece em muitos veículos. Na Editora Globo, em 2002, quando eu era ediotr-chefe da revista "Galileu", pautei a jornalista Giovana Girardi para viajar ao Sul de Minas e ao Rio Grande do Sul para apurar os casos de suicídios de agricultores em culturas de fumo, tomate, morango e outras que usavam determinados tipos de agrotóxicos. Ela esteve em cartórios e constatou índices de suicídios muito superiores aos aceitáveis por padrões epidemiológicos internacionais. Entrevistou especialistas, ouviu todo mundo. Quando estávamos fechando a edição, fomos informados pela área comercial que uma empresa do ramo agroquímico iria comprar um reparte adicional da edição e que isso daria uma boa receita. Metemos uma caveira na capa, e ninguém falou nada. Seguiu desse jeito. Atualmente, um dos fatores que mais prejudicam a imprensa nas decisões sobre conteúdo editorial é o excesso de executivos de negócios, que acreditam que entendem do assunto. No caso de muitos dos veículos que trabalham com ciência, isso é uma catástrofe, pois, com a contenção cada vez maior de despesas, não se fazem pesquisas de mercado sobre esses nichos, e os executivos acabam forçando decisões com base em clichês, estereótipos, palpites de sobrinhos e outras bobagens.

Mas a pergunta toca no tema da autonomia jornalística face aos interesses dos anunciantes. Temos visto "media watchers" apontar casos de veículos que coincidentemente fizeram matérias nas áreas de política e de economia desprovidas de contrapontos em temas muito polêmicos relativos a governos patrocinadores de obesos encartes publicitários. Deu para se pressupor que a porta da rua seria serventia da redação no caso de atrevidos que pretendessem brincar de jornalismo. A menos que eu esteja gravemente esquecido de algum caso do tipo em ciência, não me parece ser essa uma prática comum nessa área.

Ciência & Comunicação: Descreva a estrutura de comunicação da UNESP e a percepção da universidade com respeito à divulgação científica (comprometimento das fontes, nível de prioridade, proposta de trabalho etc).

Maurício Tuffani: Somos a menor equipe de imprensa das três universidades estaduais paulistas, com dificuldades específicas, a começar pelo aspecto geográfico: 33 escolas distribuídas por 23 cidades do Estado de São Paulo. Contando comigo, que uso grande parte de meu tempo em reuniões e em atividades administrativas, somos apenas oito jornalistas para fazer tudo: o "Jornal da Unesp", as notícias do "Portal Unesp", o "Clipping Unesp" e o atendimento à imprensa. A percepção que a comunidade universitária tem é a de que sua visibilidade pública está muito aquém de sua produção acadêmica. Comecei a trabalhar lá em fevereiro de 2005 e a diretriz do novo reitor, professor Marcos Macari, foi a de promover uma comunicação voltada para a divulgação científica, para visibilidade pública e a transparência do trabalho da Universidade, além de promover o debate sobre temas importantes. Incomodava-o o tom oficialista da comunicação. Acabamos com aquele monte de fotos de gente atrás de mesa em cerimônia ou assinando papéis. Às vezes isso é inevitável por causa da dificuldade em obter imagens ou até mesmo por causa da importância de determinados eventos.

Mas o reitor quer que apareçam mais os professores, funcionários e alunos, e sempre pede moderação no uso de imagens de dirigentes, principalmente a dele. Com a dinamização da estrutura de notícias do "Portal Unesp" e simples alterações na pauta do "Jornal Unesp", que ficou muito menos "política" e mais voltada para a pesquisa, ensino e extensão, ampliamos facilmente a divulgação do trabalho da Universidade. Nossa grande dificuldade é a restrição de recursos, pois esta é uma gestão que está concentrada no desafio de preservação da qualidade acadêmica e do equilíbrio financeiro e orçamentário. E, acompanhando de perto o trabalho da administração, tenho visto que isso não é retórica.

Ciência & Comunicação; Fale um pouco sobre o projeto de divulgação científica da UNESP.

Maurício Tuffani: Nossa prioridade até agora, desde o início do ano passado, tendo em vista a limitação de recursos e de pessoal, foi a de promover as mudanças editoriais de modo a otimizar nossos veículos de comunicação. E muitas dessas mudanças foram feitas com consultas via e-mail à comunidade. Tenho receio do utilitarismo empreendedorista na área de comunicação, mas tenho também horror a projetos que ficam sendo gestados e não saem do papel e, muitas vezes, acabam servindo de álibi para a inércia na área pública. Comunicação é uma atividade que exige resultados palpáveis. Nosso objetivo inicial com essas mudanças foi fazer a comunidade unespiana sentir que existe mais espaço para a divulgação do que aquele com que ela estava acostumada. Isso tem motivado professores e funcionários a nos procurar cada vez mais para apresentar sugestões. Agora, a partir do segundo semestre deste ano, teremos a atualização de bancos de dados de algumas pró-reitorias, e, com isso, poderemos finalmente elaborar um projeto de comunicação baseado no aproveitamento desses recursos.

Ciência & Comunicação: O trabalho de divulgação científica na imprensa deveria ser privativo dos profissionais de imprensa?

Maurício Tuffani: Há muitos bons exemplos de colaboração por parte de pesquisadores na divulgação científica. Tive satisfação de atuar como editor das primeiras colunas, na "Folha de S. Paulo", do físico Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College (Estados Unidos), e, na revista "Galileu", da bióloga Andrea Kauffmann-Zeh, na época editora da revista "Nature" (Reino Unido). Esse tipo de colaboração deve ser estimulado, pois geralmente agrada os leitores ao ponto de estimular muitos jovens a seguir a carreira científica. Há especialistas que possuem um talento especial para mostrar temas científicos de uma forma muito atrativa para o nosso público, E é importante lembrar que muitas obras científicas importantes foram elaboradas com a finalidade da divulgação científica, e um dos melhores exemplos é "A Origem das Espécies", de Charles Darwin. Mas essa colaboração não deve ser confundida com o jornalismo, pois há muitos veículos que negligenciam a cobertura jornalística de ciência e largam esse tema na mão, oumelhor, na coluna fixa de algum especialista.

Ciência & Comunicação: Em que medida a Internet contribuiu para o trabalho da divulgação científica? (Fale livremente sobre isso, apontando vantagens e desvantagens.)

Maurício Tuffani: Sou extremamente desconfiado do otimismo em torno das novas tecnologias, mas não há como deixar de reconhecer que hoje é muito mais fácil e mais rápido ter acesso a papers de pesquisadores antes de entrevistá-los, a seus currículos e a informações de contexto que antes exigiam muito mais tempo e trabalho. Muitos pesquisadores, principalmente de outros países, sentem-se mais à vontade ao dar entrevistas por e-mail em um primeiro contato. Sem falar nas facilidades na obtenção de imagens. As desvantagens ligadas à internet no trabalho jornalístico (não estou me referindo aos problemas relacionados à crise da mídia) são decorrentes muito mais do seu uso inadequado do que dela própria. Em primeiro lugar, é preciso usar o computador e a web de modo a otimizar o trabalho de checagem, verificação e interpretação de informações, pois nessas atividades e no compromisso com o interesse público é que está a essência do jornalismo. Os jornalistas de qualquer área precisam ter discernimento no uso das informações que recebem, devem distribuir o tempo gasto com leitura e resposta a mensagens e aprender a selecionar e usar os bancos de dados disponíveis. Mas sem esquecer que o uso cego do instrumento instrumentaliza o próprio usuário. Cada vez me convenço mais de que a metáfora do fruto proibido da sabedoria foi criada por algum poeta, mas acabou sendo impregnada pela idéia de pecado em uma versão para consumo popular.

Se me permite pegar um gancho nesse aspecto e extrapolar um pouco,acho muito importante ressaltar uma grave tendência do noticiário deciência, tecnologia, saúde e também de meio ambiente, que é o enfoque no exotismo, no bucolismo e no afã da "boa notícia". Não só para os "cabeças de planilha", mas também para muitos editores, parece muitas vezes que as reportagens dessas áreas têm a finalidade de servir como a sobremesa do cardápio indigesto do noticiário. Isso acaba desestimulando o trabalho investigativo, que é obrigação da imprensa.

 

 
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