Ilza Maria Tourinho Girardi*
Neste final de século estamos testemunhando uma profunda crise que afeta todos os aspectos da vida. A poluição gerada pela busca do lucro a qualquer custo, as guerras, a fome, a miséria generalizada , revelam uma sociedade injusta, sem ética e que nega o direito à cidadania. Ao mesmo tempo, o avanço acelerado das tecnologias da informação tem contribuído para a abolição das distâncias permitindo maior rapidez nas comunicações.
As notícias dos acontecimentos podem chegar em tempo real nos pontos mais longínquos. Se isto traz benefícios também acarreta muitos problemas porque a rapidez exigida no processo de produção da notícia pode gerar muitos ruídos, sem falar nos interesses econômicos que direcionam o fazer jornalístico. É uma época de globalização da economia onde a busca por novos mercados e diminuição de custos justifica tudo. E aqui encontramos cientistas e professores universitários, associados a executivos da indústria, defendendo tecnologias ou produtos que são nocivos para a saúde e para o meio ambiente.
Paralelamente à avalanche de notícias que são passadas pela mídia existe um crescente grau de desinformação na nossa sociedade. Isto nos impede de tomar decisões que dizem respeito ao tipo de sociedade que queremos para viver ou que estamos construindo para nossos filhos. Outras vezes decidimos de forma equivocada ou simplesmente ficamos imobilizados frente a tantos horrores chegam em nossa casa através da mídia ou via internet.
Neste cenário complexo o jornalismo ambiental assume uma missão muito importante para contribuir com a transformação da sociedade tendo em vista uma oikos solidária, sadia, afetiva e ética. E o jornalista precisa estar consciente de seu papel como agente de transformação social. Precisa estar bem informado, estudar constantemente e ter responsabilidade, pois atua em um campo muito amplo que exige o domínio a linguagem científica, para que esta possa ser decodificada e democratizada. É um campo que freqüentemente se apega a discursos ambíguos para justificar a imposição de certas tecnologias que são apresentadas como benéficas e salvadoras da humanidade.
Hoje no Brasil estamos assistindo e também sendo protagonistas de fatos exemplares para esta discussão que envolve o jornalismo ambiental ou científico (porque não deixa de ser um ramo do jornalismo científico), ética e cidadania. É a tentativa da Monsato de comercializar a sua soja geneticamente modificada para resistir ao herbicida Glifosate, também de sua fabricação. Os argumentos empregados variam dos ditos científicos ( como aqueles que justificaram os agrotóxicos, os híbridos e os adubos solúveis da Revolução Verde ) até aqueles altamente humanitários ou salvacionistas, como por exemplo, "precisamos usar a biotecnologia para aumentar a produtividade e produção de alimentos e evitar que a humanidade morra de fome".
No Rio Grande do Sul está havendo uma verdadeira batalha contra o projeto do governo de criar uma zona livre de transgênicos. É a primeira na vez na história deste estado que um governo assume uma bandeira levantada pelo movimento ecológico e entidades de defesa do consumidor interessadas em proteger a saúde do cidadão. É uma batalha que tem envolvido tanto a justiça como a polícia. Do lado da Monsanto estão os produtores rurais, que consideram a agricultura ecológica ficção científica, pesquisadores de universidades e outros centros de pesquisa governamentais e todos os políticos ( alguns até são médicos!) que em outros tempos defendiam os tais "defensivos agrícolas". E também empresas jornalísticas, que usam como argumento a insuficiência de pesquisas científicas que comprovem os perigos dos alimentos transgênicos para a saúde. Pois só este argumento foi suficiente para a Inglaterra dar uma moratória de cinco anos para liberar ou não o cultivo de transgênicos em seu território. Enquanto isto devem ser desenvolvidas pesquisas que futuramente possam respaldar a decisão de liberar ou não tais produtos.
Esta experiência atesta a necessidade de haver cada mais discussões sobre a atuação do jornalista na esfera ambiental. É importante lembrarmos que o jornalismo ambiental surgiu com o envolvimento dos profissionais da imprensa com a cobertura/denúncia das agressões sofridas pelo nosso ecossistema. Isto prova que existem alternativas mesmo quando estamos atuando em um veículo de comunicação e temos nosso trabalho pressionado pelo tempo.
O movimento ecológico e o jornalismo ambiental desde o início dos anos 70 têm dado um bom exemplo de compromisso com a cidadania na medida em que foram os primeiros a colocar na ordem do dia conceitos e discussões que ficavam até então restritos às instituições de pesquisa e universidades. Com o tempo as pessoas começaram a entender o que é poluição, o que é agrotóxico, qual o problema da camada de ozônio, para ficar só nestes exemplos, e a se somarem aos grupos que reivindicam melhoria da qualidade da água, do ar, do solo, enfim da vida.
Ao atuar na popularização do conhecimento científico o jornalista precisa também exercitar a humildade resolvendo suas dúvidas sempre com suas fontes de informação. Assim ao divulgar a informação correta ele estabelece laços de confiança, que são indispensáveis nesta parceria. Poderá também auxiliar o cientista a compreender a importância da divulgação dos resultados de suas pesquisas, como uma espécie de prestação de contas, uma vez que elas são financiadas com os impostos pagos pela população mesmo tratando-se de uma instituição privada.
Nestes tempos de crise os jornalistas ambientais devem manter uma vigilância permanente para não se deixar seduzirem por comportamentos mais fáceis. Devem ter conhecimento histórico, porque este pode nos livrar de armadilhas e fornecer os instrumentos para analisar a realidade presente. E nunca perder a perspectiva da ética que nos indica os caminhos da justiça, da compaixão, da busca do bem e da felicidade para todos. Isto pode ser resumido pela ética do cuidado que nos ensina, conforme o teólogo Leonardo Boff, a ter um cuidado amoroso conosco e com os outros seres da natureza.
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*Ilza Maria Tourinho Girardi é jornalista, professora de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre e doutora em Comunicação.