Objetivos
Identificar e descrever os elementos jornalísticos
básicos que compõem as páginas de opinião de 20 jornais importantes
brasileiros, ponderando a participação de cada um deles em
relação ao total.
Analisar, em função do leque temático e da dimensão
geográfica, os editoriais, as caricaturas e os artigos dos
colaboradores.
Mensurar a presença da mulher, enquanto leitora e produtora
de conteúdos, nas páginas de opinião, particularmente nas
cartas dos leitores e nos artigos dos colaboradores.
Analisar a temática geral das cartas dos leitores,
buscando compreender a repercussão de temas nacionais.
Analisar, nestes elementos, a presença explícita da
Ciência e Tecnologia, buscando entender a perspectiva dos
editorialistas, dos leitores (que interagem com o jornal através
de cartas e e-mails) e dos articulistas.
O que é uma página de opinião ou editorial?
Espaço formal, geralmente fixo, definido pelo veículo
para expressão ostensiva de suas posições. É evte que o jornal
filtra conteúdos externos e incorpora sua perspectiva em todo
o processo de produção do noticiário, mas a página de opinião
tem um peso editorial absolutamente inquestionável.
Ela incorpora, também, a posição de jornalistas/amigos
da " casa" , abre espaço para a interação com os
leitores, e estimula o debate de grandes temas locais e nacionais,
a partir de articulistas de prestígio.
Elementos básicos da página de opinião
Editorial
Cartas de Leitores
Charges/Caricaturas
Artigos/Crônicas de colaboradores
Expediente
Outros (frases, foto da semana etc)
Observações:
1) Apenas um jornal (Gazeta do Povo) cedeu espaço nestas páginas
para a veiculação de mensagens publicitárias;
2) Em poucos jornais, alguns desses elementos estiveram ausentes
das páginas de opinião (caricaturas ou cartas de leitores),
embora estivessem presentes em outros espaços dos mesmos veículos.
Hipóteses
A Política e a Economia são os temas majoritários nas
páginas de opinião, predominando nos editoriais, nas caricaturas,
nos artigos e nas cartas dos leitores.
Meio ambiente e violência são também temas importantes
para o "diálogo" jornal x leitor nas páginas de
opinião.
A interação do grupo de leitores com a redação dos
jornais, via cartas ou e-mail, é feita sobretudo pelos homens.
A mulher ocupa papel residual, enquanto produtora de
conteúdos opinativos formais na imprensa nacional.
Os temas nacionais prevalecem nos editoriais, nas caricaturas
e nos artigos dos colaboradores, mas perdem terreno na seção
Cartas de leitores para as questões de âmbito local.
A Ciência e a Tecnologia aparecem, ainda que timidamente,
nas páginas de opinião: mais nos editoriais e nos artigos
do que nas caricaturas (praticamente ausentes) e nas cartas
dos leitores.
Os temas da cobertura de Ciência e Tecnologia circunscrevem-se
a questões polêmicas do novo século (transgênicos, clonagem,
exclusão digital).
Necessariamente, a Ciência e a Tecnologia não são vistas
como indutoras do desenvolvimento.
Os homens monopolizam o debate e a reflexão sobre temas
de Ciência e Tecnologia.
Veículos analisados
A amostra analisada incluiu 20 jornais, de vários Estados
da Federação, a saber:
O Estado de S. Paulo
Folha de S. Paulo
Correio Popular (Campinas)
Diário do Grande ABC (Santo André)
Gazeta Mercantil
Valor Econômico
O Globo
Jornal do Brasil
Jornal do Commercio/RJ
Correio Braziliense
Zero Hora
Diário Catarinense
Estado de Minas
Gazeta do Povo / Curitiba
O Popular / Goiânia
O Povo / Fortaleza
Correio da Bahia
Jornal do Commercio/PE
O Liberal/Belém
A Crítica/Manaus
Observação: O Jornal Correio
da Bahia foi excluído da amostra porque não apresentava página
de opinião, inviabilizando, portanto, a análise.
Período analisado
O período analisado abrangeu 15 dias, tomando-se o
cuidado de incluir todos os dias da semana, variável que,
reconhecidamente, interfere na pauta dos jornais.
11 a 17 de junho de 2.001 ( 7 dias)
2 a 9 de julho de 2.001 (8 dias)
O período foi escolhido, por sorteio, entre as semanas
dos meses de junho a agosto de 2.001.
As páginas de opinião dos jornais escolhidos, no período
analisado, foram lidas integralmente, num total aproximado
de 275 exemplares. Só uma edição de um jornal (A Crítica)
não pode ser consultada porque não foi encontrada em São Paulo.
Etapas básicas do trabalho
Leitura e clipping das páginas de opinião
dos jornais
Classificação dos materiais a partir das categorias de análise
pré-estabelecidas.
Análise qualitativa e quantitativa dos elementos da página
de opinião, segundo as hipótéses centrais do trabalho
Análise particular da presença de C & T nas páginas de
opinião dos jornais.
Resultados principais
A página ( ou páginas de opinião) constitui-se num
espaço rigidamente formatado, que distribui, de maneira sistemática,
seu espaço pelos diversos elementos que a compõem. Predominam
o debate e a interação com a sociedade, ao invés da sua apropriação
pela direção do jornal.
A página de opinião é mais uma página de opiniões.
Os subtemas políticos e econômicos prevalecem, mas
em muitos jornais eles assumem focos ou buscam ganchos locais.
As questões relacionadas com Segurança/Violência envolvem
parcela expressiva do universo de expressão de leitores ,
mas se deslocam para temas vinculados ao Direito/Justiça nos
editoriais e nos artigos de colaboradores.
O subtema mais importante do período foi o racionamento
de energia , que estimulou, juntamente com as mazelas da seleção
brasileira e as CPIs do Congresso (caso Jader Barbalho) a
inspiração dos chargistas ou caricaturistas.
As mulheres, como se supunha, tiveram participação
pouco expressiva nas cartas dos leitores e, para muitos jornais,
esteve quase ausente do conjunto de articulistas. Esse fato
talvez explique a baixa incidência de temas de caráter estritamente
social (habitação, saúde, alimentação etc) nestas páginas.
Na maioria dos jornais, são os profissionais da palavra
(jornalistas, professores, escritores, advogados, políticos
e representantes da Igreja - católica que monopolizam o debate
dos artigos.
Os cientistas e pesquisadores estão ausentes dos debates
na mídia impressa e, muitas vezes, os subtemas técnico-cientificos
são apropriados por executivos, empresários e mesmo elementos
da classe política.
A ciência básica em geral e as ciências humanas em
particular estão à margem da preocupação dos leitores e articulistas,
que se concentram nas questões associadas ao progresso técnico,
ainda que algumas vezes contempladas sob a perspectiva de
seu impacto social.
No jornais paulistas, e nos de negócios de maneira
geral, o leque temático vinculado à C & T é " pauta
ou agenda" com muito maior intensidade do que nos demais
veículos. Em São Paulo, sobretudo , já se evidencia a condição
de C & T como mercadorias e sua estreita vinculação com
o poder (lobbies digitais etc). Mas os jornais regionais paulistas,
diferentemente dos de pretensão nacional, tiveram uma postura
discreta (mais do Diário do Grande ABC do que o Correio Popular)
em relação à temática de C & T.
A Ciência e a Tecnologia passam longe da percepção
de editorialistas, leitores e articulistas situados fora do
eixo Rio - São Paulo, com exceção de MG.
Nos jornais de negócios, cresce a participação dos
empresários e executivos, mas declina ainda mais vertiginosamente
a participação das mulheres. Nem mesmo neste espaço privilegiado,
surge com alguma relevância a figura do pesquisador/cientista
para participar do debate ou compartilhar conhecimentos.
A Política de C & T e a discussão sobre as prioridades
nacionais da área não animam os frequentadores das páginas
de opinião, ainda que eles se ocupem de aspectos pontuais,
visando defender os seus interesses. Mas a discussão sobre
quebra de patentes na saúde chamou a atenção para os monopólios
e a relação intrincada entre a pesquisa, patrocinada pelo
grande capital ,e o interesse público. A posição norte-americana
frente ao Protocolo de Kyoto reforçou a tese de que o mundo
navega à mercê dos grandes interesses.
C & T nas cartas de leitores
Número de cartas de leitores, abordando temas de
C & T: 15 - apenas 2 escritas por mulheres (abordam o
impacto das novas tecnologias no mundo do trabalho - o desemprego
pela tecnologia e a importância da Tecnologia da Informação
no processo de gestão)
As cartas, em geral, envolvem temas polêmicos, onde
se coloca de frente a disputa contra tecnologias, países e
empresas poderosos.
Distribuição das cartas por subtemas:
Patentes contra Aids: 4
Energia nuclear: 4
Transgênicos: 1
Clonagem: 1
Tecnologia e trabalho: 1
C & T nos editoriais
Número de editoriais que abordam temas de C & T:
10
A maioria destaca o confronto e a ação dos interesses
e compromissos de países e grupos hegemônicos.
Distribuição dos editoriais por subtemas:
Lobby digital: 3
Energia nuclear: 1
Transgênicos: 1
Política de Informática: 1
Meio ambiente (Kyoto): 1
Educação/Gestão de conhecimento: 2
Saúde (supertuberculose): 1
C & T nos artigos dos colaboradores
Número de artigos que abordam temas de C & T: 28
, só 2 escritos por mulheres.
Os artigos abordam um leque diversificado de assuntos,
mas predominam os que tratam da quebra das patentes e os relacionados
à degradação ambiental . Dois chamam particularmente a atenção:
(Esoterismo quântico, de Renato Sabbatini
e Elvis está vivo. Marilyn também, de Washington
Novaes, sobre a falta de postura crítica, sobretudo entre
os jovens , a aproximação entre ciência e magia e a investida
perigosa das pseudociências.
Conclusões principais
A Ciência e a Tecnologia aparecem timidamente nas páginas
de opinião dos jornais brasileiros, evidenciando que esta
área não desfruta ainda de status em termos de pauta e de
temática para reflexão e debate. Registre-se, no entanto,
que a situação era mais desfavorável em anos anteriores e
que alguns jornais, notadamente Folha de S. Paulo, O
Estado de S. Paulo e Gazeta Mercantil passam a incluir
C & & com maior frequência em suas páginas de opinião,
seja nos editoriais , seja em artigos dos seus colaboradores.
A participação da mulher no que diz respeito à repercussão
de temas de C & T, analisada a partir das cartas dos leitores
e dos artigos, é residual, mas este fato reflete uma situação
geral que se observa também para os demais temas.
A temática predominante diz respeito à pauta trabalhada
pelos jornais, portanto tem a ver com os temas de atualidade
(quebra de patentes, meio ambiente etc). Isso significa que
leitores e articulistas tendem, como era de se esperar, a
repercutir as questões em debate na sociedade num determinado
momento.
Os jornais não colocam a Política de C & T como
pauta, ainda que se trate de questão fundamental, estreitamente
vinculada à política industrial e a discussões que se travam
nos campos da política e da economia.
A ciência básica e as ciências humanas são menos privilegiadas
nestes espaços, que priorizam os temas polêmicos e, particularmente,
os vinculados à tecnologia de ponta ou a " big science".
Sugestões
Os jornais deveriam estimular a participação das mulheres
no debate travado nas páginas de opinião, em particular no
que se refere a temas de C & T, convidando pesquisadoras,
cientistas, docentes, executivas empresárias ou demais representantes
da sociedade civil a escrever artigos sobre temas específicos.
Os jornais deveriam analisar a relação entre prioridades
em C & T e as políticas públicas e debater a política
brasileira de C & T em sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e cultural do País. Questões como inovação
científica, relação entre universidade e empresa e a situação
da pesquisa (e dos institutos de pesquisa ) no Brasil são
pautas importantes e deveriam ser incorporadas ao dia-a-dia
dos jornais.
Pode-se estimular a participação dos leitores em relação
aos temas de C & T, propondo questões para o debate. As
respostas seriam publicadas na seção de cartas de leitores.
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OBS: A pesquisa foi apresentada no
II Workshop de Comunicação Científica
e Tecnológica, promovido pela Comtexto, em outubro
de 2.001, em São Paulo.
Observação importante:
A pesquisa continua em curso e, em futuro próximo,
outros dados serão agregados aos aqui existentes.
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Wilson da Costa Bueno é jornalista,
diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa,
professor da ECA/USP e da UMESP, mestrado e doutorado em Comunicação
Social pela USP
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