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Os jornalistas e a pesquisa na Amazônia

Ruth Rendeiro*

       Cada vez que participo de um evento de grande dimensão tendo como tema a pesquisa na Amazônia, a incômoda sensação de que nós, jornalistas da terra, estamos muito distantes do que de fato está acontecendo na região, aumenta significativamente. Acabo de retornar da II Conferência Internacional Científica do LBA (Experimento de Larga Escala da Biosfera-atmosfera na Amazônia) que aconteceu este mês, em Manaus. São mais de 500 pesquisadores de países da Europa, os EUA e Brasil que em mais de 100 projetos tentam entender o que está acontecendo com (e na ) Amazônia e se as mudanças continuarem aceleradamente, o que poderá acontecer também com o resto do mundo.
       Um trabalho articulado (e pioneiro) e com bom resultado uniu jornalistas do Ministério da Ciência e Tecnologia, Embrapa Amazônia Oriental, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com a incumbência de divulgar ao Brasil não apenas a realização da conferência, mas (e principalmente! ) os conhecimentos já gerados por esse "pool" de pesquisadores de altíssimo nível.
       Não é fácil decifrar, decodificar, traduzir, popularizar, enfim, colocar em uma linguagem simples e acessível aos leigos, o que a pesquisa faz nos laboratórios e atrás dos muros das academias. Tanto que cresce consideravelmente o número de jornalistas que vem se especializando em Jornalismo Científico e abraçado o desafio de levar à dona-de-casa, ao estudante ou ao empresário o que a ciência está gerando (e descobrindo) em seu benefício.
       Mas neste caso específico, como amazônida típica, resultado de um cruzamento de português com índio, a tarefa parece ainda mais complicada. Extrapola ao profissional, desafia as entranhas, penetra no íntimo. É escrever sobre nós mesmos, sobre a nossa chuva, nossos rios, nossas árvores e até sobre a nossa poluição (Isso mesmo! já temos poluição comparável a algumas cidades de São Paulo). Como sabemos tão pouco sobre nós mesmos !
       E não são só os cientistas e pesquisadores de outras regiões e de outros países que falam com tanta desenvoltura sobre temas que parecem tão familiares ao povo da região ("Na Amazônia a chuva forma-se rapidamente e cai também rapidamente", por exemplo). Os jornalistas (de outras regiões do país e estrangeiros) também deixam bem claro o quanto sabem sobre nós, sobre o que acontece dentro de nossa casa.
       Aquela incômoda sensação de estar sendo traída fica então mais latente. Os que fazem hoje Imprensa na Amazônia parecem não estar dando muita atenção para o que ela significa interna e externamente. Talvez porque nascemos aqui, crescemos aqui e já estejamos acostumados com a exuberância da vegetação, com as chuvas diárias, com a umidade elevada ou com o calor abafado. Nossos olhos já estão tão acostumados que já não enxergam o óbvio.
       As mudanças estão acontecendo, a pesquisa de grande parte do mundo está voltada para esta que representa mais de 60% de todo o território nacional , mas continuamos valorizando o que vem de outras paragens, seja Rio de Janeiro, São Paulo, Nova York ou Faixa de Gaza.
       Sinto, a cada oportunidade que tenho de estar diante de tanta informação sobre a Amazônia, que nós jornalistas da região precisamos estudar um pouco mais, ir mais profundamente nas questões que tratam de nós, do nosso presente, do nosso futuro. Não dá mais pra nos limitarmos a simplesmente abrir e fechar aspas, usando e abusando daqueles verbos que marcam os textos preguiçosos (argumentou, completou, concluiu, explicou ...). Sem querer ser a palmatória do mundo (ou da profissão) sinto que temos que mudar, ler um pouco mais e escrever entendendo mais sobre o que estamos escrevendo.
       É constrangedor e decepcionante a dificuldade que há em se "vender" uma pauta quando os assuntos são mais complexos, mesmo que falem de nós, de nossos umbigos. A maioria dos que militam na profissão na Amazônia ainda tem enorme dificuldade de compreender temas que já são de domínio em outras regiões como "seqüestro de carbono, aerossóis, certificação florestal, cadeia de custódia ou biomassa". Os de outros Estados (São Paulo e Brasília, principalmente) dão a impressão que estão bem mais preocupados com o nosso destino do que nós mesmos.
       Em Manaus, recentemente (e com raras exceções), não foi diferente. Mas em Belém, o desinteresse da imprensa por assuntos mais complexos, que exigem um pouco mais de conhecimento prévio, via de regra, é muito mais acentuado. Algumas vezes me pergunto se temos consciência de que estamos vivendo na região que possui a maior biodiversidade do planeta, que é a segunda palavra mais conhecida do mundo ou a que até bem pouco tempo era chamada de pulmão do mundo.
       Espero que não muito distante, nós, jornalistas, que atuam ou não em Ciência e Tecnologia, mas que vivemos na Amazônia, mudemos esse comportamento. Chegou a hora de assumir a responsabilidade de falarmos de nós mesmos e não delegar a outros, que por não conhecerem a região, não serem filhos da água (da chuva ou dos rios) acabam nos vendo (e passando isso para o resto do País e do mundo) como exóticos, diferentes, meio extra-terrestres que vivem à beira dos igarapés, comem bacuri e pupunha etêm uma chuva que cai pontualmente às duas horas da tarde.
       Bem-vindos os que vêm de fora sem pré-conceito, sem a visão deturpada do inusitado. A eles devemos nos juntar e, sério e profissionalmente, tratar de uma Amazônia que está sendo descoberta cientificamente e a sociedade precisa acompanhar pari passu. E aí está a nossa missão maior.

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*Ruth Rendeiro é jornalista da Embrapa Amazônia Oriental.

 
 
 
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