Wilson da Costa Bueno*
Se continuarmos insistindo
numa análise ligeira, apoiada apenas em alguns poucos
indicadores, chegaremos facilmente à conclusão
de que o Jornalismo Científico brasileiro atravessa
um momento singular, ou seja, ele está, como jamais
em sua longa trajetória, “por cima da carniça”.
O número de publicações
especializadas se multiplica a olhos vistos. A Astronomy
Brasil, comandada pelo Ulisses Capozzolli; a Com Ciência
Ambiental, dirigida pela Cilene Victor , dentre muitas outras,
estão aí no mercado para comprovar a competência
de muitos profissionais que atuam nesse campo.
Ao mesmo tempo, os cursos
especializados na área se multiplicam por todo o
País. O curso de especialização do
Labjor/Unicamp está consolidado e um futuro mestrado
na Unicamp, pelo que se pode imaginar, anda “na boca
do forno”. A UMESP e a USP , particularmente a primeira,
de há muito, formam mestres e doutores em Jornalismo
Científico e muitos outros também vêm
chegando pela excelência obtida em boa parte dos quase
30 programas de Pós-Graduação em Comunicação
existentes no Brasil (menção especial ao primeiro
programa específico de Jornalismo na Universidade
Federal de Santa Catarina).
Devemos saudar também
a aprovação pelo MEC do primeiro curso de
especialização a distância em Jornalismo
Científico, que vai funcionar a partir de 2007 na
Univap – Universidade do Vale do Paraíba, coordenada
pela competente Fabíola de Oliveira. Sem falsa modéstia,
não podemos deixar de citar o curso de atualização
profissional oferecido pela Comtexto Comunicação
e Pesquisa, que tem reunido alunos do Brasil e do exterior.
O número de trabalhos
de conclusão (TCCs) dos cursos de Jornalismo (mais
de 200 no Brasil) que têm versado sobre o processo
de divulgação científica, e sobre o
Jornalismo Científico em particular, também
tem aumentado, legitimando a adesão dos jovens profissionais
às questões que nos preocupam de longa data.
Esta nova realidade , obrigatoriamente, irá impactar
a cobertura de ciência e tecnologia no futuro porque
é assim mesmo: primeiro formam-se os profissionais,
desperta-se para a temática e, depois, as pautas
surgem na mídia naturalmente.
Na Internet, há um
movimento positivo no sentido de fortalecer a divulgação
científica, com espaços novos e destinados
a públicos distintos, como é o caso do site
DNA desde o começo, sob a responsabilidade da ONG
O DNA vai a escola, coordenada pela geneticista Márcia
Triunfol, versão portuguesa de um dos mais renomados
sites de ensino de genética do mundo. Não
se pode ignorar , sob pena de estar perdendo coisa muito
boa, a revista ComCiência , vinculada ao Labjor/Unicamp,
as revistas Pesquisa Fapesp e Ciência Hoje e mesmo
o trabalho desenvolvido pela Luisa Massarani no Museu da
Vida, da Fiocruz.
O Governo Federal, a Fapesp
e outras fundações de amparo a pesquisa (Faperj,
Fapemig etc) têm contribuído para o desenvolvimento
de iniciativas de divulgação científica,
certamente aumentando a massa crítica na área.
Mas nem tudo são flores,
como diria o poeta e há longos e esburacados caminhos
a trilhar.
Excetuadas as exceções anteriormente citadas
e outros poucos casos de excelência na divulgação
científica brasileira, aqui não mencionados
por falta de espaço ou de memória, o panorama
continua pouco favorável ao jornalismo científico
nos “jornalões”, no rádio e na
televisão.
Poucos são os espaços
efetivos (tipo cadernos, páginas ou editorias) dedicados
prioritariamente à cobertura de ciência e tecnologia
em nossos jornais e revistas, e há um silêncio
enorme nas emissoras de rádio e televisão
que, embora sejam concessões governamentais, continuam
abdicando do seu compromisso de formar e informar adequadamente
a opinião pública. Neste caso, em sua maioria,
atendem apenas a interesses pessoais ou comerciais, especialmente
a ambições de parlamentares (deputadores,
senadores, governadores ) que não têm qualquer
compromisso com os cidadãos.
As emissoras que são
propriedade de grupos religiosos também ignoram a
divulgação científica, mesmo porque
a ciência e a tecnologia (eles pensam assim) conflitam
com as suas doutrinas. Muitas optam por continuar manipulando
as consciências e assaltando os bolsos de brasileiros
desavisados, desfavorecidos, entregues à própria
sorte pela ineficiência das políticas públicas.
Mais uma vez, aqui as exceções confirmam a
regra.
O problema maior, porém,
não é apenas de ordem quantitativa, ter mais
ou menos espaço ou tempo nos meios de comunicação.
O equívoco maior está na prática de
um jornalismo científico que vive a reboque de fatos
sensacionais, que não atende à sua função
pedagógica e que não está comprometido
com o processo de democratização do conhecimento.
O jornalismo científico
, que temos por aqui, com as exceções de praxe
(e não são muitas) continua pouco investigativo,
refém das pautas externas e de temas muitas vezes
deslocados da nossa realidade. Certamente, a falta de uma
“cultura de comunicação” nas nossas
principais universidades, empresas e institutos de pesquisa;
e a falta de consciência dos editores e empresários
da comunicação, que buscam pautas óbvias,
oficialescas, contribuem para isso.
A circulação
de informações em ciência e tecnologia
é também mais tímida do que deveria,
exatamente porque a própria comunidade científica
(e os órgãos que a avaliam, como a Capes)
conferem pouca importância à tarefa de se comunicar
com a sociedade, preferindo privilegiar a comunicação
interpares, como se , no Brasil, não fosse o imposto
pago pelos cidadãos, todos nós, financiadores
da pesquisa em ciência e tecnologia que se faz no
país.
Os meios de comunicação,
além disso, estão comprometidos com as grandes
corporações nacionais e multinacionais, que
costumam mascarar de ciência e tecnologia ações
de marketing, numa tentativa deliberada de manipulação
da opinião pública , visando manter os seus
privilégios e seus lucros elevados. Esse é
o caso da indústria da saúde, da indústria
agroquímica e mais recentemente da indústria
de biotecnologia, onde se destacam empresas poluidoras (do
meio ambiente e da mente) como a Monsanto, a Bayer, a Syngenta
e muitas outras. Elas têm, com o apoio de suas estruturas
de comunicação, efetivamente competentes,
incentivado o chamado “jornalismo round-up”,
transgênico, de voz única, monofonte, que presta
um desserviço gigantesco à inteligência
jornalística nacional.
O jornalismo científico
precisa refundar-se para fugir a estas armadilhas que lhe
são interpostas pelos grandes interesses, pela omissão
de empresários e, infelizmente, em muitos casos,
pela falta de compromisso de seus profissionais, que têm
baixado a guarda e cumprido apenas burocraticamente a missão
que a sociedade brasileira lhes reservou. Afinal de contas,
a prática do jornalismo continua sendo privativo
dos que têm diploma (isso não tem sido bom
pelo menos para a saúde do jornalismo científico,
mas precisamos estar de olho no lobby dos que defendem outras
alternativas) e era de se esperar que eles não jogassem
no lixo esse privilégio.
O jornalismo científico
precisa avançar. Libertar-se do jugo das fontes especializadas
(alguns doutores de currículos Lattes definitivamente
não estão identificados com o interesse público,
muito pelo contrário), abrir a sua pauta, investigar,
denunciar as mazelas das políticas públicas
em C & T, agir com cidadania.
Não adianta lutarmos
por mais tempo e espaço, se não soubermos
ocupá-los adequadamente. Ciência e tecnologia
são mercadorias valiosas nos tempos modernos e não
podemos nos esquecer disso jamais, sob pena de, ingenuamente,
fazermos o jogo do grande capital. É preciso enxergar
além da notícia. É preciso perceber
quais os verdadeiros interesses dos que alegam fazer ciência
(como a Monsanto, Dow Química, Bayer, Merck, Novartis
por exemplo), que, na verdade, só têm mesmo
compromisso com os seus investidores e buscam, sofregamente,
estabelecer monopólios. Precisamos estar atentos
a cases dramáticos como o do agente laranja (Monsanto
e Dow Química), Vioxx (Merck), BioAmazônia
(Novartis) e ao cínico marketing verde de empresas
como a Bayer (que mascara a sua ação nociva
ao meio ambiente com a promoção de prêmios
de jornalismo ambiental).
O Jornalismo Científico
no Brasil precisa, parodiando as palavras de Vandana Schiva,
destruir de vez as monoculturas da mente.
--------------------------------------------------------------------------------
*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.