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Jornalismo
Científico e Sociedade: conversando com Luisa Massarani
Luisa Massarani é
jornalista especializada em ciência e tecnologia. Mestre
em ciência da informação pelo IBICT/UFRJ e
doutora pelo Departamento de Bioquímica Médica/UFRJ.
Coordena o Centro de Estudos do Museu da Vida (www.museudavida.ufrj.br),
ligado à Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, e portal latino-americano
de SciDev.Net (www.scidev.net).
Conjuga atividades práticas e de pesquisa, tem como linhas
de estudo a história da divulgação científica
no Brasil, aspectos contemporâneos da divulgação
científica no Brasil e percepção pública
da genética.
Ciência & Comunicação:
Há quem defenda que os centros geradores de C & T (universidades,
empresas e institutos de pesquisa), com raras exceções,
não têm uma cultura de comunicação.
Baseada na sua experiência, você concorda com essa
afirmação? Se sim, arriscaria alguns motivos pelos
quais isso acontece? Se não, justifique, por favor.
Luisa Massarani:
Eu arriscaria dizer que a afirmação é correta.
Os centros geradores de C&T ainda estão bastante tímidos
no que se refere a criar estratégias de comunicar temas
de ciência e tecnologia para o público geral. Isto,
em geral, é feito mais por indivíduos que por razões
diversas buscam fazer divulgação científica
– e menos por um esforço institucional.
Em parte,
creio que isto é conseqüência de uma questão
cultural mais ampla. O sistema de C&T brasileiro, neste presente
momento, não valoriza a divulgação científica.
O mesmo não ocorreu em outros momentos da história
da ciência brasileira. Na década de 20, por exemplo,
a comunidade científica usou a divulgação
científica como uma ferramenta importante para consolidar
a comunidade científica – ainda embrionária
na época – e seus interesses. A boa notícia
é que creio que a comunidade científica e o sistema
de C & T de uma maneira geral está mais sensível
à divulgação científica do que há
20 anos. No que se refere especificamente à relação
desses centros geradores de C&T com a imprensa, creio que
ainda precisamos incrementar o papel dos assessores de imprensa.
Alguns desses centros já possuem assessores de imprensa,
mas a grande maioria não. E muitas vezes a assessoria de
imprensa não tem agilidade para responder prontamente a
demanda.
Ciência & Comunicação:
A cobertura de C & T, levando em conta a grande imprensa,
tem, a seu ver, melhorado, ou seja, a qualificação
das informações em C & T na mídia tem
estado num atamar superior ao que se encontrava há, por
exemplo, 5 anos?
Luisa Massarani: Esta é
uma pergunta perigosa... Em termos numéricos, o que observamos
é um aumento substancial de notícias de C &
T inclusive em espaços não diretamente relacionados
com C & T, como quadrinhos, crônicas etc. Se entendemos
divulgação científica de uma forma mais ampla,
com seu potencial de despertar o interesse das pessoas por temas
de C & T e de colocar em debate temas de C & T –
em contraposição a fornecer conteúdos específicos
de C &T –, creio que a grande imprensa tem feito um
trabalho importante. Por outro lado, em particular na grande imprensa
observa-se a retirada de atores importantes do jornalismo científico.
Os atuais jornalistas são, em muito casos, menos preparados
e têm capacidade mais reduzida de colocar a C &T em
discussão de forma mais interessante, menos contemplativa,
mais crítica, mais incorporada a cultura.
Ciência & Comunicação:
Como avalia a incidência de interesses extracientificos
na produção de C& T e, sobretudo, na divulgação
em C & T? O Jornalismo Científico sofre alguma ameaça
real, hoje em dia, do marketing da ciência? Ele anda refém
das fontes ou tem assumido uma postura crítica?
Luisa Massarani: O jornalismo
científico praticado em nosso país – e em
outros países – ainda é muito contemplativo
e, digamos, entusiasmado com as maravilhas da ciência. O
papel do jornalista científico, a meu ver, não é
ser porta-voz da comunidade científica. O jornalista científico
tem voz própria e deve usá-la. Isto não quer
dizer que estamos aqui para malhar a C & T. Creio que nenhum
de nós tem dúvidas de que a ciência e a tecnologia
têm um papel fundamental no desenvolvimento do país.
Mas devemos discutir de forma mais aprofundada o impacto da C
& T na sociedade. Outro ponto importante é a ausência
de questões de C & T relacionadas ao nosso país
e ao nosso continente. Publicamos muitas vezes questões
irrelevantes só porque tem o aval de uma universidade norte-americana
ou européia, em detrimento a nossos próprios interesses
e necessidades. Neste sentido, creio que os serviços de
notícias como os criados pelas revistas Nature, Jama e
Science têm um efeito colateral que deve ser considerado.
Por um lado, veiculam informações importantes que
passaram por um processo de peer-review, que, embora não
infalível, dá uma qualidade razoável ao material.
Por outro lado, estimula a preguiça dos jornalistas (que
passam a contar com um material razoavelmente confiável
em mãos) e, ainda, deixa de lado questões nacionais
e regionais.
Ciência & Comunicação:
A Internet tem, efetivamente, propiciado alternativas novas em
termos de divulgação de C & T ou ela apenas
tem reproduzido as experiências tradicionais em outro formato?
Que aspectos aponta como relevantes na divulgação
científica via Web? Que experiências destaca como
referência na Web?
Luisa Massarani: A Internet
é uma ferramenta fundamental tanto para a divulgação
científica como para o trabalho do jornalista especializado
em ciência e tecnologia. Para a divulgação
científica, é uma ferramenta a mais que o público
pode acessar – e em várias línguas. Para o
trabalho do jornalista especializado em ciência e tecnologia
também foi uma mudança importante. Hoje, conseguimos
rapidamente checar informações em sites confiáveis
ou por email, particularmente se somos capazes de ler textos em
outras línguas. Além disto, é possível
fazer uma reportagem séria e aprofundada unindo depoimentos
de especialistas de vários países. Isto é
particularmente interessante quando observamos que, por questões
culturais, cientistas dos Estados Unidos e eventualmente de países
europeus respondem muito mais rapidamente a mensagens que cientistas
brasileiros. Mas a Internet não é a panacéia
que muitos esperavam. Ela não vai resolver os problemas
e desafios enormes que enfrentamos para superar as desigualdades
sociais ou para democratizar amplamente a informação.
A Internet é uma ferramenta fundamental para a divulgação
científica e deve ser usada em associação
com os demais instrumentos, considerando-se suas vantagens e desvantagens.
Ciência & Comunicação:
O Governo Lula está, diferentemente dos governos anteriores,
buscando priorizar o processo de divulgação científica
e, por conseguinte, o processo de democratização
do conhecimento científico. Esta percepção
é correta? Em que medida observa uma maior disposição
e vontade política por parte do Governo para contribuir
com o incremento da massa crítica no Jornalismo Científico
e na Divulgação Científica?
Luisa Massarani: O Governo
Lula está, sem dúvida, fazendo um trabalho importante
na área de divulgação científica.
A criação de um departamento voltado para esta área
dentro do Ministério de Ciência e Tecnologia é
um símbolo disto. É também emblemática
a criação da Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia, que reúne este outubro pelo menos 1.400 atividades
em todo país. Observamos também, desde o ano passado,
uma alocação maior de recursos para a área.
Mas é apenas o início. Precisamos de um esforço
governamental mais intenso e sistemático nesta área.
Ciência & Comunicação:
Quais os principais desafios do Jornalismo Científico brasileiro
e qual o papel a ser desempenhado pelas escolas de Jornalismo
para superá-los? Jornalismo Científico se aprende
na escola?
Luisa Massarani: Em minha
avaliação, o principal desafio do jornalismo científico
é encontrar seu seu próprio espaço e papel.
Como mencionei antes, não acredito que sejamos meramente
porta-voz da comunidade científica. Precisamos desenvolver
estratégias mais eficientes para colocar em debate temas
de C & T – o que não é tarefa fácil,
particularmente quando consideramos as limitações
intrínsecas da profissão, tais como tempo e espaço
reduzidos, incompreensão por parte do editor/chefe etc.
Sim, creio que Jornalismo Científico se aprende na escola...
mas entendo "escola" como algo muito amplo... É
muito comum no Brasil que os profissionais da divulgação
científica sejam muito "intuitivos", ou seja,
que vão fazendo conforme os desafios cotidianos. O que
defendo é que os jornalistas especializados em ciência
e tecnologia busquem refletir mais sobre sua prática profissional
e como aperfeiçoá-la. Isto não quer dizer
que todos os jornalistas especializados em ciência e tecnologia
devem ir para uma escola de jornalismo científico científico
ou necessariamente fazer mestrado ou doutorado. Acredito que devamos
ter, sim, uma escola de jornalismo científico, mas não
acho que deva ser obrigatória. O aperfeiçoamento
profissional pode ser feito de várias formas. Aliás,
uma de minhas tarefas a frente do Centro de Estudos do Museu da
Vida, ligado à Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, é buscar
ferramentas para tentar estimular o aperfeiçoamento profissional
de jornalistas especializados em ciência e tecnologia e
divulgadores de uma forma mais ampla. Isto pode ser feito de formas
variadas: palestras, cursos, livros, artigos e cursos formais
de mestrado e doutorado. Ressalte-se que justamente este mês
lançamos juntamente com Cornell University (Estados Unidos)
um curso de divulgação científica mundial,
cuja versão piloto será administrada simultaneamente
nos Estados Unidos, no Brasil (Fiocruz), na África do Sul
e no México. Usaremos tanto videoconferências como
palestras e aulas regionais, buscando atender às nossas
especificidades. Em breve, estaremos anunciando o curso, mas pessoas
interessadas podem entrar em contato comigo.
Ciência & Comunicação:
Há quem acredite que o processo de segmentação
da mídia , que conduz, por exemplo, a cadernos especializados,
como o de ciência, de alguma forma contribui para distanciar
os leitores não iniciados. Você é a favor
dos cadernos, dos programas especiais de ciência ou acredita
ser mais adequado integrar a cobertura de ciência à
pauta diária?
Luisa Massarani: Acho importante
as duas coisas. É importante ter cadernos/seções
specializadas em ciência e tecnologia, de forma a dar mais
ênfase à área e a uma equipe especializada,
bem como permitir que leitores interessados possam encontrar mais
facilmente seu nicho. Mas também é fundamental difundir
textos de ciência e tecnologia nas mais variadas editorias
(esportes, cadernos dedicados à mulher, cadernos dedicados
a crianças, quadrinhos etc.), atraindo também leitores
que dificilmente chegam às editorias de ciência.
Em levantamento que realizamos das matérias publicadas
na área de genética em 2000 e 2001, por exemplo,
identificamos matérias preciosas nas mais variadas editorias..
Ciência & Comunicação:
O jornalismo científico é (ou deve ser) uma tradução
para o leigo do discurso científico ou é um outro
discurso construído pelo jornalista ou comunicador da ciência?
O papel do jornalista científico é, sobretudo, o
de decodificador ou você vislumbra outra perspectiva para
o trabalho do profissional que divulga ciência?
Luisa Massarani: Acho limitada
a definição do jornalismo científico como
mera tradução para o leigo do discurso científico.
O jornalista não é um tradutor: ele é um
profissional que tem a imensa tarefa de instigar o debate, de
forma inteligente e crítica, sobre temas de ciência
e a tecnologia, em particular quando suas aplicações
têm impacto importante na sociedade.
Ciência & Comunicação:
Descreva, ainda que em poucas linhas, a sua experiência
no Museu da Vida da Fiocruz e no Scidev. ( Dê alguns dados
sobre o trabalho, o retorno do trabalho e , se houver novidades
que virão por aí, dê-nos algumas dicas.)
Luisa Massarani: Creio
que descrevi o trabalho na Fiocruz na pergunta 7. Reproduzo aqui:
"Aliás, uma de minhas tarefas a frente do Centro de
Estudos do Museu da Vida, ligado à Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz,
é buscar ferramentas para tentar estimular o aperfeiçoamento
profissional de jornalistas especializados em ciência e
tecnologia e divulgadores de uma forma mais ampla. Isto pode ser
feito de formas variadas: palestras, cursos, livros, artigos e
cursos formais de mestrado e doutorado. Ressalte-se que justamente
este mês lançamos juntamente com Cornell University
(Estados Unidos) um curso de divulgação científica
mundial, cuja versão piloto será administrada simultaneamente
nos Estados Unidos, no Brasil (Fiocruz), na África do Sul
e no México. Usaremos tanto videoconferências como
palestras e aulas regionais, buscando atender às nossas
especificidades. Em breve, estaremos anunciando o curso, mas pessoas
interessadas podem entrar em contato comigo." No SciDev.Net
(www.scidev.net),
coordeno o portal latino-americano. Essencialmente, meu trabalho
consiste em três frentes interligadas: produzir material
jornalístico sobre temas de C & T da América
Latina (tarefa na qual conto com uma rede de colaboradores free-lance);
buscar o maior número de parcerias possíveis em
divulgação científica; coordenar a realização,
em geral em estreita parceria com organizações regionais,
de encontros nos distintos países do continente, de forma
a colocar em debate os principais desafios da profissão,
bem como identificar atores importante na área no continente.
Neste sentido, estão previsto três encontros em 2005.
Um deles deve ser no México; outros dois estão em
fase final de discussão.
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