Fabiane Gonçalves Cavalcanti*
Introdução
É por meio da imprensa escrita (jornais e revistas) que se inicia a
disseminação da maioria das inovações lingüísticas, sejam elas de cunho estilístico
ou lexical. No caso específico do léxico, foi assim com termos como impeachment, agriculturável,
destraumatizar, conscientização, voto vinculado, entre outros,
conforme exemplifica Carvalho (1987).
Aliando este fato ao de que a área científica é hoje, devido ao
desenvolvimento tecnológico e à facilidade de comunicação, a principal fonte de novas
terminologias, temos no jornalismo especializado em ciência uma das áreas em que o uso
de "neologismos" é, sem dúvida, mais freqüente. Isto porque é por meio das
matérias especializadas que chegam até o público as descobertas científicas.
Tendo como principal objetivo a popularização do saber da ciência, o
jornalismo científico se configura na intersecção entre o erudito e o popular, ou seja,
a linguagem do cientista e a jornalística.
Nesse estudo, pretendemos apontar os neologismos e empréstimos
lingüísticos utilizados em matérias sobre pesquisas científicas, bem como registrar
termos eruditos e a forma como eles são "traduzidos", na tentativa de facilitar
a compreensão pelo público leitor.
Para isso, foram analisados cinco textos escritos por jornalistas e
editados na revista Ciência Hoje, publicação da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) destinada ao público em geral e que tem uma configuração
mista, reunindo tanto artigos de autoria de cientistas quanto matérias jornalísticas. O
critério de seleção das matérias (1) foi, de certa forma, aleatório: não houve
preocupação em escolher textos de uma mesma área do conhecimento ou de mesmo tamanho e
o material foi selecionado após uma primeira leitura, onde observou-se quais os que
continham nomenclaturas científicas e termos eruditos passíveis do tipo de análise
proposta. Desta forma, obtivemos o corpus que está especificado na tabela 1 e cuja
cópia dos originais se encontra nos Anexos:
Tabela 1
Texto |
Título |
Ciência Hoje
|
Seção |
|
|
Número |
Página |
|
1 |
O hormônio do emagrecimento |
114 |
58-59 |
Ciência em dia |
2 |
Arqueologia à brasileira |
97 |
74-75 |
Ciência em dia |
3 |
Cajueiro contra leucemia |
97 |
74 |
Ciência em dia |
4 |
Em busca do eucalipto de proveta |
119 |
73 |
É bom saber |
5 |
Contra a doença de Chagas |
111 |
51 |
É bom saber |
Vale destacar que a revista Ciência Hoje é dividida em várias
seções. Algumas delas contêm somente artigos e resenhas de cientistas, outras apenas
matérias jornalísticas (seção Ciência em dia) e outras ainda textos escritos
tanto por jornalistas quanto por cientistas, como é o caso da seção É bom saber.
Também não foi levado em consideração o nome dos autores dos textos.
Fundamentação
Teórica
Para a nossa análise é de fundamental importância a conceituação dos três pontos
observados no corpus: neologismos, empréstimos lingüísticos e termos eruditos.
Neologismos
No processo da constante, gradual e lenta mudança lingüística
(FARACCO, 1991), a língua, reflexo das atividades humanas, perde e adquire novos termos.
As palavras que são criadas para nomear as inovações nos diversos ramos da atividade
humana - seja arte, técnica, ciência, política ou economia - são denominadas
neologismos - do latim, neo (novo), e do grego, logos (palavra) -, como
explica Carvalho (1987: 8).
Os neologismos são a mostra mais patente da mudança na língua,
processo que passa muitas vezes desapercebido pelos seus usuários - falante/escritor,
leitor/ouvinte. No desenrolar deste processo constante de mudança, os neologismos vão
caindo no uso comum, popularizando-se. Assim aconteceu com termos como hipermercado,
biologia, bóia-fria etc.
Conforme Câmara Júnior (1979: 211), a criação de novas palavras no
português se dá por composição - associação entre duas palavras em que cada
uma conserva a sua individualidade mórfica na sua flexão característica - e derivação
- em que o sufixo de uma palavra passa a ser aplicado a outras palavras, de onde se
retiram novas estruturas léxicas, porém mantendo a significação básica da palavra de
que derivam. A formação de novas palavras em locuções, que Câmara Jr. (1979)
inclui na característica da composição, Vidossich & Furlan (1995: XVIII)
apresentam em separado, salientando que elas envolvem ainda a criação de siglas
(acrônimos).
Na área técnica, o neologismo nomeia realidades recém-criadas,
evitando confusões e determinando finalidades. A entrada de termos referentes às
ciências e tecnologias no vocabulário brasileiro foi maior do que em relação a todas
as demais áreas do conhecimento, conforme atesta o lingüista Antônio Houaiss, da
Associação Brasileira de Letras (apud CARVALHO: 1987, 38). Para esta autora, isso
demonstra serem estes termos - cuja divulgação inicial se dá geralmente por meio de
livros, revistas especializadas e comunicados - o ponto convergente do interesse das
sociedades hoje.
Empréstimos
Além da criação de novos termos dentro da própria língua, a
renovação lexical se dá ainda pela adoção de termos provenientes de outras línguas:
os empréstimos lingüísticos. Segundo Carvalho (1987: 55), os empréstimos são
neologismos por adoção, ou seja, a palavra estrangeira que é incorporada à língua.
"O empréstimo tem sua origem no momento em que objetos, conceitos
e situações nomeados em língua estrangeira transferem-se para outra cultura"
(CARVALHO: 1989, 42). Mas esta transferência não se dá bruscamente, isto porque os
falantes da língua receptora "resistem no primeiro momento, porque seus
hábitos fonéticos e a correlação habitual entre os fonemas e sua transcrição (no
caso da língua escrita) criam dificuldades à importação do termo" (op. cit.: 42).
A incorporação destas palavras ao léxico, entretanto, segue um
processo gradual - hoje já nem tão lento por causa da disseminação das novas
tecnologias comunicacionais, haja vista a Internet, maior rede de comunicação via
computador no mundo. De acordo com Carvalho (1987: 56), na primeira fase do processo de
adoção, a "palavra emprestada" é definida como estrangeirismo ou peregrinismo,
conforme preferem os puristas - ex: cartoon. Ela só será considerada empréstimo
posteriormente, quando adotada verdadeiramente pela integração na forma da língua e
pelo uso corrente entre os falantes, passando então a não ser notada como um termo
estrangeiro. Assim, sua a grafia é "aportuguesada" - tomando o exemplo
anterior, cartum. Se o termo "importado" permanece com sua grafia
original, mesmo sendo muito usado, será denominado de xenismo (xenos -
radical grego que significa estrangeiro).
Essas fases acontecem de maneira imperceptível, de forma que os
estrangeirismos caem no uso da língua, sendo a sua transformação em empréstimo ou em
xenismo determinada por fatores pragmáticos. Para Carvalho (1989: 58), a imprensa
"é a via de acesso mais corrente para os empréstimos".
As línguas latinas, em especial o português e o espanhol, de acordo
com Carvalho (1989: 57) são forçadas a adotar novos termos para nomear realidades que
nasceram fora de suas fronteiras. A razão disso é que a evolução das ciências se dá
mais rápido nos países mais desenvolvidos, que exportam o saber para o restante do
mundo.
Dados apresentados por Carvalho (1989: 57) mostram que o acervo lexical
da língua portuguesa - 150.000 verbetes registrados no Dicionário Aurélio - poderia ser
aumentado para 400.000 ao se incluírem as terminologias especializadas das modernas
tecnologias.
No caso das terminologias (que acompanham a transferência de
tecnologia), sua divulgação se dá por meio da língua escrita, em livros, revistas,
comunicados, manuais de instrução de novos equipamentos e de matérias do jornalismo
especializado ou não. Carvalho define terminologia como "vocabulário que serve para
definir, relacionar ou conceituar termos técnicos empregados em um determinado setor de
atividade, visando ao estabelecimento de uma linguagem uniforme, com o uso de termos
monossêmicos" (1989: 58).
Antes de atingir o grande público, entretanto, as terminologias são
transmitidas pela línguas escrita a um público pré-determinado. Depois alcançam um
número maior de leitores, porém ainda especialistas no tema, nas revistas
especializadas. "A terminologia estrangeira chega ao falante comum, a princípio pela
língua escrita" (Op. cit., 61), por meio de jornais e revistas de grande
tiragem.
Pela grande quantidade de empréstimos registrados na língua
portuguesa e certamente encontrados nas matérias jornalísticas, salientaremos na
análise do corpus apenas os xenismos e os empréstimos que apresentem importância
no contexto deste estudo, i.e., no jornalismo especializado em ciência. Já as
terminologias serão enquadradas como termos eruditos especializados, classificação que
melhor se adequa aos nossos propósitos de análise.
Termos eruditos
O português, assim como as demais línguas românicas, foi formado a
partir do latim popular, o latim falado pelo povo. No entanto, além das palavras que
chegaram oralmente, foram introduzidos termos no português (e nas línguas românicas em
geral) de uma maneira "artificial", conforme consideram Cardoso & Cunha
(1978: 132), por meio das obras dos escritores. São as palavras hereditárias que,
segundo estes autores, são a porção do léxico "que representa, além do fundo
sobrevivente, a contribuição do substrato e do superestrato porventura nele
incorporados". (op. cit.: 133).
Ainda de acordo com Cardoso & Cunha (1978), as palavras
hereditárias no português são, não somente as que vieram do latim, mas também as que
resultaram das contribuições pré-românicas (elementos ibéricos, célticos, gregos e
fenícios) e pós-românicas (elementos germânicos e árabes).
Carolina Michaëlis de Vasconcelos - no artigo "A formação da
língua portuguesa", reproduzido por Cardoso & Cunha (1978: 146-148) - também
chama atenção para o fato de, apesar do português descender do latim vulgar, constarem
em seu léxico palavras literárias, também denominadas cultas ou eruditas. São as
palavras retiradas das obras de autores clássicos ou do dicionário latino, "muitas
vezes com acepção imaterial, e que apesar da sua construção complicada não sofreram
as alterações fonéticas a que estavam sujeitas se entrassem cedo na boca do vulgo"
(op. cit.: 147). Câmara Jr. corrobora com esta informação, afirmando que foram poucas
as inovações fonológicas que estes termos trouxeram. (1979: 190)
Este autor lembra que as palavras do latim popular eram
"cuidadosamente" evitadas na língua clássica. Do chamado latim clássico,
derivaram no português moderno os termos eruditos que têm participação notada
sobretudo no vocabulário utilizado nas diversas áreas do conhecimento, científico ou
não, ou seja, pelo intelectuais e cientistas, como é possível observar nos exemplos na
tabela 2, a seguir:
Tabela 2
Latim vulgar | Português | Latim clássico | Português |
caballus | cavalo | equus | eqüino, eqüestre,
equitação |
cattus | gato | felis | felino |
casa | casa | domus | domicílio |
jocus | jogo | ludus | lúdico |
apprendere | aprender | discere | disciplina, disciplinar,
discente |
bibere | beber, bebida | potare | potável |
grandis | grande, grandeza | magnus | magno, magnitude |
Conforme os exemplos acima, é possível notar que dos termos do
latim popular muitas vezes derivaram os substantivos e verbos, enquanto do seu equivalente
no latim clássico, formaram-se palavras que designam o conjunto de ações relativas
aquele substantivo. Consideraremos pois, neste estudo, os termos eruditos relativos à
área especializada da ciência enfocada na matéria e os termos eruditos
não-especializados.
Análise do corpus
Um dos pontos mais interessantes de se observar no texto 1 (O hormônio do
emagrecimento) é como se dá a introdução do neologismo "leptina"
na matéria:
"Cientistas dos EUA descobriram um hormônio do emagrecimento, uma
substância tão fundamental no funcionamento do corpo humano que, provavelmente, vai ser
logo incorporada à lista de hormônios que o estudante de segundo grau precisa decorar.
O hormônio foi batizado de leptina (a partir do grego leptós,
magro, delgado), nome que já vale a pena guardar para poder acompanhar as pesquisas
feitas com a substância..."
O novo termo, que serve para nomear a substância descoberta pelos
cientistas, é apresentado de forma atraente no primeiro parágrafo da matéria, aguçando
a curiosidade do leitor e amenizando o "impacto" que a utilização de
neologismos comumente traz. No segundo parágrafo, utiliza pela primeira das 23 vezes em
que a palavra aparece no texto, o termo leptina, mostrando inclusive como foi
formado a partir do grego e ressaltando a importância de se "guardar" o nome.
O neologismo leptina (que ainda não consta no Dicionário
Aurélio) é um empréstimo do inglês norte-americano, onde é escrito da mesma maneira,
o que vem a ratificar a opinião de Cardoso (1987), de que os novos termos da linguagem
técnico-científica são geralmente internacionalizados. "Com a finalidade de serem
adotados em países de idiomas diversos, são estes neologismos criados por homens
eruditos com radicais gregos e latinos para suprir a falta de denominação aprofundadas
para os produtos novos" (CARDOSO: 1987, 33-34).
A mesma autora acrescenta, em obra de 1989, que "há
transferência de terminologia (empréstimo lingüístico, portanto) cada vez que noções
denominadas numa língua ou cultura particular são emprestadas diretamente ou traduzidas
de outras línguas e culturas" (pp. 74).
Outro neologismo encontrado no texto 1 (neste caso não propriamente um
empréstimo) é o termo "gordurômetro", no sexto parágrafo, que designa
"os receptores que medem a quantidade de leptina existente no sangue". O
termo foi criado possivelmente por analogia aos instrumentos utilizados para medir, como
hidrômetro, termômetro, tensiômetro etc., assim como foi criado "bafômetro",
o conhecido equipamento que mede o teor alcóolico no organismo, muito utilizado nas
blitze policiais nas estradas.
Entre os empréstimos lingüísticos, observamos no texto 1 os termos
"royalties", "overdose" (xenismos) e "gene obeso"
(em inglês obese), como pode ser observado na tabela 3. Overdose é
registrada no Dicionário Aurélio como uma palavra inglesa que significa "dose
excessiva, em geral de tóxico (superdose)". A palavra royalty, também do
inglês, é definida no dicionário como "comissão estabelecida em contrato entre
proprietário e usuário duma patente industrial ou marca de fantasia, entre o editor e o
autor de uma obra literária, etc, para fim de sua comercialização".
A não-utilização de termos mais populares ligados ao tema
obesidade/emagrecimento - como gordo ou gordinho - denota, a nosso ver, uma preocupação
em manter a linguagem com tendência ao erudito neste texto. São muitos os termos desta
classificação que podem ser notadas no texto 1, tanto especializados quanto
não-especializados. Entre eles podemos citar "anorexígenos", "sobrecarga
adiposa", "patamar" e "deposição", que
poderiam ser facilmente substituídos por emagrecedores, excesso de gordura,
nível e acúmulo, respectivamente. É evidente que observações como esta
não devem ser consideradas uma crítica à escolha lexical do autor da matéria, mas
apenas como observações que poderiam contribuir para a tentativa de tornar o texto mais
simples.
No caso de "anorexígenos" (2º parágrafo), é
possível inferir seu sentido (mesmo sem estar "traduzido") pela informação,
contida no texto, de que ele faz parte do rol dos produtos dietéticos:
"... substância, que em poucos anos poderá abalar para sempre a
bilionária indústria dos dietéticos, anorexígenos e afins"
Em geral, o uso de termos eruditos especializados exige anterior ou
posteriormente uma explicação que facilite a apreensão do seu sentido como o termo
"ensaios clínicos" (4º parágrafo) que é explicado em seguida por
"(testes em seres humanos)". Já "atividade celular" (5º
parágrafo) vem precedida da informação de que se trata de uma função fisiológica.
Outra forma interessante de se apresentar um termo ocorre no 7º parágrafo com "beta-3":
"... o primeiro gene causador da obesidade humana, que recebeu o
nome de beta-3"
Tabela 3
Texto 1 - O
hormônio do emagrecimento |
Parágrafo | Neologismos | Empréstimos | Termos ou
expressões eruditos |
| | | especializados | não - especializados |
1º | | | hormônio hormônios | |
2º | leptina (2X) | | hormônio anorexígenos sistema energético do corpo sobrecarga adiposa | |
3º | leptina (3X) | | | obesidade deposição patamar |
4º | leptina (2X) | royalties | hormônio ensaios clínicos biotecnologia ensaios clínicos | aporte |
5º | leptina (7X) | gene obeso (2X) overdose | mutação gene proteína (2X) mutantes (2X) hormônio funções fisiológicas atividade celular | obesos |
6º | leptina (5X) "gordurômetros" (4X) | | células de gordura corrente sangüínea cérebro (2X) estruturas do sistema nervoso mutantes hormônio receptores (2X) | obeso migre aporte inanição |
7º | leptina (3X) | gene obeso (2X) | mutação obesidade (2X) beta-3 (2X) gene genes | |
8º | leptina | | | toxidade |
No texto 2 (Arqueologia à brasileira), antes de utilizar a
expressão neológica "técnica em xadrez" (segundo parágrafo), o autor
apresenta no primeiro os resultados obtidos com esta nova técnica. É um recurso que, a
exemplo do texto 1 (no caso da leptina), atende ao requisito de amenizar o impacto
de novas terminologias e tornar atraente o texto jornalístico, convidando o leitor a
"descobrir" estes novos termos e facilitando a sua compreensão. Apesar disto,
fica difícil compreender visualmente como se processa a técnica em xadrez. Entretanto
este é um detalhe cuja análise mais aprofundada foge aos objetivos deste trabalho.
É importante enfatizar que não foram registrados, neste texto,
empréstimos lingüísticos de relevância para a nossa análise. Observamos no texto 2 o
uso de termos eruditos especializados sem a devida explicação, como "estratigrafia"
(2º parágrafo) e "lascamento" (7º parágrafo). O termo estratigrafia -
que, de acordo com o Dicionário Aurélio, significa "estudo da seqüência, no tempo
e no espaço, das rochas da litosfera" - só é explicado no 5º parágrafo, de forma
indireta, conforme é possível conferir na parte salientada do texto:
"... Essa técnica deixa testemunhos, paredes de muros de terra
que representam a estratigrafia. Ou seja, indica como no decorrer de milênios, os
sedimentos foram se depositando no local."
"Lascamento" (7º parágrafo) é um neologismo criado
a partir do verbo lascar (partir, fazer lascas) e não é dicionarizado. Já o termo
"indústria lítica" (7º parágrafo) é seguido da explicação entre
parênteses: "instrumentos de pedra lascada". Lítica, segundo o
Aurélio, é um adjetivo que vem do grego lithikos e é relativo à pedra.
A nosso ver, o uso de várias palavras eruditas tornou este texto
árido ao público em geral. Registramos termos como "contíguos" (2º
parágrafo); "feitores" (7º parágrafo), no sentido de `quem fez;
"disposição dos vestígios" (2º parágrafo); "sedimentos"
(5º parágrafo); "especificidades" (2º parágrafo); entre outros, como
pode-se conferir na tabela 4.
Tabela 4
Texto 2 -
Arqueologia à brasileira |
Parágrafo | Neologismos | Empréstimos | Termos
eruditos |
| | | especializados | não - especializados |
1º | | | escavação arqueológica pedra lascada pinturas rupestres | vestígios |
2º | técnica em xadrez | | estratigrafia | contíguos especificidades disposição dos vestígios |
3º | técnica do xadrez | | base rochosa escavação | |
4º | | | | |
5º | | | Método de Wheeler escavação em caixas estratigrafia sedimentos | |
6º | | | pinturas rupestres Tradição Agreste (2X) Tradição Nordeste | |
7º | lascamento | | lítica lascamento | feitores |
8º | | | escavação | vestígios época de
procriação |
9º | | | | dissertação mestrado |
Na matéria Cajueiro contra leucemia (texto 3),
verificamos que, ao contrário dos textos 1 e 2 - onde os neologismos são precedidos de
explicação/apresentação -, o termo especializado é introduzido primeiro, antes da
explicação. Podemos observar no parágrafo 1:
"O óleo da castanha de caju pode ser matéria-prima para a
síntese da lasiodiplodina, substância já conhecida por atuar contra a leucemia
(câncer de sangue).[...] estudos sobre a extração da substância a partir de um tipo de
ácido, o anacárdico, encontrado no óleo."
Neste trecho é possível conferir que o termo "lasiodiplodina"
(que não consta no Dicionário Aurélio) é identificado apenas como "substância"
e em seguida é salientada a sua função. É também uma forma de "explicar" o
termo especializado, reduzindo o seu impacto. Observamos ainda que o termo "leucemia"
vem seguido da sua explicação ipsis literis: câncer de sangue (no Dicionário
Aurélio sua definição é bastante confusa). Outra forma interessante de apresentar um
termo erudito é a utilizada para introduzir "anacárdico" (cf. trecho
acima) como "um tipo de ácido". Esta palavra não consta no Dicionário
Aurélio, entretanto encontramos anacardiáceas, termo da área de botânica que
denomina uma família de árvores que inclui as espécies dos cajueiros, sendo inclusive o
caju denominado, na explicação, de anacardium.
Os termos "cardol e cardanol" (palavras que também
não foram encontradas no Dicionário Aurélio) são introduzidos de maneira suave, sem a
necessidade de maiores explicações (2) , como se pode observar no trecho abaixo
transcrito do 3º parágrafo do texto 3:
"... óleo da castanha de caju, que é composto basicamente de
ácido anacárdico e mais duas substâncias: cardol e cardanol".
É interessante a explicação prática de "ácido salicílico"
no 4º parágrafo: "substância da qual é feita a aspirina". Também no
4º parágrafo registra-se a utilização da palavra "análogo" enquanto
substantivo e não adjetivo, o que a torna um termo erudito especializado que, de acordo
com o Dicionário Aurélio, vem do grego análogos, pelo latim analogu,
significando "equivalente". O termo especializado "fenol" é
explicado no 6º parágrafo como "(tipo de álcool)".
Outro trecho curioso é o seguinte, extraído do 7º parágrafo:
"A verdadeira fruta do cajueiro é a amêndoa e não, como se pensa, o pendúculo
hipertrofiado." Ora, o "pendúculo hipertrofiado", ao qual tão
erudita e especializadamente o autor se refere, nada mais é o gomo ou a polpa do caju, o
que denota a preferência neste texto de se utilizar termos mais especializados e
eruditos, seguindo a linha da linguagem da ciência.
Não verificamos no texto 3 neologismos ou empréstimos dignos de
registro importante para esta análise, como mostra a tabela 5 na página seguinte.
Tabela 5
Texto 3 -
Cajueiro contra leucemia |
Parágrafo | Neologismos | Empréstimos | Termos
eruditos |
| | | especializados | não - especializados |
1º | | | síntese lasiodiplodina leucemia ácido anacárdico | |
2º | | | lasiodiplodina sintetizada síntese | sintetizada drástico |
3º | | | síntese lasiodiplodina ácido anacárdico cardol cardanol | |
4º | | | análogo (2X) | |
5º | | | fungicida patenteados patente | componente |
6º | | | fenol | efeito cáustico |
7º | | | pendúculo hipertrofiado (2X) | |
No texto 4 (Em busca do eucalipto de proveta), observamos
a larga utilização de termos ligados à biotecnologia e genética, ciências em alta
atualmente, e em cujas áreas é desenvolvida a pesquisa apresentada no texto. Registramos
o neologismo "transgênicas" (3º parágrafo) - palavra
não-dicionarizada -, seguido de nenhuma conceituação. Entretanto é possível entender
que se trata de "plantas geneticamente modificadas", já que esta última
expressão é utilizada como seu sinônimo, como se pode observar no texto transcrito
abaixo:
"... serão obtidas, por clonagem, as plantas transgênicas.
As variedades geneticamente modificadas ainda terão que passar por testes de
campo..."
Registramos, entre os empréstimos lingüísticos no texto 4 os termos
"clonagem", "clone" e "performance",
este último um xenismo que significa, segundo o Dicionário Aurélio, "atuação,
desempenho (especialmente em público)". Os dois primeiros termos são
"traduzidos" seguindo a receita comum que já mencionamos, ou seja, com o termo
mais simples (ou explicação) precedendo a palavra erudita para amenizar o seu impacto.
Assim, figura no 2º parágrafo: "regeneração (clonagem)" e "novas
plantas - clones". No Dicionário Aurélio clone é definido como palavra
formada do grego klón "broto", significando o "conjunto de
indivíduos originários de outros por multiplicação assexual (divisão, enxertia,
apomixia, etc). [Todos os membros de um clone têm o mesmo patrimônio genético]".
Como se pode observar, a explicação na matéria para clones ("novas plantas"),
mesmo sem descer aos detalhes da conceituação, não deixa de ser verdadeira e atende ao
que é necessário explicitar no texto.
Já o termo "clonagem" aparece no texto como sinônimo
de regeneração, o que parece fugir ao seu conceito, pelo menos o que consta no
dicionário: "1. Processo de obtenção de um clone. 2. Introdução de um fragmento
do material genético de uma célula em outra célula que passa a possuir e a multiplicar
a informação genética contida no fragmento introduzido; engenharia genética".
Entre os termos eruditos especializados, destacamos a boa explicação
para "lignina" (1º parágrafo: "carboidrato responsável pela
dureza dos tecidos vegetais, principalmente troncos". Ainda assim como "carboidrato"
não está explicado, não faria diferença (e até poderia ficar mais inteligível) se
esta palavra fosse substituída por "substância". Em Vidossich & Furlan
(1995), lignina é definida como "polímero natural que está presente nas árvores
juntamente com a celulose. Componente essencial da madeira. Nas madeiras moles, participa
com cerca de 25% contra 60% de celulose, ao passo que, nas madeiras muito duras, por ex. O
ébano, chega à casa de 50%." (pp.167).
No 3º parágrafo, o texto menciona "acelerador de partículas"
sem, entretanto, dizer de que se trata. Explicação muito boa também é encontrada neste
parágrafo para o termo "calo", definido como "uma massa de
células que cresce como um tumor".
Também são preferidos dois termos eruditos em lugar de equivalentes
populares. São eles, "teor" (3º parágrafo), que pode ser substituído
por quantidade, e "rejeito", por lixo. Registramos no texto 4 (tabela 6,
abaixo) o uso de nomes científicos, pela primeira vez no corpus. Estão no 5º
parágrafo: "Eucalyptus grandis" e "Eucalyptus urophylla".
Apesar da freqüência de termos eruditos nesta matéria, sua construção se dá de
maneira simples com estas palavras apresentadas de com bastante clareza, tornando o texto
de fácil compreensão pelo público geral.
Tabela 6
Texto 4 - Em busca do eucalipto de proveta |
Parágrafo | Neologismos | Empréstimos | Termos
eruditos |
| | | especializados | não - especializados |
1º | | | celulose (3X) lignina carboidrato árvores modificadas geneticamente | |
2º | | clonagem clones | clonagem clones tecido lenhosas | |
3º | transgênicas | clonagem | lignina variedades
geneticamente modificadas gene (2X) vetor acelerador de partículas calo clonagem transgênicas bactéria | teor
vetor |
4º | | | celulose | material biológico |
5º | transgênicas | performance | Eucalyptus grandis Eucalyptus
urophylla lignina cancro hidróxido de sódio sulfeto de sódio transgênicas celulose | rejeito (2X) insumos
químicos |
Já no texto 5, encontramos um nome científico logo na segunda linha
do primeiro parágrafo: "Trypanosoma cruzi", conceituado como "causador
da doença de Chagas". No 2º parágrafo, observamos a expressão "cadeia
glicolítica" e "glicose", termos eruditos especializados que
são apresentados de uma forma bastante clara, como é possível conferir no trecho que
transcrevemos abaixo:
"... é a cadeia glicolítica, processo em que a glicose
(um açúcar) é quebrada por meio de uma série de reações"
O mesmo ocorre para o termo "glicólise" (3º
parágrafo): "Em geral, a quebra da glicose, também chamada glicólise,
ocorre ..." . O nome científico "T. brucei" (3º parágrafo) é
conceituado à semelhança do "Trypanosoma cruzi" do 1º parágrafo:
"(causador da doença do sono)". Registramos também uma explicação
satisfatória para "glicossomo", no 3º parágrafo: "uma organela
dentro da célula que tem concentrações altas das enzimas responsáveis pela glicólise,
aumentando a eficiência do processo". Ainda assim registramos a presença de
termos específicos nesta explicação, a exemplo de "organela" e "enzimas".
A referência às siglas técnicas utilizadas no texto 5 também é
feita de forma bastante clara, como pode-se observar nesta transcrição do 7º
parágrafo:
"A enzima escolhida para estudo foi a gliceraldeído-3-fosfato
desidrogenase (GAPDH). Esta depende de uma molécula, a NAD (nicotinamida adenina
dinucleotídeo),..."
Neste texto, observamos, como mostra a tabela 7 a seguir, o uso de uma
grande quantidade de termos eruditos especializados, além de sua freqüente (quase
excessiva) repetição, a nosso ver, um dos fatores que podem tornar a matéria cansativa
ao público leitor. É importante salientar que, assim como no texto 3, também não
registramos no texto 5 neologismos ou empréstimos dignos de análise sob a nossa
perspectiva.
Tabela 7
Texto 5 -
Contra a doença de Chagas |
Parágrafo | Neologismos | Empréstimos | Termos
eruditos |
| | | especializados | não - especializados |
1º | | | Trypanosoma cruzi | ciclo vital |
2º | | | T. cruzi cadeia glicolítica glicose parasita | |
3º | | | glicose glicólise (2X) citoplasma T. brucei T. cruzi glicossomo organela enzimas | |
4º | | | enzimas glicolíticas T. brucei glicossomo | |
5º | | | enzimas glicolíticas parasita T. brucei enzimas | |
6º | | | molécula cristalografia de raios X modelagem molecular | tridimensional |
7º | | | enzima gliceraldeído-3-fosfato
desidrogenase (GAPDH) molécula NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo) catalisar parasita moléculas cinética de ligação enzima parasita | catalisar |
8º | | | GAPDH enzima moléculas complementariedade química e espacial sítio de ligação NAD inibidores via glicolítica | técnicas computacionais |
9º | | | inibidores T. brucei moléculas GAPDH parasita (2X) enzima (2X) enzimas | |
10º | | | enzima (2X) parasita inibidor | tridimensionais |
Conclusão
Constatamos no corpus analisado que a utilização de termos da
linguagem erudita da ciência é uma constante nas reportagens científicas. É natural
que, ao falarmos ou escrevermos sobre determinado assunto, utilizemos um vocabulário
inerente a esta área. No caso do jornalismo científico, as fontes de informação para a
matéria são na maioria das vezes os cientistas, cuja linguagem reproduz a erudição
inerente à ciência.
Torna-se imperioso, no entanto, que este vocabulário erudito não
chegue a comprometer a compreensão do texto pelo público leitor não-especializado. É
preciso que o jornalista tenha em mente, como lembra Carvalho (1987) que na imprensa a
linguagem rebuscada é "substituída pela simplificação, a serviço de uma maior
comunicabilidade". Portanto, deve-se primar por explicações claras, concisas e que
não fujam da correção científica.
Também observamos no corpus que o uso de neologismos e
empréstimos é freqüente, confirmando a opinião de Carvalho (1987) e Vidossich &
Furlan (1995) de que área científica e tecnológica é um portão de entrada para os
novos termos na língua, já que introduzem novos equipamentos, teorias e conceitos que
necessitam ser "batizados". Assim, as matérias de divulgação científica
tornam-se o veículo que leva o público a tomar seus primeiros contatos com estas novas
terminologias.
Observações da autora no texto
1) Os termos "matéria", "reportagem" e
"textos", embora não necessariamente signifiquem a mesma coisa, são utilizados
como sinônimos neste trabalho.
2) Este é um ponto, aliás, em que cientistas e jornalistas freqüentemente discordam
no que diz respeito à reportagem no jornalismo científico. Os primeiros querem que tudo
seja explicado com detalhes, seguindo a metodologia científica a que estão acostumados,
enquanto que para os segundos o que importa é a informação concisa e clara, porém nem
sempre detalhada, geralmente em função do escasso espaço para estas matérias em
jornais e revistas, conforme registra Cavalcanti (in INTERCOM: 1995, 140-151).
Bibliografia
CARVALHO, Nelly. Empréstimos lingüísticos.
São Paulo: Ática, 1989. 84p..
CARVALHO, Nelly. O que é neologismo. São Paulo: Brasiliense,
1987. 75p.
CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso, História e estrutura da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1979. 2ª ed. 264 p.
CARDOSO, Wilson & CUNHA, Celso. Palavras hereditárias e palavras
de empréstimo. In: Estilística e gramática histórica; português através de
textos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. pp. 127-200.
CAVALCANTI, Fabiane M. C. G. Jornalistas e cientistas: os entraves de
um diálogo. In: INTERCOM - Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo: Vol.
XVIII, nº 1, jan/jun 1995. pp. 140-151.
FARACCO, Carlos Alberto. Lingüística histórica. São Paulo:
Ática, 1991. 136 p.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
2ª ed. São Paulo: Nova Fronteira, s.d.
VIDOSSICH, F. & FURLAN, O. Dicionário de novos termos de
ciências e tecnologias: empréstimos, locuções, siglas, cruzamentos e acrônimos.
São Paulo: Pioneira, 1995. 357p.
TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos; itinerário histórico da língua
portuguesa. São Paulo: Ática, 1990. 208 p.
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OBS: Monografia apresentada na disciplina Lingüística Histórica em 1996, durante o mestrado em Linguística na Universidade Federal de Pernambuco.
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*Fabiane Gonçalves Cavalcanti é subeditora de Ciência/Meio Ambiente do Jornal do Commercio, Recife/PE, mestre em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco.