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Jornalismo Científico , Ciência
e poder: dialogando com Maurício Tuffani
A relação complicada mas
real entre ciência e poder, a discutível neutralidade
na ciência , a ação dos interesses comerciais
e políticos na produção da ciência
e da tecnologia e no processo de divulgação científica
são alguns dos temas candentes desta entrevista com Maurício
Tuffani, jornalista com longa e bem sucedida trajetória
no jornalismo científico brasileira. Tuffani fala também
do projeto de divulgação científica da UNESP
e do papel dos pesquisadores na democratização do
conhecimento científico, em particular na mídia.
Maurício
Tuffani é assessor de Comunicação e Imprensa
da Reitoria da UNESP (Universidade Estadual Paulista) desde fevereiro
de 2005. Foi editor-executivo dos portais PNUD Brasil e Nações
Unidas no Brasil, editor-chefe da revista Galileu, editor e repórter
de ciência da Folha de S. Paulo e colaborador de diversos
veículos. Atuou também no Instituto Florestal da
Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, na
Câmara dos Deputados e na Assembléia Nacional Constituinte.
Foi professor convidado do Laboratório de Estudos Avançados
de Jornalismo Científico da UNICAMP e do Núcleo
José Reis de Divulgação Científica
da USP. Iniciou no jornalismo em 1978 como revisor dos jornais
"O Estado de S. Paulo" e "jornal da Tarde".
Lecionou matemática e física no ensino médio
e iniciou os cursos de Matemática e de Filosofia na USP.
Ciência & Comunicação:
É comum que a imprensa contemple a ciência e a tecnologia
e a própria divulgação científica
como áreas neutras, associando-as ao talento humano e ao
progresso. Esta é uma decisão correta?
Maurício Tuffani:
Essa é uma atitude comum e não a considero correta,
mas muitas vezes me vejo discordando da maioria dos que têm
esse mesmo julgamento. Esse é um tema que precisa ser considerado
sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, ele envolve o próprio
jornalismo e seus princípios. Sem o menor receio de ser
injusto, tenho afirmado que a cobertura da imprensa sobre a ciência
e a tecnologia está entre aquelas que mais deixam de cumprir
dois preceitos jornalísticos básicos: buscar sempre
o contraditório e promover o amplo debate de idéias.
Apesar de os pesquisadores citarem em seus trabalhos científicos
os estudos com conclusões diferentes até mesmo antagônicas
às suas, geralmente as reportagens sobre suas pesquisas
não mostram que existem outras visões sobre o mesmo
tema. A informação que acaba chegando ao leitor,
ouvinte ou telespectador é mostrada como uma verdade absoluta.
Desse modo, o papel do jornalista que cobre ciência acaba
sendo, na maior parte das vezes, equivalente a um mero trabalho
de relações públicas.
É importante ressaltar que
essa tendência que tenho apontado com insistência
no chamado jornalismo científico é anterior a toda
essa crise que passou a assolar a imprensa no mundo, como vem
sendo observado por muitos media watchers e como mostraram, no
caso da imprensa norte-americana, os relatórios "The
State of the News Media" de 2004, 2005 e 2006, do Projeto
Excelência no Jornalismo, da Escola de Jornalismo da Universidade
Columbia, de Nova York. Esses três estudos, baseados em
pesquisas de campo, deixaram muito claras duas tendências.
A primeira que eu destaco é a de que a maior parte das
atividades da imprensa tem se concentrado muito mais na distribuição
de informações do que na produção.
A outra tendência é a de que mesmo entre os que se
dedicam à produção, há uma ênfase
crescente na veiculação de informação
bruta, primária, declaratória, em detrimento da
elaboração de matérias a partir de verificação,
checagem e de contraponto de informações primárias.
Portanto, o que faço questão de deixar muito claro,
é que no chamado jornalismo científico a tendência
do jornalismo declaratório e que renuncia à checagem,
à verificação e ao contraditório é
anterior à crise de valores atual da imprensa.
Em segundo lugar, a pergunta envolve
também o tema espinhoso da relação entre
a ciência e o poder. Digo que é espinhoso porque
existe uma polarização acirrada entre, por um lado,
os que acreditam que a ciência é condicionada por
fatores políticos, econômicos e sociais, e, por outro
lado, aqueles que discordam dessa concepção. De
minha parte, vejo muitos equívocos dos dois lados dessa
polêmica. Curiosamente, é muito difundida a idéia
de que essa polarização tenha correspondência
com a que existe na política entre a esquerda e a direita,
de modo que a esquerda seria favorável à crença
no condicionamento político, econômico e social da
ciência, e, a direita, não. Mas isso não é
verdade: é um homem de esquerda o próprio Alan Sokal,
o físico norte-americano que, com seu colega belga Jean
Bricmont, lançou o livro "Imposturas Intelectuais:
O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos";
por outro lado, chegou a se declarar partidário do nazismo,
ainda que por um curto período, o filósofo alemão
Martin Heidegger, que escreveu alguns dos textos mais contundentes
até hoje escritos contra a pretensão de neutralidade
da ciência e da técnica.
O tema da relação
entre ciência e poder, na minha visão, exige uma
abordagem histórica e filosófica e também
familiaridade com a linguagem, os métodos e a prática
da ciência. Mas, a fim de não perder o foco desta
entrevista, limito-me a observar apenas dois pontos. O primeiro
se refere à abordagem da maior parte daqueles para os quais
a ciência é determinada pelo poder, descambando ora
para gráficos e planilhas de investimentos em pesquisas,
ora para um marxismo mecanicista, que leva a ferro e fogo a frase
"Não é a consciência dos homens que determina
o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina
sua consciência", dita por Marx em "Para a Crítica
da Economia Política". Esse caminho é conceitualmente
pobre, pois cai num determinismo do qual o próprio Marx
se resguardou cuidadosamente em alguns de seus textos mais lúcidos
e menos panfletários, como esse já citado, a "Crítica
da Filosofia do Direito de Hegel" e "O Dezoito Brumário
de Luís Bonaparte".
O outro ponto se refere justamente
a um aspecto que esse determinismo não consegue apreender,
que é a fetichização do método. Trata-se
da tradição cartesiana, que faz com que até
mesmo esquerdistas acreditem na preponderância absoluta
da Razão. Com base nessa visão de mundo, as mudanças
na ciência seriam, portanto, decorrentes de processos absolutamente
racionais. Muitas controvérsias rolaram sobre isso na filosofia.
Mas, com prometi fugir dessa esfera, vale a pena observar que
passados 41 anos desde seu lançamento, o livro "A
Estrutura das Revoluções Científicas",
de Thomas Kuhn jamais teve uma refutação de seus
argumentos essenciais (Sokal e Bricmont o criticaram, mas cometeram
sérios enganos de interpretação e se concentraram
em detalhes não relevantes). E uma das principais teses
de Kuhn é a de que nas comunidades de especialistas, diante
de dados experimentais que contradizem teorias bem-sucedidas,
prevalece por muito tempo a tendência de manter intacto
o modelo de ciência compartilhado (paradigma) e de elaborar
gambiarras explicativas, que ele chama de anomalias. É
nesse ponto que muitos pesquisadores se manifestam com indignação,
afirmando que Galileu precisou encarar a Inquisição
e coisas do tipo. Mas o que Kuhn afirma, e com muitos exemplos
históricos, é que naquilo que ele chama de "ciência
normal", essas anomalias são longamente toleradas;
mas a situação de "ciência em crise"
só é reconhecida depois de muito tempo de infestação
por anomalias (sempre acompanhado da morte de gerações
de defensores do paradigma bichado); e somente depois a formulação
de um novo paradigma e aceita, e isso pode demorar ainda mais.
O importante, nisso tudo, é que a tolerância à
infestação de anomalias não foi um processo
guiado pela Razão, mas sim por fatores externos a ela.
Mas se esse tema não faz
parte do dia-a-dia da grande e ampla maioria dos cientistas, muito
menos ele tem a ver com o cotidiano dos jornalistas. Em outras
palavras, mesmo entre os menos numerosos jornalistas que cobrem
ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente atentos
à necessidade de verificação, checagem e
de contraponto (e que, portanto, não se enquadram no problema
apontado no primeiro aspecto que menciono nesta resposta,), existe
pouca abertura para uma ampla contextualização,
inclusive histórica, de temas complexos e polêmicos,
como é o caso dos transgênicos. Esse é um
assunto que tem sido prejudicado na mídia pelos dois pólos
antagônicos, os favoráveis e os contrários,
gerando uma guerra de desinformação. Excetuando-se
aqueles que buscam um confronto efetivo de opiniões e aqueles
que fazem a mera consulta protocolar aos dois lados, temos posições
diversas que oscilam no espectro entre o extremo da torcida otimista
pelo fim dos "entraves obscurantistas ao progresso",
e, na outra ponta, a reação apocalíptica
ao "mal da tecnociência dominada pelas grandes corporações".
No caso específico dos transgênicos,
minha impressão com relação à ação
na mídia dos formadores de opinião dos dois pólos
é a de que os contrários aos OGMs tendem cada vez
mais a levar desvantagem não só por disporem de
menos recursos financeiros, mas também por serem mais rígidos
e binários em sua percepção das opiniões
da sociedade. É como se a maior parte deles tivesse apenas
duas caixinhas para enquadrar as pessoas, e isso dificulta a adoção
de estratégias e táticas de ataques pelos flancos.
Ciência & Comunicação:
Em que medida os fatores políticos, econômicos, comerciais
podem comprometer a divulgação científica?
Maurício Tuffani:
A pergunta exige, de início, um certo cuidado com a expressão
"divulgação científica". Sob esse
guarda-chuva temos não só o jornalismo, mas também
outras atividades, como a de relações públicas,
assessoria de imprensa, publicidade e educação científica.
Não me considero habilitado para falar sobre a produção
de material de divugação educativo. No entanto,
nas demais áreas citadas, observo que somente o jornalismo
possui uma deontologia explícita e inequivocamente vinculada
ao interesse público, que é diametralmente oposto
aos interesses privados, estes sim, ligados aos fatores políticos,
econômicos e comerciais.
É claro que nem toda atividade
de assessoria de imprensa e de RP é destituída de
interesse público, da mesma forma que o jornalismo não
é garantia nenhuma de defesa do interesse público.
No entanto, entre outros aspectos, o jornalismo se diferencia
dessas outras atividades pelo fato de que seu "ethos"
permite a cobrança de atitudes em prol do interesse público.
Não se pode censurar um assessor de imprensa ou um relações-públicas
por não ter feito um material de divulgação
crítico, considerando os pontos de vista contrários
aos de sua instituição. Mas o jornalista pode e
deve ser inquirido se não levar em conta os dois ou mais
lados envolvidos em uma questão.
É importante ressaltar e
deixar bem claro claro que estou me referindo à cobertura
jornalística de temas de ciência, tecnologia, saúde
e meio ambiente sensíveis às esferas políticas,
econômicas e comerciais, e não a todas as notícias
dessas áreas. Portanto, trocando, na pergunta em pauta,
"divulgação científica" por "jornalismo
científico" (expressão que me soa mal), respondo
que este tem um risco bem maior de ser comprometido por fatores
políticos, econômicos e comerciais do que muitas
outras áreas do jornalismo.
Mesmo levando em conta uma das
principais tendências do jornalismo norte-americano apontadas
pelo já citado relatório "The State of the
News Media 2005", que foi reforçada na versão
de 2006: a crescente influência de interesses governamentais,
políticos, empresariais e classistas na agenda geral da
imprensa, em detrimento do espaço dos jornalistas para
negociação de pautas e de espaço. Um detalhe
importante: esses estudos se referem à mídia norte-americana,
mas podemos certamente aceitar suas conclusões como válidas
para muitos países, inclusive europeus, na medida em que,
mesmo sem se basear em pesquisas de campo, vários teóricos
da comunicação e "media watchers" europeus
já vinham detectando muitas dessas tendências em
seus países nos anos 90.
Em outras palavras, afirmo que,
apesar de a influência de interesses privados na agenda
da imprensa ser uma tendência de todas áreas do jornalismo,
a cobertura jornalística de ciência é muito
mais vulnerável a essa influência justamente porque
há muito tempo ela tem se destacado na ausência do
contraditório e no desrespeito ao preceito profissional
básico de promover o debate de idéias. Muito antes
de a ovelha Dolly ter sido clonada pelo Instituto Roslin, na Escócia,
várias instituições ligadas à pesquisa
científica, principalmente laboratórios das insdústrias
farmacêuticas, aprenderam a clonar seus press releases no
noticiário internacional.
Tamanho foi esse aprendizado por
parte das instituições ligadas à pesquisa
científica, que as principais revistas científicas
do mundo passaram a ter nos últimos anos uma nova função,
além de fazer a comunicação de estudos científicos
entre cientistas: elas passaram a ser usadas para pautar a mídia.
Nesse processo, as duas revistas científicas mais importantes,
a norte-americana "Science" e a britânica "Nature",
tornaram-se mais tolerantes ao uso de metáforas em seus
textos. Em sua tese de doutorado "Biologia total: Hegemonia
e informação no genoma humano", na área
de sociologia da ciência, defendida no ano passado na Unicamp,
o jornalista Marcelo Leite mostrou que essas duas publicações
usaram e abusaram não só de metáforas, mas
também de hipérboles no episódio da divulgação
dos resultados governamentais e privados do mapeamento do genoma
humano em fevereiro de 2001. Só depois de assinarem o apoio
de seus governos, o presidente norte-americano Bill Clinton e
o primeiro-ministro britânico Tony Blair descobriram que
não seria tão rápida a realização
das promessas dos cientistas de curas milagrosas do câncer,
diabetes e outras doenças. Enfim, a manipulação
da imprensa serve até para manipular os poderosos.
Ciência & Comunicação:
Nos centros geradores de C & T (universidades e institutos
depesquisa), as relações pessoais e de poder interferem
no processo de divulgação científica?
Maurício Tuffani:
Mantive até há alguns anos contatos com assessorias
de imprensa de instituições de outros países.
Sempre me impressionou a eficiência e o profissionalismo
nessa área de entidades do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Aqui no Brasil, instituições dessa área começaram
a dar mais atenção para a divulgação
científica, e suas equipes de comunicação
já começam a se mostrar mais voltadas para essa
atividade do que simplesmente para o assessoramento dos seus dirigentes.
Sobre as interferências, há dois aspectos a considerar.
Primeiramente, não acredito em imunidade total a relações
pessoais e de poder, mas é preciso que haja um mínimo
de salvaguardas contra elas, e isso tem de ser uma decisão
institucional muito clara. E, em segundo lugar, meu receio com
relação a este assunto é o de se perder muito
mais tempo e energia com as salvaguardas do que com o objetivo
da divulgação.
Prefiro não citar exemplos,
mas, como repórter, muitas vezes estive em contato com
assessorias que pareciam estar o tempo todo pisando em ovos, mais
preocupadas com o que não deveriam fazer do que com o que
deveria ser feito. Eu não gasto tempo, energia nem neurônios
com isso.
Ciência & Comunicação:
O sigilo e o controle da informação , movidos por
interesses comerciais (dos patrocinadores dos projetos de pesquisa)
têm aumentado nos últimos anos, penalizando a divulgação
científica e a circulação de informações?
Maurício Tuffani:
Existem pesquisas promovidas por grandes empresas para consumo
interno. No entanto, não creio que deve ser algo muito
expressivo numericamente, pois isso joga contra o marketing pessoal
dos cientistas e, portanto, exigiria altíssimas compensações
financeiras, sempre sob o grande risco de o sigilo poder ser quebrado.
Não tenho conhecimento de fontes de dados sobre sigilo
ou controle da informação dos projetos de pesquisa.
Um dado positivo é que algumas agências financiadoras
e muitas sociedades científicas nos Estados Unidos e na
Europa implantaram a obrigatoriedade da "declaração
de situação em relação a conflitos
de interesse". Os autores de estudos são obrigados
a dizer se têm ou se não têm relações
financeiras ou qualquer outras que possam levantar suspeita de
interferência nas conclusões dos trabalhos. Nesse
esquema, não dá para não dizer nada e ficar
"na moita". Parece que essa é uma tendência
crescente. Aqui no Brasil, o último caso que deu encrenca
de repercussão na imprensa, se eu não estiver enganado,
foi o de um pesquisador que recebeu suporte do governo para fazer
um estudo sobre efeitos do amianto em mineradores, mas stava sendo
bancado também pela empresa diretamente interessada.
Ciência & Comunicação:
Existem pressões nos veículos para que a divulgação
científica faça concessões aos lobbies dos
anunciantes? O jornalista científico tem autonomia para
pautar as matérias mesmo quando estão em jogo os
interesses dos anunciantes?
Maurício Tuffani:
Nunca trabalhei sob esse tipo de pressão, mas já
tive muitas informações de como isso acontece em
muitos veículos. Na Editora Globo, em 2002, quando eu era
ediotr-chefe da revista "Galileu", pautei a jornalista
Giovana Girardi para viajar ao Sul de Minas e ao Rio Grande do
Sul para apurar os casos de suicídios de agricultores em
culturas de fumo, tomate, morango e outras que usavam determinados
tipos de agrotóxicos. Ela esteve em cartórios e
constatou índices de suicídios muito superiores
aos aceitáveis por padrões epidemiológicos
internacionais. Entrevistou especialistas, ouviu todo mundo. Quando
estávamos fechando a edição, fomos informados
pela área comercial que uma empresa do ramo agroquímico
iria comprar um reparte adicional da edição e que
isso daria uma boa receita. Metemos uma caveira na capa, e ninguém
falou nada. Seguiu desse jeito. Atualmente, um dos fatores que
mais prejudicam a imprensa nas decisões sobre conteúdo
editorial é o excesso de executivos de negócios,
que acreditam que entendem do assunto. No caso de muitos dos veículos
que trabalham com ciência, isso é uma catástrofe,
pois, com a contenção cada vez maior de despesas,
não se fazem pesquisas de mercado sobre esses nichos, e
os executivos acabam forçando decisões com base
em clichês, estereótipos, palpites de sobrinhos e
outras bobagens.
Mas a pergunta toca no tema da
autonomia jornalística face aos interesses dos anunciantes.
Temos visto "media watchers" apontar casos de veículos
que coincidentemente fizeram matérias nas áreas
de política e de economia desprovidas de contrapontos em
temas muito polêmicos relativos a governos patrocinadores
de obesos encartes publicitários. Deu para se pressupor
que a porta da rua seria serventia da redação no
caso de atrevidos que pretendessem brincar de jornalismo. A menos
que eu esteja gravemente esquecido de algum caso do tipo em ciência,
não me parece ser essa uma prática comum nessa área.
Ciência & Comunicação:
Descreva a estrutura de comunicação da UNESP e a
percepção da universidade com respeito à
divulgação científica (comprometimento das
fontes, nível de prioridade, proposta de trabalho etc).
Maurício Tuffani:
Somos a menor equipe de imprensa das três universidades
estaduais paulistas, com dificuldades específicas, a começar
pelo aspecto geográfico: 33 escolas distribuídas
por 23 cidades do Estado de São Paulo. Contando comigo,
que uso grande parte de meu tempo em reuniões e em atividades
administrativas, somos apenas oito jornalistas para fazer tudo:
o "Jornal da Unesp", as notícias do "Portal
Unesp", o "Clipping Unesp" e o atendimento à
imprensa. A percepção que a comunidade universitária
tem é a de que sua visibilidade pública está
muito aquém de sua produção acadêmica.
Comecei a trabalhar lá em fevereiro de 2005 e a diretriz
do novo reitor, professor Marcos Macari, foi a de promover uma
comunicação voltada para a divulgação
científica, para visibilidade pública e a transparência
do trabalho da Universidade, além de promover o debate
sobre temas importantes. Incomodava-o o tom oficialista da comunicação.
Acabamos com aquele monte de fotos de gente atrás de mesa
em cerimônia ou assinando papéis. Às vezes
isso é inevitável por causa da dificuldade em obter
imagens ou até mesmo por causa da importância de
determinados eventos.
Mas o reitor quer que apareçam
mais os professores, funcionários e alunos, e sempre pede
moderação no uso de imagens de dirigentes, principalmente
a dele. Com a dinamização da estrutura de notícias
do "Portal Unesp" e simples alterações
na pauta do "Jornal Unesp", que ficou muito menos "política"
e mais voltada para a pesquisa, ensino e extensão, ampliamos
facilmente a divulgação do trabalho da Universidade.
Nossa grande dificuldade é a restrição de
recursos, pois esta é uma gestão que está
concentrada no desafio de preservação da qualidade
acadêmica e do equilíbrio financeiro e orçamentário.
E, acompanhando de perto o trabalho da administração,
tenho visto que isso não é retórica.
Ciência & Comunicação;
Fale um pouco sobre o projeto de divulgação científica
da UNESP.
Maurício Tuffani:
Nossa prioridade até agora, desde o início do ano
passado, tendo em vista a limitação de recursos
e de pessoal, foi a de promover as mudanças editoriais
de modo a otimizar nossos veículos de comunicação.
E muitas dessas mudanças foram feitas com consultas via
e-mail à comunidade. Tenho receio do utilitarismo empreendedorista
na área de comunicação, mas tenho também
horror a projetos que ficam sendo gestados e não saem do
papel e, muitas vezes, acabam servindo de álibi para a
inércia na área pública. Comunicação
é uma atividade que exige resultados palpáveis.
Nosso objetivo inicial com essas mudanças foi fazer a comunidade
unespiana sentir que existe mais espaço para a divulgação
do que aquele com que ela estava acostumada. Isso tem motivado
professores e funcionários a nos procurar cada vez mais
para apresentar sugestões. Agora, a partir do segundo semestre
deste ano, teremos a atualização de bancos de dados
de algumas pró-reitorias, e, com isso, poderemos finalmente
elaborar um projeto de comunicação baseado no aproveitamento
desses recursos.
Ciência & Comunicação:
O trabalho de divulgação científica na imprensa
deveria ser privativo dos profissionais de imprensa?
Maurício Tuffani:
Há muitos bons exemplos de colaboração por
parte de pesquisadores na divulgação científica.
Tive satisfação de atuar como editor das primeiras
colunas, na "Folha de S. Paulo", do físico Marcelo
Gleiser, professor do Dartmouth College (Estados Unidos), e, na
revista "Galileu", da bióloga Andrea Kauffmann-Zeh,
na época editora da revista "Nature" (Reino Unido).
Esse tipo de colaboração deve ser estimulado, pois
geralmente agrada os leitores ao ponto de estimular muitos jovens
a seguir a carreira científica. Há especialistas
que possuem um talento especial para mostrar temas científicos
de uma forma muito atrativa para o nosso público, E é
importante lembrar que muitas obras científicas importantes
foram elaboradas com a finalidade da divulgação
científica, e um dos melhores exemplos é "A
Origem das Espécies", de Charles Darwin. Mas essa
colaboração não deve ser confundida com o
jornalismo, pois há muitos veículos que negligenciam
a cobertura jornalística de ciência e largam esse
tema na mão, oumelhor, na coluna fixa de algum especialista.
Ciência & Comunicação:
Em que medida a Internet contribuiu para o trabalho da divulgação
científica? (Fale livremente sobre isso, apontando vantagens
e desvantagens.)
Maurício Tuffani:
Sou extremamente desconfiado do otimismo em torno das novas tecnologias,
mas não há como deixar de reconhecer que hoje é
muito mais fácil e mais rápido ter acesso a papers
de pesquisadores antes de entrevistá-los, a seus currículos
e a informações de contexto que antes exigiam muito
mais tempo e trabalho. Muitos pesquisadores, principalmente de
outros países, sentem-se mais à vontade ao dar entrevistas
por e-mail em um primeiro contato. Sem falar nas facilidades na
obtenção de imagens. As desvantagens ligadas à
internet no trabalho jornalístico (não estou me
referindo aos problemas relacionados à crise da mídia)
são decorrentes muito mais do seu uso inadequado do que
dela própria. Em primeiro lugar, é preciso usar
o computador e a web de modo a otimizar o trabalho de checagem,
verificação e interpretação de informações,
pois nessas atividades e no compromisso com o interesse público
é que está a essência do jornalismo. Os jornalistas
de qualquer área precisam ter discernimento no uso das
informações que recebem, devem distribuir o tempo
gasto com leitura e resposta a mensagens e aprender a selecionar
e usar os bancos de dados disponíveis. Mas sem esquecer
que o uso cego do instrumento instrumentaliza o próprio
usuário. Cada vez me convenço mais de que a metáfora
do fruto proibido da sabedoria foi criada por algum poeta, mas
acabou sendo impregnada pela idéia de pecado em uma versão
para consumo popular.
Se me permite
pegar um gancho nesse aspecto e extrapolar um pouco,acho muito
importante ressaltar uma grave tendência do noticiário
deciência, tecnologia, saúde e também de meio
ambiente, que é o enfoque no exotismo, no bucolismo e no
afã da "boa notícia". Não só
para os "cabeças de planilha", mas também
para muitos editores, parece muitas vezes que as reportagens dessas
áreas têm a finalidade de servir como a sobremesa
do cardápio indigesto do noticiário. Isso acaba
desestimulando o trabalho investigativo, que é obrigação
da imprensa.
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