Wilson da Costa Bueno*
Os vestibulares para as nossas principais universidades têm,continuamente, apontado para uma realidade triste, mas incontestável: a procura por áreas tradicionais de ciências (Química, Física, Biologia, Matemática) continua declinando vigorosamente, enquanto outros campos do conhecimento e da prática profissional passam a merecer a atenção das novas gerações.
A situação chega a ser alarmante e é fácil entender os motivos. A falta de interesse pelas ciências ditas básicas , nos vestibulares, significa uma oferta cada vez menor de professores, ou seja, se não há demanda no presente, não existirão docentes de Química, Física, Biologia ou Matemática no futuro próximo.
Na verdade, o problema já se arrasta há pelo menos duas décadas e, infelizmente, o Governo ou os responsáveis pela implementação de uma política educacional que atenda aos interesses do País nada têm feito para solucioná-lo. Os jovens continuam (e continuarão) procurando as carreiras que lhes permitam obter maiores salários ou status, seguindo a orientação do mercado, com a participação decisiva da mídia. Ser professor, sobretudo nas áreas das ciências básicas, convenhamos, pelas condições atuais, não é mesmo atraente. Afinal de contas, quanto ganha um professor nas escolas públicas (municipais, estaduais ou federais) e que respeito lhes devotam as autoridades do País? Que prestígio lhes atribui o mercado ou os governantes?
Ser professor de Física ou Química , imaginam os vestibulandos, não é tão estimulante como ser jornalista, publicitário ou médico, advogado ou engenheiro, o que confirma a relação número de candidatos x vaga nos vestibulares das principais universidades brasileiras. Evidentemente, nada se pode fazer contra a escolha, porque, afinal de contas, ela se respalda numa realidade e numa imagem. O jovem vislumbra o seu futuro e não se enxerga numa sala de aula, muito menos pesquisando as ciências ditas tradicionais. E deveria?
Não há, com certeza, uma solução fácil e rápida para o problema porque toda mudança, nessa área, demanda tempo e um trabalho paciente de conscientização e sedução. Além disso, o dia a dia confirma a expectativa dos alunos. Com raras (e festejadas) exceções, o ensino de ciências nas nossas escolas não é estimulante, para o que contribui a má formação dos professores e a dificuldade que têm de se atualizarem ou de lançarem mãos dos modernos recursos pedagógicos. Na sociedade da informação, ensinar ciências com cuspe e giz não é tarefa fácil para ninguém porque as gerações que aí estão requerem um novo tipo de aprendizado. Os velhos livros não seduzem os estudantes e pouco vale culpá-los por se ausentarem das bibliotecas. Cada época tem a sua cultura e temos, obviamente, que buscar entender a atual para resgatar o próprio sentido do processo de aprendizagem.
Acreditamos, no entanto, que o jornalismo científico pode contribuir para alterar um pouco este quadro desfavorável. Podemos pensar, de imediato, em duas possibilidades: a) atuação competente dos meios de comunicação, consolidando uma prática democrática e saudável de divulgação científica; b) introdução de temas atuais e de material jornalístico (jornais e revistas, rádio, TV e internet na na sala de aula).
A mídia, infelizmente, reforça a visão que os jovens têm da ciência e da tecnologia, particularmente dos atores que jogam em seu processo de produção. A imagem do profissional de ciência nos meios de comunicação costuma ser estereotipado, como comprovam algumas pesquisas realizadas junto aos jovens e crianças: o cientista ou pesquisador é , geralmente, visto com um cidadão anti-social, que se isola do mundo e tem hábitos estranhos (cria franskstein, explode laboratórios, mora em cavernas, e, provavelmente, não tem família ou amigos). Sobretudo, é homem (para a mídia a ciência é uma atividade essencialmente masculina), alto, loiro e de olhos azuis. Como se vê, um perfil nada brasileiro e nada compatível com a situação do ensino . O jovem moderno não se enxerga desta forma e, por isso, não aspira ser um cientista ou pesquisador no futuro.
Se a mídia resgatasse o sentido autêntico da ciência, como uma aventura humana, repleta de adrenalina, voltada para a descoberta e para a realização do talento humano, talvez a imagem da ciência e do cientista ressurgisse de outra forma para as novas gerações. Para isso, será necessário que o jornalismo científico se liberte dos seus equívocos (vinculação aos grandes interesses, sobretudo) e que, ao invés de fazer a apologia dos resultados, destaque o processo de criação . Numa atividade em que parece tudo dar certo, onde só há ganhadores de prêmios Nobel ou gênis da lâmpada, não há mesmo espaço, imagina o jovem, para ele, apenas um cidadão comum. Ele deve pensar que ciência é coisa para nerds, o que bem poucos pretendem, efetivamente, ser.
Logo, se a cobertura de ciência e tecnologia se encaminhasse para uma nova perspectiva, a imagem da ciência e do cientista poderia cativar os jovens e, com isso, prestaria um grande serviço tanto ao mundo da ciência como à sociedade.
Outra forma de contribuir para despertar a vocação científica seria revitalizar o ensino de ciências, capacitando os professores e promovendo o debate de temas atuais (clonagem, mudanças climáticas, transgênicos, biopirataria etc) em sala de aula. Como as novas gerações curtem o mundo da comunicação, seria importante trazer para a sala os jornais, as revistas e principalmente a televisão e a internet. Boas reportagens, bons sites, bons CD-ROMs etc teriam o condão de despertar nos jovens o gosto pela descoberta. A ciência, seus conceitos, sua história, precisam ser descobertos pelos jovens num processo que concilie prazer, entretenimento e interação.
Precisamos formar crianças e adolescentes que saibam identificar o ethos da ciência, que possam se tornar professores multimídia e que emulem as gerações que ainda virão.
O jornalismo científico pode contribuir para despertar a vocação científica, mas, para isso, precisa mudar de rumo. Aí está uma responsabilidade que os empresários, os educadores e os jornalistas devem assumir.
A ciência brasileira precisa ser revigorada a partir de novos professores e pesquisadores que deveremos, a partir de agora, estar mobilizando. Se nada fizermos, estaremos contribuindo para que novos quadros não surjam, notadamente na chamada ciência básica. O futuro da ciência brasileira estará, definitivamente, comprometido. Vamos dar um passo à frente?